Pesquisador apresenta sua tese sobre os sentidos e significados do trabalho em seis países da América Latina.

Em maio de 2017, o pesquisador Wilner Arbey Riascos Sanchez apresentou  no IPUSP a tese “Significados e sentidos de trabalho e carreira de trabalhadores de seis países das Américas”. A pesquisa foi desenvolvida na área de Psicologia Social e teve como objetivo central compreender os significados e os sentidos do trabalho e das carreiras em seis países da América Latina. Os dados foram obtidos por métodos qualitativos pela análise de jornais, blogs e entrevistas pessoais. Conversamos com o pesquisador e apresentaremos a seguir alguns pontos centrais e conclusões da pesquisa.

Foto: Reprodução

Inicialmente, o pesquisador nos apresentou a motivação para a escolha do tema, do ponto de vista acadêmico havia uma lacuna de estudos sobre o significado do trabalho na América Latina que permitam integrar as experiências de pessoas dos diferentes países (Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, México e Perú). Além disso, na perspectiva pessoal, as experiências profissionais anteriores, que envolviam o acompanhamento de jovens e adultos durante os processos de construção da trajetória de trabalho, corroboraram o interesse.

A tese aborda um tema multidisciplinar que ultrapassa o campo de estudo da psicologia, a construção de sentido depende de distintos fatores decorrentes das interações pessoais do indivíduo, por exemplo, a história pessoal e as diversas interações sociais que ocorrem ao longo da vida. Apesar da complexidade, a ideia de trabalho é percebida como um valor central de desenvolvimento humano pela sociedade contemporânea, tanto de forma concreta, quando nos referimos a questões de ordem econômica, quanto de forma subjetiva relacionada à identidade.

Percurso histórico de construção de sentidos

A caracterização do trabalho e da carreira, que tem um percurso histórico de sentidos, adquire nuances mais universais durante o século XX e está relacionada à evolução dos processos capitalistas. A expansão da globalização estabelece os elos de sentido e os questionamentos sobre as relações de trabalho e das relações entre capital e trabalho, o que implica questões de classe, condições laborais, etc.

Essa produção de sentidos estaria, também, mediando aspectos sociais do sujeito e a própria evolução do trabalho. A tecnologia seria um fator relevante e influenciador das relações laborais, expandido as exigências e delimitando espaços. Outro aspecto destacado na pesquisa está relacionado ao contexto macro, com predomínio do liberalismo e do neoliberalismo, que altera as relações de mercado gerando novas demandas e incertezas que levam à necessidade de revisão dos sentidos e significados do trabalho. E esta é a questão central da pesquisa: quais são os sentidos e significados – “qual é a interpretação e ação sobre o mundo” – do trabalho e carreira para os trabalhadores nesses seis países?

De acordo com o pesquisador, a proposta era apresentar as divergências, mas, sobretudo, pontos de convergência, uma vez que existem muitas similaridades na amostra como a língua, as crises econômicas e os períodos de recuperação e crescimento. O pesquisador reforça que é preciso pensar que existem processos macro que influenciam a todos, porém, é necessário que se considere os aspectos individuais. Outra questão destacada por ele está relacionada à geografia de aplicação da pesquisa, que foi feita em cidades de grande porte. Esse recorte delimita determinados comportamentos, uma vez que as experiências de trabalho podem ser diferentes quando comparado a cidades pequenas ou ambientes rurais (o trabalho não contemplou essa análise), na pesquisa ficou evidente, por exemplo, a existência da atribuição de status social ou de exclusão do sujeito em função do acesso ao ensino superior.

O contexto das doutrinas econômicas, especialmente a partir da década de 90, gerou mudanças no comportamento do mercado, facilitou a expansão da globalização e intensificou a necessidade de atuação em ambientes competitivos. Essas mudanças ocasionaram alterações nas percepções quanto ao mercado de trabalho, a estabilidade de décadas anteriores deu lugar a preocupações com a precarização e a escassez de vagas, especialmente para os jovens.

