“A eleição acabou. E agora, Educação em Ciências?”: a disputa da política institucional na visão de um candidato do PIEC-USP

Coletivo Em Todas as Lutas - Campanha de divulgação dos candidatos.

Caio Faiad, nosso co-editor, compartilha suas reflexões sobre ter participado do pleito de 2022 como co-candidato de um mandato coletivo à Assembleia Legislativa de São Paulo.

Caio Ricardo Faiad

Professor, químico, linguista e, o mais importante, fã da Beyoncé. No doutorado, trabalho na pesquisa de interface Ciência e Literatura na perspectiva da Educação das Relações Étnico-raciais.

Nas redes sociais: @ocaiofaiad

06 de março de 2023 | 10:00

A decisão de me filiar a um partido político não foi porque eu queria ser candidato em algum momento da minha vida. Me tornar candidato aconteceu quando eu percebi que o trabalho militante é aquele em que você doa seu tempo para alguma construção coletiva. E isso a gente já vem fazendo desde o momento que entramos na universidade pública. A existência da Revista BALBÚRDIA é expressão de um trabalho militante. Assumir a tarefa de me candidatar para representar uma parcela da população na Assembleia Legislativa foi também expressão do meu trabalho militante. Uma decisão tomada com profundas reflexões, que só será compreendida se eu expor primeiro o motivo que me fez ser um psolista.

No contexto do impeachment da Dilma, a imprensa divulgava com exaustão o antipetismo advindo da Lava Jato. Era recorrente anunciar nos telejornais que o PT diminuía o número de filiados. Na minha leitura, o antipetismo disseminado pela imprensa brasileira, era um ataque à esquerda de modo geral. Naquele momento, me vi como um número e me filiei ao PSOL. Se o PT diminuía, o PSOL crescia. A minha filiação junto com tantas outras era uma resposta importante para aquele momento de ataque às causas populares. Mas porque o PSOL?

Na sessão do golpe, lembro como se fosse hoje o momento em que Bolsonaro dedica seu voto ao torturador da presidenta: “pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff” disse o infeliz. Lembro também que ninguém fez nada, absolutamente nada, a não ser Jean Wyllys. Queria uma ação institucional, mas a cusparada lavou a alma. Alguém “não deitou”, alguém teve um mínimo coragem. Jean Wyllys, na época do PSOL-RJ, chegou a ser processado pela Mesa Diretora da Câmara por quebra do decoro parlamentar. E Bolsonaro… bem, vocês sabem o que aconteceu. Quando entrei ao PSOL, aprendi sobre as formas de organização do partido e inspirado pela coragem de Jean Wyllys, me aproximei da Setorial LGBTQIA+ do PSOL-SP.

De me filiar em 2016 a me candidatar em 2022 passa por duas questões importantes. A primeira se refere a uma necessidade partidária. Em 2017, foi aprovada a cláusula de barreira: uma lei que restringe a atuação e o funcionamento de partidos políticos que não obtiverem determinada porcentagem de votos para o Congresso. Essa cláusula rondava o PSOL em toda reunião, em toda plenária. Nós, que acreditamos na importância do nosso partido, poderíamos ser tolhidos se não tivéssemos um bom desempenho no pleito de 2022. A questão do desempenho eleitoral se torna uma discussão inevitável dentro do partido. Porém, só isso não justificaria a minha candidatura, e por isso uma segunda razão, e a mais importante, entra em cena: a causa.

Desde 2019, eu vinha produzindo conteúdos no YouTube e no Instagram sobre a agenda política de Bolsonaro na Ciência e Educação. Durante a gestão Weintraub, era possível ver claramente a aplicação das estratégias descritas por Sauer, Leite e Tubinho (2020). De um lado, a "política do confronto” fragilização do Estado via enraizamento da agenda ultra-neoliberal , por meio dos inúmeros cortes de verbas das universidades. Do outro, a “guerra cultural”: plantações de maconha das universidades federais, produção de metanfetamina nos laboratórios de química, doutrinação dos professores com a ideologia de gênero, só pra citar algumas das inúmeras acusações que o governo Bolsonaro fazia para difamar professores e cientistas no debate público.

Aliada a isso, a gestão da pandemia foi um desastre. Me marcaram na CPI da Covid, as presenças de Pedro Hallal e de Jurema Werneck na apresentação de estudos sobre as mortes evitáveis caso o governo federal tivesse: apoiado o uso de máscaras, apoiado as medidas de distanciamento social, não tivesse incentivado o uso de medicação ineficaz para a doença e adquirido as vacinas no momento certo.

Havia também na minha cabeça uma pergunta gerada a partir da entrevista à Balbúrdia de Alberto Villani. O professor e pesquisador afirma que “as pesquisas em Ensino de Ciências ainda não foram reconhecidas pela população geral, pois não conseguiram influenciar as políticas públicas”. Então, devemos esperar um político conhecer a Educação em Ciências para colocá-la na agenda política ou representantes do campo devem assumir esse espaço de direcionar a elaboração de políticas públicas?

