“As pesquisas em Ensino de Ciências ainda não foram reconhecidas pela população geral, pois não conseguiram influenciar as políticas públicas”, reflete o professor Alberto Villani, do IFUSP

 

Tendo acompanhado o estabelecimento da pesquisa em Ensino de Ciências e a fundação do PIEC-USP, Alberto Villani rememora sua trajetória como professor e pesquisador e expõe suas expectativas em relação ao futuro da área.

 

22 de fevereiro de 2021 | 19:30

 

De origem italiana, professor Alberto Villani é graduado em Filosofia - Licenza - Aloisianum Facultas Philosophica (1966) e em Física - Laurea - Università degli Studi di Padova (1969). Chega ao Brasil no final da década de 1960 para realizar seu doutorado em Física pelo Instituto de Física Teórica de São Paulo (UNESP), adquirido em 1972. É livre docente pela Universidade de São Paulo (1987) e fez pós-doutorado na Università di Bologna (1989). Trabalhou na Universidade de São Paulo como professor associado desde 1973, sendo atualmente professor senior da universidade desde 2011. Atua no PIEC-USP orientando mestrandos(as) e doutorandos(as), além de lecionar a disciplina de Introdução em Pesquisa em Ensino de Ciências. Pesquisa na área, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise e educação, formação de professores e grupos de aprendizagem.

Bate-bola da BALBÚRDIA

Um físico famoso? 
Stephen Hawking.
Um pesquisador da área de Ensino de Ciências? 
Laurence Viennot.
Um livro?
(Ficção) L´amica geniale de Elena Ferrante; (História ) Cidadãos. Uma crônica da Revolução Francesa de Simon Shama
Um lugar específico do IFUSP?
A secretaria da Física Aplicada.
Uma memória de algo que aconteceu no IFUSP?
A luta para o reconhecimento das primeiras 4 dissertações de Mestrado em Ensino de Física em 1976.
Um sentimento com o IFUSP?
Falta de rever pessoalmente os amigos (colegas, alunos, orientandos)
.

Por: Luciene Fernanda da Silva

 

O professor e pesquisador Alberto Villani, atualmente professor sênior do Instituto de Física da USP (IFUSP), foi um dos primeiros orientadores do PIEC-USP, iniciando seus estudos e pesquisas na área na década de 1970. Nesta entrevista concedida à BALBÚRDIA, o professor destaca aspectos marcantes de sua trajetória como pesquisador na área de Ensino de Física, lembrando também de pesquisadores e pesquisadoras que lhe marcaram e foram essenciais na fundação da área de Ensino de Ciências no Brasil e do PIEC-USP. Entre esses momentos marcantes estão o estabelecimento da parceria entre o IFUSP e a Faculdade de Educação da USP (FEUSP) e o reconhecimento das primeiras dissertações defendidas no PIEC-USP. Mostrando-se atento à conjuntura presente, Alberto Villani também traça considerações acerca do reconhecimento da pesquisa em Ensino de Ciências pelo público geral e dos desafios da área no Brasil, refletindo sobre o seu futuro. A entrevista foi realizada à distância, mais especificamente por trocas de e-mails, devido às restrições impostas pela pandemia de Covid-19. Por conta disso, mantivemos ênfases (negritos e itálicos) destacadas pelo próprio professor na escrita de suas respostas à BALBÚRDIA.

 

BALBÚRDIA (B) - Como e quando foi o seu primeiro contato com o Instituto de Física da USP (IFUSP)? Chegou a acompanhar o estabelecimento do Programa Interunidades em Ensino de Ciências (PIEC-USP) no instituto? Como conheceu o programa?