Formas de inserção no mundo do trabalho

Diante desse cenário, o pesquisador discorreu acerca do “lugar” empreendedorismo,  entende que há uma questão de ordem geral relacionada às incertezas do mundo atual que são em parte geradas pelas mudanças provocadas pelo sistema neoliberal, pela tecnologia etc. Nesse panorama, a mídia atua como um agente comunicador das questões valorizadas pelo mercado, um exemplo é a  hipervalorizacão do sucesso com a exposição de grandes exemplos empreendedores, geralmente ligados à tecnologia, como se o mesmo êxito fosse acessível a todos, no entanto, o que se observa, para muitas  pessoas, na prática, é o empreendedorismo como uma segunda opção devido à falta de alternativa no mercado formal que leva as pessoas a buscarem caminhos de sobrevivência.

Assim, é identificada uma tensão entre o empreendedorismo por necessidade e o empreendedorismo de oportunidade, aquele que contempla atitudes empreendedoras como alternativas para geração de novas oportunidades de negócios, de desenvolvimento profissional e da própria economia. A mídia, em certo aspecto, parece “mascarar” a real aplicação da atitude empreendedora, supervalorizando algo que não é real, pois o que se constata é a redução de diversos postos de trabalho formal, quer por questões de inovação tecnológica ou por outras de ordem macro, como as político-econômicas.

De forma geral, o trabalho aparece como um elemento central na vida dos entrevistados, um fator determinante de inclusão social, de sentimento de pertencimento, e de forma objetiva atua como um elemento de mediação entre o sujeito e a realização de seus objetivos. As entrevistas revelaram que os sujeitos manifestam sua percepção sobre o trabalho por meio de diferentes variáveis que podem ser de ordem tangível ou intangível. Nesse viés, os entrevistados demonstram satisfação com o desempenho do trabalho voluntário.

Percepção de valor do trabalho

Nessa perspectiva de valor, o trabalho voluntário parece contemplar uma percepção mais humanizada e que traria, logo, mais satisfação ao sujeito. No entanto, o entrevistador esclarece suas hipóteses sobre este aspecto, a questão da humanização do trabalho parece não ficar muito longe das questões liberais e neoliberais, uma vez que essas inferências, em sua origem filosófica, contemplam a individualidade, a autonomia e a possibilidade de independência.

Na pesquisa, percebe-se que as pessoas fazem relações com os valores liberais, “quero ser autônomo, independente, tomar minhas próprias decisões”, esse discurso está relacionado às questões de empreendedorismo levantadas anteriormente e também são experimentadas nas experiências de trabalho voluntário, que em termos de sensações e percepções afastariam o sujeito das questões “pesadas” relacionadas ao trabalho tradicional, como a falta de liberdade, por exemplo. Essa hipótese levantada pelo pesquisador precisa ser aprofundada, mas a relação com os conceitos liberais parece ser bem próxima, assim, a questão da subjetividade parece comportar também os aspectos de ordem liberal.

Ainda no contexto de percepção de valor e satisfação do trabalhador, além do propósito básico de divulgação, a mídia também desempenha ações relacionadas a questões políticas e a agendas socioeconômicas que podem ser observadas em diferentes posições publicadas sobre o mundo do trabalho, variando de acordo com interesses diversos. Cabe, ainda, elencar o viés psicológico que tenta atribuir ao sujeito a responsabilidade, a “culpa” acerca de sua posição no mundo do trabalho. O sujeito seria responsável por construir a sua trajetória, no entanto, essa abordagem nem sempre contempla as possibilidades reais do indivíduo.

