As múltiplas vivências do atleta em transição

Diante da preocupação com o rendimento do atleta, faz-se urgente a necessidade de compreendê-lo como indivíduo,analisando as muitas transições pelas quais passa durante a carreira esportiva

 

A psicóloga Keila Sgobi de Barros, formada pelo IPUSP, dedicou quase uma década de sua vida ao basquetebol. Inspirada em sua vivência, em seus questionamentos sobre as etapas da carreira do atleta e sobre a necessidade de seu reconhecimento como sujeito no mundo, Barros resolveu dedicar-se ao estudo dos jogadores de basquetebol, desenvolvendo uma pesquisa que resultou em sua dissertação de mestrado.

Partindo do pressuposto de que a carreira esportiva é um processo longitudinal constituído por diversas fases – cada uma delas com suas características específicas –, a ex-atleta procurou compreender de que forma os esportistas vivenciam as transições que fazem parte do desenvolvimento da carreira esportiva. Para Barros, a questão não era pensar em estratégias para o enfrentamento das transições, porque isso já está descrito e não é inovador na literatura. Também não era analisar uma fase delimitada, mas, sim, “entender como é para o atleta viver esses momentos. E não apenas as mudanças de categorias, mas as mudanças pertinentes ao próprio esporte, como a troca de um técnico, por exemplo”, explica a psicóloga.

Para isso, Barros entrevistou seis pessoas com diferentes idades e, consequentemente, diferentes fases de carreira. O método de análise da experiência dos atletas baseou-se na fenomenologia e no existencialismo, e, por meio destes métodos, a pesquisadora chegou a duas vivências estruturantes e a cinco vivências essenciais comuns aos entrevistados, identificadas como: 1) “eu me apaixonei… e fiquei”; 2) “a eterna busca – nunca deixe de tentar”; 3) “re-conhecer-se”; 4) “com o basquete eu aprendi… coisas pra vida”; e 5) “balanço defensivo”. Segundo a psicóloga, as vivências “nos permitem compreender que o afeto desenvolvido na prática do basquete está ligado a uma busca incessante e cuidadosa por uma carreira profissional, que possibilita que o atleta se reconheça e seja reconhecido por aqueles que fazem parte do ambiente esportivo”. Todo esse processo emana afeto, solidariedade e gratidão, o que transforma um grupo em uma verdadeira comunidade.

Essas vivências essenciais comuns aos entrevistados levaram a pesquisadora a identificar as vivências estruturantes nomeadas de “O vivido através(sado) – ovivido com” e “a gratidão”, que, de acordo com Barros, “são marcas do reconhecimento do outro e da solidariedade, característicos de uma das associações humanas mais profundas à comunidade. Elas são importantes para o atleta lidar com as vivências do esporte de alto rendimento”.

Ao fim da pesquisa, Barros chegou à conclusão de que falta suporte aos profissionais do esporte, muitas vezes vistos como “máquinas” lucrativas, e não como indivíduos. “É preciso que se olhe para o atleta como ele é e segundo as necessidades que ele tem”, explica. Essa ausência de amparo adequado aliado ao desrespeito à pessoa do atleta, além da própria tecnicidade do esporte – que busca sempre a vitória –, dificultam muito as transições. Isso pode acarretar sofrimento e fazer com que muitos atletas desistam da carreira esportiva, enquanto que o reconhecimento poderia transformar as marcas de sofrimento em experiência alegre e positiva.

Por Aryanna Oliveira
Edição e revisão por Islaine Maciel e Maria Isabel da Silva Leme

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Alfabetização – 2015, n. 1

É hora de falar sobre Gênero – 2016, n.2/3

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