Alberto Villani (AV) Em novembro de 1969, cheguei (de navio) no Brasil, vindo da Itália com o objetivo de fazer meu doutorado em São Paulo, no Instituto de Física Teórica (IFT - atualmente UNESP) e depois ir para Salvador para trabalhar num Colégio dos Jesuítas, congregação à qual estava ligado na época. Iniciei o doutorado em fevereiro de 1970 e concluí em dezembro de 1972. No entanto, no meio do caminho tive um problema com a Polícia Política, conheci uma professora de Física (Sonia), que me ajudou naquela e em outras ocasiões, casei com ela; assim os projetos mudaram bastante. Por sorte, um professor estrangeiro que pesquisava na USP voltou para seu país, abrindo uma vaga (como professor visitante) no Instituto de Física da USP, que eu ocupei a partir de janeiro de 1973. No segundo semestre, fui convidado a participar como docente junto com outro professor que estruturou o projeto de uma disciplina teórica de Mecânica Clássica do bacharelado.  Era ministrada com uma metodologia totalmente nova para a época (o Curso Personalizado), no qual os alunos estudavam o conteúdo dividido em várias unidades:  quando se consideravam preparados, faziam uma prova escrita ou oral, passando para a etapa sucessiva de estudos caso fossem aprovados. Fiquei muito entusiasmado com o resultado final, pois percebi que os alunos estudavam e aprendiam; assim decidi que poderia investir mais no ensino. Naquele ano, tinha iniciado a Pós-graduação em Ensino de Física com orientadores do IFUSP e da Faculdade de Educação (FEUSP). A maioria das pesquisas era constituída pela análise de intervenções didáticas, de experimentos ou até de cursos ministrados pelos mestrandos. De minha parte, entrei em contato com o curso mediante a participação numa disciplina eventual ministrada em dezembro de 1973 por uma professora inglesa chamada Joan Bliss; ela e o marido (Jon Ogborn) tinham sido convidados a ministrar duas disciplinas (concentradas) pelo professor [Ernst] Hamburger, que coordenava a pós-graduação em Ensino. Por causa dos horários resolvi participar da disciplina dela, sobre a teoria de Piaget e sua relevância na educação; inclusive teria preferido participar da outra disciplina, pois nunca tinha ouvido falar deste autor. Com minha surpresa, tudo o que a pesquisadora (que tinha trabalhado com Piaget) falava fazia o maior sentido para mim, inclusive os argumentos que justificavam a teoria. Esse encontro com a pós-graduação me deixou muito animado, inclusive sobre minha capacidade de lidar com as teorias da área de ensino. No entanto, a explicação desta sintonia e facilidade é mais banal e foi percebida vários anos depois, quando encontrei numa revista um trabalho que apontava vários paralelos e até semelhanças entre a teoria de Piaget e a do filósofo canadense [Bernard] Lonergan, ambos focalizando o desenvolvimento da inteligência. Entre 1963 e 1966, na Itália, eu tinha participado de disciplinas e realizado meu trabalho de final da ‘Licenza in Filosofia’, sobre este autor e sua teoria da inteligência. De fato, todos esses  estudos sobre o pensamento do autor deixaram uma marca na minha formação, principalmente tornando-me familiar com a teoria e a prática de processos metacognitivos.

A partir de 1974, minha relação com a área de ensino foi ampliada: logo participei de uma nova experiência, muito mais estruturada, o Curso Personalizado Individualizado (CPI) para duas turmas de alunos ingressantes, com dois outros docentes, vários monitores e duas psicólogas doutorandas do Instituto de Psicologia. O curso era uma adaptação da experiência do professor [Fred] Keller e da professora Carolina Bori realizada em Brasília alguns anos antes e que tinha tido muita ressonância na psicologia. Participar do CPI teve para mim, como efeito colateral, o estudo da teoria comportamentalista sobre ‘comportamento operante’ com a professora Bori, na época docente do Instituto de Psicologia da USP. Assim, a partir de 1975, me tornei orientador do Mestrado, sendo minha primeira orientanda a professora Yassuko Hosoume, que pretendia estudar os resultados do curso CPI.

 

BALBÚRDIA (B) - A área de pesquisa em ensino de Física já estava estruturada nesta época? De que forma? Quais eram os principais focos, motivações, áreas temáticas?

