Indígenas na USP: “a academia não pode seguir ilhada”

Luar, do povo originário Sateré-Mawé, se interessou em fazer mestrado na USP em Psicologia Experimental.
Foto: Adrielly Kilryann/JC

“Entendo que a participação de indígenas na universidade é de extrema importância, sobretudo na produção do conhecimento, pois coopera para a desconstrução de estereótipos que deram margem para a existência do racismo científico e outras formas simplórias de compreensão da diversidade humana.”

O autor da frase se apresenta como Luar, mestrando em Psicologia Experimental no Instituto de Psicologia (IP) da USP e integrante do povo Sateré-Mawé, no Amazonas. “‘Sateré’ significa lagarta de fogo e ‘Mawé’, papagaio falante, curioso e inteligente”, explica. O pesquisador é formado em Direito e tem especialização em Direitos Ambientais, Indígenas e Humanos.

Luar é a exceção das exceções. Na USP, o número de estudantes autodeclarados indígenas é extremamente pequeno se comparado ao total de alunos de graduação, pós-graduação e doutorado. O Anuário Estatístico da USP de 2021 aponta que de 106.320 alunos, apenas 137 são autodeclarados indígenas, o equivalente a somente 0,13%. Além disso, do total, 53.904 se declararam brancos, aproximadamente 51%.

Ele conta que a motivação para estudar na Universidade nasceu a partir de um convite do professor indígena Danilo Guimarães, do IP-USP, quando fazia uma formação na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Então, acabou se “interessando em pesquisar sobre saúde mental no contexto indígena”.

Sobre a formação, Luar acredita que qualquer área de estudo traz seus próprios desafios, é transformadora e promove novas oportunidades de “registrar perspectivas de uma alteridade, que subsiste historicamente ao longo das diferentes formas políticas de dominação”. Como no caso dos povos indígenas que, ao longo da história, foram “vistos apenas pelos estereótipos impostos pelos diferentes processos de dominação”, complementa.

No IP-USP, Luar explica que foi criado um espaço cultural voltado à pessoa indígena, de modo a fugir daquilo construído pelo homem branco no atendimento psicológico, como os prédios e consultórios. “Se estamos afirmando a existência de uma psicologia indígena, não podemos fazê-lo como sempre foi feito, ou seja, o branco ou não indígena dizendo como o indígena pensa.”

Outra aluna do IP-USP, a doutoranda Julieta Paredes Carvajal, que pertence ao povo originário Aymara, da Bolívia, destaca o por quê de ser fundamental estudar para os indígenas. Como Luar, ela busca trazer diferentes perspectivas de mundo e cultura, quebrar estereótipos e ocupar um espaço acadêmico ainda dominado por brancos.

Ela explica que os documentos que retratavam os territórios indígenas eram escritos no idioma colonizador – em  espanhol, no caso de Julieta e, português, no Brasil. “Era imprescindível para nossos povos que nós aprendêssemos a ler e escrever no idioma do colonizador para entender o que estava acontecendo com nossos territórios e com nossas vidas.”

Doutoranda do IP-USP e pertencente ao povo Aymara, Julieta estuda Políticas Públicas de Gênero. Foto: Adrielly Kilryann/JC

Julieta conheceu a USP também por meio do professor Danillo Guimarães. Ela tinha um projeto de pesquisa e Guimarães a convidou para fazer o doutorado na universidade. Após apresentar o projeto à banca de avaliação, foi aprovada para fazer o doutorado no IP-USP e continuou os estudos que já havia começado com o mestrado, na área de Políticas Públicas de Gênero.

Para Julieta, a academia no geral, não somente a USP, exclui os povos originários. “O território da Bolívia também é assim. As academias, as universidades, são excludentes”, explica. “O acesso ao conhecimento não é para quem está por fora de uma burguesia branca, composta por homens, principalmente.”

Apesar disso, a pesquisadora acredita que a universidade tem papel fundamental para “aportar as mudanças que os povos e a sociedade precisam”. “A academia não pode seguir ilhada, isolada dos processos políticos revolucionários”, afirma, ressaltando que a Lei de Cotas é um avanço, mas que deve vir apoiada por políticas de investimento para promover a educação indígena. “A força de nossa espiritualidade e a sabedoria vão dialogar, aportar e acrescentar à sabedoria desse lugar que se chama academia.”

Por: Letícia Naome, para o Jornal do CAMPUS, 10/05/2023

 

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