Sentidos do trabalho

O pesquisador destaca que a dinâmica de formação desses sentidos está relacionada às diferentes possibilidades do indivíduo para lidar com a sua subjetividade. Muitas vezes, os desejos subjetivos estão relacionados ao elo social, que pode ser individualizante ligado, por exemplo, ao consumo. Quando falamos em sentido do trabalho, precisamos contemplar que a construção desse sentido não é estática, a variação se dá por diversos fatores, dentre eles a história de vida do sujeito, as influências recebidas, suas possibilidades materiais e que este sentido também se altera ao longo de diversas fases da vida.

De forma geral, o sentido acaba se relacionando fortemente com as necessidades básicas do indivíduo, quando estas não estão devidamente atendidas fica mais complexo pensar na subjetividade e tentar qualquer forma de “resistência” ao sistema. Um exemplo, relatado pelo autor, conta a experiência de uma jovem profissional da área de química, bem colocada em uma empresa multinacional em seu país e com boa remuneração, embora todas as questões que envolvem a vida profissional estivessem bem resolvidas, ela manifestou ao pesquisador o interesse em se afastar do trabalho para estudar e atender aos seus anseios pessoais. Nesse caso, havia uma constatação de que uma possível “resistência ao modelo” não seria uma simples questão racional, da vontade do indivíduo, e, sim, algo que depende das condições atuais desse sujeito e das possibilidades num determinado momento de vida.

Esses aspectos nos remetem novamente à questão da subjetividade, um desafio complexo, dadas a inúmeras variáveis que a influenciam; como a subjetividade social, os desdobramentos individuais e a representação social do indivíduo. Assim, a ideia de universalizar os sujeitos é interrompida pela elaboração histórica individual.

Para finalizar, o autor nos apresentou as conclusões e aplicações da pesquisa. Destacou uma crítica sobre análises feitas ao trabalho como formas únicas de categorias fechadas, o que não se aplica à prática. O discurso sobre o trabalho vai se recriando ao longo do tempo, tanto em termos macro, como em termos de trajetória de vida do indivíduo. Seria um campo de coexistências de conceitos, percepções e sentimentos acerca do trabalho. A pesquisa como explicado no início, por exemplo, foi aplicada nas grandes cidades, este já seria um fator a ser considerado, uma vez que o trabalho em cidades menores, ou mesmo no campo, certamente assumiria outras nuances.

A própria percepção de incertezas e de precarização, bastante generalizada nos dias atuais, não se aplica a todos de maneira similar. Assim, até mesmo a globalização, com suas forças incontestes, não atingiria todos da mesma forma.

Com relação à aplicação prática da pesquisa, o pesquisador destaca que durante seu período de desenvolvimento do doutorado na USP já atuava com atividades de acompanhamento profissional no Serviço de Orientação Profissional (SOPI) e que na Colômbia, seu país de origem, atua dessa forma também.

Destaca a necessidade de ter um olhar clínico sobre o sujeito nas questões que acometem o mundo do trabalho, pensar no particular diante das diferentes imposições que são apresentadas pelo sistema, assim, um dos objetivos de aplicação da pesquisa seria ampliar, na Colômbia, o olhar clínico sobre as carreiras explorando as questões de ordem singular que podem efetivamente influenciar o processo de formação da carreira do indivíduo.

Outra forma de atuação, agora sob o viés organizacional, seria um trabalho de acompanhamento nas organizações com o propósito de pensar no sujeito e na sua trajetória profissional contemplando esses aspectos singulares. Outro ponto de intervenção seria a atuação no setor público por meio de políticas públicas que contemplem as questões de dignidade relacionadas à vida do trabalhador.

Como impressões finais, reforça que as interpretações que envolvem o trabalho são complexas e que não existe uma forma única, nem melhor e sim uma multiplicidade, existem as formas mais mecanicistas, mas em certa medida há possibilidade de escolha. O mercado não é homogêneo e os países também não, no entanto, há muito em comum o que indica a presença de elementos locais e globais atuando na formação dos conceitos. Assim, não podemos ser reduzidos a formas únicas e eis um campo fecundo de atuação para a psicologia.

Por Carla Sasse

VOCÊ PODE GOSTAR ...