Alberto Villani (AV) - O processo de constituição da área e da pós-graduação em ensino de Física foi bem singular. Teve como pais fundadores dois professores bem diferentes, inclusive em lugares diferentes. No Instituto de Física da UFRGS (em Porto Alegre) o professor Marco Antônio Moreira, que era docente do Instituto e professor do Ensino Médio, criou um grupo de pesquisa e convenceu a Instituição a organizar um Mestrado em Física, porém com uma dissertação na área de Ensino. Ele mesmo e alguns colegas terminaram o Mestrado a partir de 1972. Os temas foram relacionados com atuações no Ensino Superior, comparando metodologias diferentes. No Instituto de Física da USP (em São Paulo) o professor Ernst Hamburger, famoso por suas pesquisas em Física Nuclear, tentou abrir uma Pós-graduação em Ensino de Física com a colaboração da Faculdade de Educação em 1969 - 1970, porém no final do processo, o curso foi aprovado somente como Especialização. Então ele e outros professores resolveram mudar de estratégias:  promoveram, entre 1970 e 1973, projetos de pesquisa principalmente visando a produção de textos e materiais didáticos (PEF, FAI, PBEF[1], Filmes Didáticos,...). Desta forma, tentaram dar continuidade para um projeto Latino Americano anterior, o Projeto Piloto, que tinha terminado suas atividades em São Paulo. No entanto, a meta era a Pós-Graduação em Ensino de Física, que finalmente foi aprovada como colaboração entre o IFUSP e a FEUSP, iniciada em 1973. A grande maioria dos alunos era de professores que tinham participado dos projetos de pesquisa. Os orientadores eram professores do Instituto de Física e da Faculdade de Educação. Somente a professora Ana Maria Pessoa de Carvalho tinha terminado uma tese de doutorado na área. Assim, de 1973 a 1978, as pesquisas para o mestrado foram desenvolvidas com uma grande colaboração e auxílio recíproco entre mestrandos e orientadores. Ou seja, havia uma parceria efetiva na aprendizagem, na orientação e realização de pesquisas. No entanto, a peculiaridade desse processo criou um problema institucional na hora da defesa das dissertações. Durante seis meses as defesas foram bloqueadas, pois as autoridades do IFUSP não queriam que fossem realizadas no instituto, para não “contaminar” a área de Física com trabalhos de “baixo nível”. Finalmente, o impasse foi resolvido exigindo que pelo menos um participante da banca fosse de outras áreas (psicologia, história, educação) de forma a evitar para o IFUSP um reconhecimento oficial e uma responsabilidade completa, como por exemplo acontecia no caso do mestrado no IF-UFRGS.

[1] Essas são as siglas para projetos curriculares de produção de materiais didáticos para o ensino de Física. Respectivamente, os projetos citados são: Projeto de Ensino de Física, desenvolvido no início da década de 1970 no IFUSP sob coordenação dos professores Ernst Hamburger e Giorgio Moscati; Física Auto-Instrutivo, desenvolvido ao longo da década de 1970 por docentes do IFUSP em parceria com professores da rede pública de ensino do Estado de São Paulo; Projeto Brasileiro de Ensino de Física, também do início da década de 1970, foi desenvolvido pelos professores Rodolpho Caniato, Antônio Teixeira Júnior e José Goldemberg (os dois últimos, professores do IFUSP). Mais informações sobre os projetos: < http://fep.if.usp.br/~profis/projetos-ef.html />.

 

BALBÚRDIA (B) - Qual foi o seu principal interesse em pesquisar na área de ensino? Como foi esse início?

Alberto Villani (AV) O início de minha trajetória como pesquisador se deu entre 1974 e 1978, período no qual meu foco era o CPI e a correspondente teoria comportamentalista.  O grande entusiasmo dos alunos e o esforço por eles investido no estudo durante o primeiro ano, apesar das várias falhas no material fornecido, na organização e no preparo dos monitores, alimentou a crença de que um aprimoramento desses pontos tornaria a metodologia quase irresistível e os resultados ainda mais satisfatórios. Entretanto, o envolvimento dos alunos no segundo ano do experimento foi bem menos intenso e sua iniciativa bem menos original do que no ano anterior. Esperava que o aprofundamento da teoria comportamentalista explicasse este mistério.

