Sete em cada dez brasileiros conhecem alguém que morreu de Covid-19

O Brasil ultrapassou nesta quarta-feira (29) a marca de 400 mil mortos por Covid-19. A sensação de que a morte invadiu nossas vidas, nossas casas e parece beliscar nossos calcanhares é palpável – e real. Se em 2020, para uma parte da população a pandemia parecia concentrada em bairros da periferia ou em uma faixa etária mais alta, após termos cruzado a barreira de mais de 3 mil falecimentos diários a percepção de que a morte nos espreita se intensificou. 

Um pai, uma mãe, um parente, amigo, vizinho ou conhecido. Sogro da sua prima. Amiga de sua avó. Filho. Ex-colega de classe ou de trabalho. Marido. A chance de você conhecer alguém que morreu de Covid-19 é alta. Exatamente 67,97%, considerando a população do Brasil (211 milhões de habitantes) e que cada indivíduo conheça em média 600 pessoas. 

Ou seja, sete em cada dez brasileiros sabem de alguma vítima fatal da Covid em seu círculo de relacionamentos. O número é maior ainda – 77% – se levarmos em conta apenas a população adulta, os brasileiros maiores de 18 anos  (163,981 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE).

Foi a esse número que chegaram Ricardo Takahashi, professor titular do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador da área de epidemiologia matemática; Leandro Russovski Tessler, físico e professor da Universidade Estadual de Campinas; Isaac Schrarstzhaupt, cientista de dados e coordenador na Rede de Análise Covid-19; e Régis Varão, professor doutor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp.

A pedido da CNN, esses cientistas calcularam qual a probabilidade de cada brasileiro conhecer uma vítima da pandemia. Para que o cálculo fosse possível, foi necessário estipular quantas pessoas o brasileiro conhece. O problema é que não existem estudos que mapeiem isso nacionalmente. Por isso, levamos em conta uma estimativa feita pela especialista em estatística, Tian Zheng, da Universidade de Colúmbia, nos EUA. Segundo ela, cada americano tem, em média, 600 conhecidos – e aí entram não apenas amigos e familiares, mas colegas de trabalho, vizinhos, pessoas que você conhece, mas de quem talvez não lembre o nome. 

“Pode até ser que o brasileiro conheça mais que 600 pessoas. Mas muita gente vai dizer que conhece bem menos e outros, bem mais”, pondera o físico Leandro Tessler – afinal, trata-se de uma média. 

Assim, levamos em conta também outro número: 150. Conhecido como “número de Dunbar”, ele foi estipulado, na década de 1990, pelo antropólogo inglês Robin Dunbar, da Universidade de Oxford. Dunbar calculou que o ser humano (independentemente de sua nacionalidade) tem capacidade de manter uma rede de amizades composta, em média, por 150 pessoas. Nesse seleto conjunto estão seus amigos (os distantes e os mais chegados, pessoas que você sabe o nome e que, provavelmente, estão em sua lista de contatos no celular). E toda sua família. Algumas pesquisas mostraram que, no Brasil, os parentes são pouco mais de 50% dos laços de amizade – talvez porque as famílias sejam grandes. 

Estatisticamente, quando o círculo de relacionamento fica mais estreito, a chance de se conhecer uma pessoa morta pela Covid é menor, porém ainda bem significativa: 24,77%. Ou seja, um em cada quatro brasileiros tiveram uma perda próxima provocada pela pandemia. Uma perda mais dolorosa. 

Mas, conforme alerta o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, no ritmo em que a pandemia cresce em todo o país, esses percentuais ganham mais corpo. “O número tende a ser cada vez mais verdadeiro. A chance de você conhecer alguém morto pela doença aumenta todo dia.”

Claro que isso varia também conforme a idade, a região, a classe social, a profissão da pessoa, diz o professor Takahashi. “Uma pessoa em São Paulo ou em Manaus vai ter mais vítimas conhecidas que alguém que trabalha isolado, no campo, em Goiás”, explica. 

Anestesia ou empatia 

Mas por que precisamos chegar a esse ponto extremo para vislumbrar alguma mudança? “É difícil saber. E também é dificílimo estimar o que esse trauma todo, esse luto vai provocar na sociedade”, afirma Flávia. O certo, de acordo com ela, é que haverá consequências sociais. Mesmo que muita gente ainda não tenha sentido esse sofrimento, a dor de quem teve essa proximidade com a perda é forte e não vai se diluir. Nem na sociedade, nem no indivíduo. 

A reação a esse momento tão grave, obviamente, não é uníssona. Para Vera Paiva, professora titular no Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da USP, há pessoas e grupos que, profundamente sensibilizados pela dor do próximo, se mobilizam e agem para oferecer conforto e apoio. “Gosto de pensar que a maior parte dos brasileiros é pela vida, pela solidariedade. Foram essas pessoas, por exemplo, que pressionaram e conseguiram colocar o direito à vida na Constituição, só para citar um grande exemplo.”

Já uma outra parcela da sociedade está dessensibilizada, contaminada com o que ela chama de “cultura da morte”. “É a cultura que existe desde os tempos do escravagismo, da ditadura e que vem ganhando força em alguns setores nos últimos anos, com a banalização da morte provocada pela violência urbana ou, recentemente, pelo vírus”, diz a especialista.

São pessoas que, segundo ela, gostam de se colocar no lugar de Deus para decidir quem vive e quem morre: se quem morre são os velhos, os fracos, os pobres, os negros, tudo bem. Para esse grupo, banalizar a morte e menosprezar os direitos humanos é a regra. É um comportamento social bem mais grave e tóxico que o negacionismo, ela diz. 

Negar o problema é a forma mais leve e irresponsável de lidar com a perda. Por um tempo, a negação é aceitável e normal. Mas quando se torna um modo de vida, é patológico e arriscado. Ainda mais numa pandemia. “Ao negar a realidade, a pessoa não sente a necessidade de se responsabilizar”, diz  o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, mestre em  psicologia clínica pela Pontificia Universidad Católica de Chile. 

Leia a matéria completa em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/04/29/sete-em-cada-dez-brasileiros-conhecem-alguem-que-morreu-de-covid-19

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