Era óbvio para mim que Ciência e Educação seriam temas de discussão quando já se anunciava que a eleição se resumiria entre a continuidade do bolsonarismo e a repactuação de princípios democráticos. Me torno candidato por acreditar que precisamos nos colocar ativamente nesse campo de batalha da política institucional. E fiz isso por meio de uma candidatura coletiva chamada Em Todas As Lutas onde poderia fazer o debate político baseado em evidências científicas e, por meio das articulações eleitorais, angariar votos para que o partido vencesse a cláusula de barreira.

Entrar em uma disputa eleitoral foi um aprendizado imenso. Mas também muita desilusão. A dica que dou para quem um dia for se candidatar é: cuide da saúde física e mental. É um momento de muita cobrança do candidato. Fiz terapia durante a eleição e emagreci 13 quilos por conta do estresse. Mas se me perguntar se valeu a pena e se eu me candidataria de novo: eu digo que sim.

A começar por ter cumprido a missão de ajudar meu partido a superar a cláusula de barreira. Segundo por ter participado ativamente na eleição da Sônia Guajajara, a primeira deputada indígena eleita por São Paulo e atual Ministra dos Povos Indígenas. E terceiro por ter me dado a percepção de que iniciei a construção de um capital político pelas redes sociais. Explico…

Fazer campanha precisa de planejamento e isso envolve várias fases. É preciso ter em mente também que um candidato busca eleitores de um território e/ou de um segmento. Logo, seu discurso eleitoral precisa ser focado nos eleitores potenciais que a candidatura determinou. A candidatura na qual fiz parte era formada por pessoas da Baixada Santista, então o coletivo acreditava que nossos votos seriam territoriais: “teremos 90% de votos da Baixada Santista”, chegaram a afirmar. Mesmo não concordando plenamente, assumi o compromisso coletivo e pautei a Ciência e Educação delimitado para as questões locais da Baixada Santista. E foi assim durante a campanha inteira. Quando as urnas foram abertas, o coletivo Em Todas As Lutas teve 3.595 votos. Uma votação expressiva.

Mas para um cientista-candidato isso só não basta. Fui atrás da distribuição geográfica dos votos. E advinha: quem apostou que 90% dos nossos votos seriam da Baixada Santista, errou feio. Tivemos 1.484 na Baixada, 958 na capital e 1.153 no interior. Isso me trouxe outra pergunta: como explicar que uma campanha planejada em um território tenha tido melhor desempenho fora dela? Apresento duas hipóteses que se interrelacionam: o meu posicionamento nas redes sociais e o segmento eleitoral.

A minha presença na candidatura coletiva foi expressada pela mesma ideia na qual construi meu posicionamento nas redes: aquilo que sou (homem, negro, gay e favelado) integrado com aquilo que conquistei (químico, professor, cientista, intelectual)”. Desde o início da campanha, professores de Ciências e pesquisadores em Ensino me mandavam direct declarando voto ao coletivo por conta da minha presença. No dia da votação, o segmento LGBT também apareceu: “cheguei aqui por um link do Google com uma relação de candidatos lgbtqia+ e gostei muito do que li e vi! Te desejo sucesso!!!”, disse um provável eleitor em um dos meus posts no instagram. Durante a campanha, fui de 400 seguidores no TikTok para mais de 6.000.

Tudo isso mais o detalhamento de votos da candidatura por cidade, me dá plena convicção para afirmar que o meu posicionamento nas redes sociais e o segmento eleitoral dos grupos sociais com os quais dialogo nas redes e no trabalho de pesquisador explicam muito bem o porquê de uma candidatura da Baixada Santista ter melhor desempenho fora da Baixada Santista. Mas o que a gente faz com isso? E aqui que inicio a finalização deste texto para um chamamento de luta da Educação em Ciências.

Embora tenhamos vencido Bolsonaro, o bolsonarismo ainda vive. No Estado de São Paulo, Tarcísio foi eleito e Renato Feder irá comandar a Secretaria de Educação. É urgente que os 8 programas acadêmicos e dos 4 programas profissionais se organizem enquanto área. Proponho RECESP (Rede da Educação em Ciência do Estado de São Paulo). Apenas a luta coletiva e nossa capilaridade pelo estado (Araras, Bauru, Campinas, Diadema, Lorena, Santo André, São Carlos, São José do Rio Preto, São Paulo e Sorocaba) poderão não só barrar o aprofundamento do sucateamento, mas disputar a consciência da população para importância de políticas públicas que promova uma Educação pública de qualidade no Estado de São Paulo.

Figura 1. Distribuição no Estado de São Paulo dos 3.595 votos do coletivo Em Todas As Lutas. Fonte: Geografia do Voto/Estadão.

E se você tem dúvidas sobre essa possibilidade, lembre-se que sem apoio de uma rede no Estado, a minha presença no coletivo Em Todas As Lutas nos fez termos uma votação pulverizada pelo Estado (FIGURA 1). Imagina o que a gente poderá construir para os próximos anos, se nos organizarmos desde já para colocar no debate político aquilo que colocamos nos artigos científicos. Depende de nós a construção de políticas públicas educacionais baseadas em evidências científicas. Eu me coloco para essa tarefa, quem mais tá nessa?

Referências

SAUER, Sérgio; LEITE, Acácio Zuniga; TUBINO, Nilton Luís Godoy. Agenda política da terra no governo Bolsonaro. Revista da ANPEGE, v. 16, n. 29, p. 285–318, 2020.