Além da orientação da professora Hosoume, assumi a iniciação científica de duas licenciandas, que tinham participado do CPI como alunas e como monitoras. O objeto de análise eram  as sequências didáticas do CPI e o material desenvolvido pelos alunos, cujos resultados foram publicados, em atas de congressos, além da dissertação da professora Hosoume (1978).

A partir de 1978, minha relação com a pesquisa em Ensino se ampliou: de um lado, assumi a coordenação da Pós-graduação, onde permaneci até 1983, conseguindo uma reformulação do seu Estatuto e uma maior autonomia em relação às pós-graduações do IFUSP e FEUSP. Por outro lado, várias novas iniciativas mudaram meu foco na pesquisa. Comecei uma longa colaboração com a professora Jesuína Pacca e com novos orientandos, desenvolvendo uma estratégia original. Para facilitar o encontro com novidades era explorada a competência de colegas da USP especialistas em outros conteúdos, participando de disciplinas de pós-graduação que eles ministravam. Usávamos o trabalho final da disciplina para apresentar o projeto de pesquisa ou, ao menos, a parte que tinha relação com a disciplina. O docente da disciplina lia e fazia comentários, inclusive com sugestões muito interessantes e valiosas. Assim, de disciplina em disciplina, o projeto tornou-se bem mais fundamentado e amplo. Assim, por exemplo, a assessoria do professor Guilhon de Albuquerque, das Ciências Sociais, foi fundamental para a pesquisa que o grupo desenvolveu sobre os cursos Básicos do IFUSP, focalizando o processo implícito de captura dos alunos pela Instituição. Analogamente a participação num curso do professor [Marcello] Cini (da Universidade de Roma) sobre a história da Relatividade, me abriu a possibilidade de pesquisar o tema da relação entre a teoria do Eter e da Relatividade. Outro exemplo, um projeto de dissertação de um orientando nasceu como trabalho final de uma disciplina do Instituto de Psicologia sobre Aprendizagem de Leitura. Neste caso, o resultado foi surpreendente, pois a estratégia didática proposta resultou influenciar negativamente o desempenho dos alunos, abrindo a busca para algum referencial que o explicasse. No entanto, para nós o evento mais impactante foi a visita (em 1981) da professora Laurence Viennot da Universidade Paris VII discutindo sua tese sobre Concepções Alternativas. Esta linha de pesquisa, que incluía também a Mudança Conceitual, mobilizou o mundo inteiro por uma década, quando houve um consenso sobre suas limitações.

 

BALBÚRDIA (B) - Em sua percepção, como a área de ensino de Física é visto (pelos corpos docente e discente) no IFUSP ao longo de todo o tempo que o senhor passou como professor do instituto e do programa? Alguma mudança hoje em relação ao passado?

