Interesse por assuntos relacionados à morte cresceu, segundo especialista

A morte é um assunto muitas vezes ainda difícil de ser tocado. O medo do desconhecido, do sofrimento, de morrer cedo demais – são muitas questões que explicam por que o tema ainda é um tabu.

Por Luiza Vidal/Portal da Band, Metro Jornal, 16/05/2018

Para alguns especialistas, porém, o interesse no tema tem aumentado ao longo dos anos. Mas, para outros, ainda é muito delicado de ser discutido no Brasil, pois esbarra em questões culturais e religiosas, que ajudam a explicar por que as Diretivas Avançadas de Vontade – Testamento Vital e mandato duradouro – não são conhecidas na sociedade.

“Se falar de morte já é difícil, que dirá decidir sobre ela”, afirma a professora do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) Maria Julia Kóvacs, ao Portal da Band.

Referência no assunto que envolve a temática e também coordenadora do LEM (Laboratório de Estudos Sobre a Morte), ela explica que o medo da morte é algo comum. Inclusive, em alguns casos, é possível “sentir a morte chegando”, diz. “Em pessoas com doença avançada é mais provável. Alguns casos nos surpreendem, como pessoas sem doença nenhuma que anunciam que vão morrer e se despedem, mas é raro”.

A visão da especialista, entretanto, é otimista. Ela observa que há um certo interesse sobre o assunto quando se abrem espaços para a comunicação. “Nos eventos que realizamos, há a presença de um grande número de pessoas querendo falar sobre a morte”.

A melhor forma de naturalizar o assunto, de acordo com Kóvacs, é comentando notícias e assuntos, nas escolas e em conversas de família.

“O melhor é sempre abrir a conversa, escolher pessoas da família ou amigos para trocar ideias e que podem ser representantes da decisão do paciente no final da vida, quando este talvez não tenha mais condição de tomar decisões sobre a sua vida”, explica.

Sobre as Diretivas Avançadas de Vontade, a psicóloga vê um atraso no Brasil. “O problema maior é que poucos ouviram falar sobre isso, e ainda mais grave quando há profissionais que não sabem ou não querem tratar esse assunto com seus pacientes”.

Kóvacs é a favor da criação de cursos que tratem de morte, luto e suicídio, não só nas universidades de Medicina, mas também de uma forma mais ampla. “Não é garantia que os estudantes se interessem pelo conteúdo, mas é importante incentivá-los a conhecer e ter espaço para reflexão e debate, também quando começam seus estágios”.

“Objetivo da vida é morrer”

Médica especializada em Medicina Paliativa, Cristiana Guimarães Paes Savoi analisa que a “negação da morte” traz uma dificuldade na discussão do assunto em torno do Testamento Vital.

Para médica, hoje, o grande tabu é a morte e não mais as drogas ou sexo. “Não é legal falar sobre a morte. Legal é ser jovem, bonito e fazer tratamentos estéticos para parecer 10 anos mais jovem. Existe uma negação da velhice e da morte”, afirma. “As pessoas não pronunciam nem a palavra ‘morte’, sempre é ‘fulano faleceu, veio a óbito, fez a passagem’, tudo isso para não falar que ele morreu”.

Essa cultura, segundo a especialista, está muito enraizada e nos acompanha desde que somos mais jovens. “Não se leva crianças em enterro e nós, adultos, vamos passando para elas a ideia de que é uma coisa proibida”, critica.

A especialista enumera, ainda, três motivos principais para a falta de discussão acerca do assunto. Para ela, são questões culturais, religiosas e dificuldade em falar sobre a morte.

O primeiro ponto, segundo Savoi, é a “crença de que o médico sempre sabe o que é melhor para o paciente”. “Também tem um paternalismo da própria família, em relação a pacientes mais graves, na fase final de vida, ou seja, quando os familiares tomam para si de forma automática as decisões”.

Sobre a religião, a doutora acredita que os dogmas religiosos – “a vida é sagrada e deve ser preservada a qualquer custo” – prejudicam o debate. “Isso bota em cheque a credibilidade do documento que, muitas vezes, vai limitar os tratamentos que não serão realizados em uma fase final. É uma imaturidade da nossa sociedade em discutir questões associadas a nossa autonomia”. Em países europeus ou até na América do Norte, a visão é diferente, de acordo com Savoi.

Por fim, a médica vê a dificuldade em encarar a morte. “Somos todos finitos, mortais, e como vamos viver essa fase final da vida? Mas, se a gente nega a morte e não quer falar sobre isso, fica difícil tratar uma questão como essa”.

Para ela, os grandes avanços da tecnologia “geram uma falsa sensação de que a gente tem poder sobre a morte e que consegue curar e reverter”. “As pessoas vão continuar morrendo, por melhor que seja a medicina, por mais avançado que seja o aparelho médico ou remédio”, diz. “Nós nascemos para morrer. O ser humano é um-ser-para-morte, como dizia o filósofo Martin Heidegger. O objetivo da vida é morrer”, conclui.

“É nossa única certeza”

Psiquiatra em um hospital focado nos cuidados paliativos, Manuela Salman tem o tema da morte presente no dia a dia. O que observa é que, diante da finitude, os pacientes passam a viver de outra forma. “Às vezes, ela percebe que não é preciso mais dormir 8h, por exemplo”.

A médica também acredita que a dificuldade no assunto das Diretivas Antecipadas de Vontade se dá pelo tabu. “Falar sobre finitude não é algo que é considerado natural e é a nossa única certeza na vida: que vamos morrer”, fala.

Na visão de Salman, o ideal é ter plataformas que tragam o assunto, como blogs, reportagens programas de TV. “É uma maneira de levar a semente à sociedade. Fora a revisão de currículos acadêmicos na área de saúde, no mínimo, e na advocacia também”.

Ela também acredita que os cursos de graduação na área médica tratem mais sobre a morte. “Se o profissional formado em sua base ignora que as pessoas morrem, a gente não vai para frente. Ele precisa ter consciência que vai lidar com a frustação de não curar as pessoas”.

A psiquiatra vai além e critica a falta de apoio da sociedade quando a pessoa está em luto. “Vejo muito luto se complicando em função disso. Se a gente reconhece, não existe? A pessoa se sente só. Ela não é validada no sofrimento. Não adianta dizer ‘força, supera’, porque ela não vai desenvolver uma força e superar naquele momento. Cada um tem seu tempo”.

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