Alberto Villani (AV) Em minha opinião, comparando o passado com o presente, temos dois problemas diferentes: um interno ao IF e à USP e outro na relação com a sociedade. Como já acenei anteriormente, inicialmente a área era considerada como auxiliar para tornar mais eficaz o ensino da física e a divulgação do conhecimento científico. Ou seja, era aceita por uma razão pragmática, claramente de menor importância do que a pesquisa em Física, principalmente teórica. Isso implicava implicitamente que a trajetória profissional não poderia alcançar os graus mais altos. Vejamos os vários empecilhos que o desenvolvimento da área encontrou ao longo do tempo. O primeiro foi a dificuldade de atingir a autonomia no sentido de planejar o currículo dos mestrandos e de reconhecer o currículo dos orientadores. Somente na década de 1990, foi conseguida uma autonomia significativa. Depois, a recusa de autorizar o doutorado, resolvido parcialmente em 1983 pela FEUSP que autorizou vários docentes do IFUSP a orientar no doutorado em Educação da FEUSP. Em 1986, houve o bloqueio por 8 meses da minha Livre Docência por considerar que minha tese não era de física e, portanto, não poderia ser defendida no IFUSP. No final prevaleceu a opinião contrária e consegui terminar o processo. Outra barreira foi substituir os professores aposentados. Somente recentemente conseguimos algum avanço, mesmo que com um pouco de sorte. Com a entrada da Química e depois da Biologia na pós-graduação, a tensão diminuiu bastante e também a entrada das novas gerações me parece que contribuiu nesse sentido. Pelo contrário, a relação com a FEUSP e com a Reitoria foi sempre mais tranquila, em geral obtendo apoio para resolver os problemas que apareciam. Ou seja, éramos reconhecidos como pesquisador no mesmo nível dos outros institutos da USP. A relação com a Sociedade Brasileira de Física apesar de alguns desencontros, sempre foi de apoio à área, pelo menos do ponto de vista dos recursos financeiros.  Quanto à relação com a sociedade ela mudou bastante ao longo dos anos. Antigamente, os físicos eram considerados com admiração, mas a situação mudou e agora eles têm problemas para conseguir financiar suas pesquisas. Isso tornou mais secundárias as brigas internas, pois está faltando apoio para todos. Em minha opinião, as pesquisas em Ensino de Ciências ainda não foram reconhecidas pela população geral como contribuições significativas para a melhoria do Ensino, pois não conseguiram influenciar as políticas públicas de forma a obter resultados numericamente importantes. No entanto, tenho a impressão que existiu um aspecto positivo dessas dificuldades: a área de ensino se tornou visível e relevante para a sociedade tanto pela divulgação científica, quanto pela formação de professores. No campo da divulgação científica, por exemplo, iniciativas como a Escola do CERN, as Masterclasses [de Física de Partículas] ou as Olimpíadas conseguem ter um impacto importante: pena que não estejam articuladas para conseguir políticas públicas muito mais eficientes e estabelecidas. Na formação de professores destaco duas iniciativas que tiveram um impacto no panorama mais amplo da educação em ciências: o PIBID [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência] e o Mestrado Profissional. O primeiro, após um início bem promissor, tanto pelos recursos envolvidos, quanto pela flexibilidade na adaptação às condições locais, ao invés de tentar ampliar sua influência na realização das Licenciaturas teve sua atuação reduzida, tornando-se um projeto bem limitado. Por sua vez, o Mestrado Profissional tentou uma articulação em rede, porém não conseguiu juntar a quantidade com a qualidade. Levou muitos pesquisadores em Física, Química, Biologia e outras ciências a investirem na formação de professores, mas não conseguiu articular uma colaboração maciça deles com os pesquisadores em Educação em Ciências. Além disso, atualmente a falta de recursos está complicando ainda mais o projeto.

 

BALBÚRDIA (B) - Quais os principais desafios para a área de ensino de física dentro do Instituto de Física da USP?

Alberto Villani (AV) Em minha opinião, existem dois campos que oferecem desafios para a área de ensino de ciências. O primeiro é cada pesquisador e grupo de pesquisa avançar na construção de um referencial teórico continuamente confrontado com as intervenções empíricas. Ou seja, não ficar somente na teoria, nem somente na proposta de inovações práticas. O outro tipo de desafio é elaborar um projeto comum, possivelmente ampliado para outras Instituições, que envolva a formação de professores e o desenvolvimento curricular. Acho que sabemos o que o professor precisa para se desenvolver profissionalmente: a) salário pouco diferente dos profissionais do mesmo nível; b) reconhecimento social pelos alunos, colegas, pais dos alunos, autoridades educacionais, mídia; c) condições de trabalho com cargas razoáveis e possibilidades de pesquisas sobre a própria prática; d) carreira aberta (facilidades de cursos, congressos e promoções por resultados conseguidos); e) possibilidades de colaboração com a Academia. Em minha opinião precisamos olhar para todas essas condições, cada um investir naquilo que é  possível e estar disponível para articular nossas contribuições. Acho que manter esta disponibilidade e explorá-la é o maior desafio para a área de ensino de ciências

 

BALBÚRDIA (B) - O que o senhor poderia nos contar como um balanço (pontos altos, pontos baixos) de sua carreira como professor e pesquisador em ensino de física?

Alberto Villani (AV) Como professor tive duas satisfações importantes, ambas em disciplinas de pós-graduação. Na disciplina de Mecânica Clássicas, consegui deslocar o foco da avaliação: de conseguir uma nota para passar a explorar os eventos para checar a aprendizagem. Em particular, havia muitas discussões durante as aulas, privilegiando as apresentações dos alunos; em particular, havia uma entrevista final para qual o aluno devia se preparar e na qual se discutia qualquer elemento da disciplina (problemas, deduções, conceitos e suas relações). O aluno podia consultar o livro texto ou suas anotações para argumentar, no entanto suas razões deviam ser consistentes. Caso não conseguisse, deveria voltar para outra entrevista após estudar mais. Pouco menos da metade dos entrevistados, ao longo dos anos, conseguiam terminar a disciplina na primeira entrevista. A maioria era aprovada na segunda entrevista. Pouquíssimos na terceira. A satisfação minha era o comentário de grande parte dos alunos aprovados na segunda avaliação. Somente após mudar sua maneira de estudar e questionar todas as argumentações tinham conseguido dominar o assunto de forma satisfatória. Teve um caso em que todos conseguiram ser aprovados na primeira entrevista: tinham mudado sua maneira de estudar anteriormente e coletivamente durante a disciplina. Uma segunda satisfação importante foi ministrar uma disciplina (Introdução à Pesquisa em Ensino de Ciências) cujo objetivo era ajudar os alunos a elaborar seu projeto de pesquisa. Evidentemente é como juntar a fome com a vontade de comer, pois todo pós-graduando está interessado em investir na melhoria de seu trabalho de pesquisa.

Quanto a minha carreira como pesquisador na área de Ensino, trata-se de uma trajetória de quase 50 anos que pode ser resumida assim. Inicialmente houve um bom investimento teórico e empírico no CPI e na teoria comportamentalista, porém com resultados parciais, que sugeriam investir na ampliação da busca. O encontro com os novos referenciais da História e Filosofia da Ciência, da análise institucional e das concepções alternativas pareciam tornar o Ensino de Ciências cada vez mais complexo. Mesmo assim, o Modelo de Mudança Conceitual prometia resultados significativos: por uma década investimos esforços teóricos e empíricos neste modelo, envolvendo também a formação continuada de professores. Mesmo tendo resultados satisfatórios mediante uma metodologia construtivista chegamos à conclusão que algo estava faltando em nossa visão sobre o ensino e a aprendizagem. A psicanálise foi a resposta encontrada: explorando uma analogia entre o processo educacional e psicanalítico foi possível encontrar alguns resultados que sustentam nossa visão atual. O processo de ensino e aprendizagem depende do desejo de docentes e aprendizes, de suas competências (científica, didática e dialógica) e do contexto social e institucional. O desenvolvimento individual e grupal tem etapas sucessivas, que não podem ser eliminadas e que implicam em autonomia crescente. Esta complexidade torna a prática educacional com caráter artesanal e imprevisível.

 Nos últimos anos tenho me dedicado a estudar os impactos de várias formações continuadas no Brasil, focalizando as condições institucionais (possibilidades de escolhas e recursos), as características subjetivas (habilidades, competências e disposições) e os contextos sociais (família, escola, universidade) que podem influenciar as trajetórias docentes. Isso ajudou a entender as necessidades dos professores para alcançar um desenvolvimento profissional.

 

BALBÚRDIA (B) - Qual é o futuro da área de ensino de ciências no Brasil, em sua visão?

Alberto Villani (AV) Se olharmos o futuro num prazo curto (cinco anos), espero que seja possível promover investimentos em projetos de grande porte, na formação de professores e na relação dos alunos com o conhecimento científico. Estou pensando numa colaboração entre políticas públicas e pesquisas nesses campos. Certamente haverá projetos interessantes e resultados satisfatórios, mas minha esperança é que possamos ir além, criando uma onda capaz de começar a mudar o país. Mesmo que esta organização seja bastante difícil. Se olharmos o futuro num longo prazo, espero que o Brasil seja efetivamente o país do futuro.