Estimulando a autonomia dos educandos, pesquisa da UTFPR propõe experimentos de baixo custo para inclusão de alunos cegos e com baixa visão no ensino de Química
18 de fevereiro de 2021 | 10:00
Giovanna Ronzé
Mestranda em Ciências em Engenharia Química pelo PEQ/COPPE/UFRJ e engenheira química pela EQ/UFRJ. Estuda Ciências Exatas e Ciências Humanas. Em seu mestrado, realiza pesquisa na área de Fenômenos Interfaciais e cosmecêutica, além de ter atuado como representante discente. Você pode encontrá-la para conversar sobre ciência e pós-graduação nas redes do projeto Bora Fazer Ciência no Instagram e no Youtube.
É possível ensinar sobre reações químicas para além das observações visuais? Como incluir estudantes com deficiência visual nas aulas de Química? A pesquisa realizada pelas docentes Tatyane Fernandes e Roberta Domingues da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e pela professora da educação básica Fabiana Hussein apresenta um caminho para essas questões.
Publicado em 2017 na revista Química Nova na Escola, o trabalho apresenta oito experimentos de baixo custo para aulas de Química. De forma simples e transformadora, essas oito práticas contribuem para a aprendizagem de estudantes videntes e com deficiência visual por meio de uma abordagem multissensorial utilizando Vigotski como referencial teórico.
A partir da dissolução de comprimido efervescente em água, da queima de uma palha de aço, da adição de bala de menta no refrigerante, da reação entre bicarbonato de sódio e vinagre, uma turma de 27 alunos do 2º ano do Ensino Médio de uma escola estadual do Paraná aprendeu coletivamente sobre reações químicas. As pesquisadoras observaram que a realização dos experimentos foi um elemento importante para o processo de ensino-aprendizagem, bem como para a inclusão dos estudantes com deficiência visual nas aulas de Química.
Para além do mundo visual
Em 2015, foi decretado o Estatuto da Pessoa com Deficiência, estabelecendo um sistema educacional inclusivo. No entanto, ainda há muitos obstáculos a se superar para que a inclusão se concretize para os mais de 70 mil estudantes com deficiência visual matriculados no Brasil. Um deles é a construção de alternativas a recursos didáticos usualmente visuais no ensino de Ciências.
Dividindo a turma em grupos mistos, nos quais em cada um deles havia estudantes videntes e com deficiência visual, as pesquisadoras propuseram experimentos multissensoriais, solicitando que os alunos respondessem sobre as evidências de transformação. Para além do mundo visual, as evidências poderiam ser identificadas com segurança pelo tato, olfato e audição, tais como na mudança de temperatura, de cheiro e liberação de gás.
As docentes observaram que a divisão da turma em grupos mistos foi fundamental para atingir o objetivo pedagógico do enfoque multissensorial dos experimentos. Os estudantes cegos e com baixa visão contribuíram para a compreensão dos fenômenos ao compartilhar suas percepções acerca dos demais sentidos com os estudantes videntes, que, por sua vez, podem apresentar uma percepção limitada apenas ao sentido da visão. Por outro lado, os videntes contribuíram no processo de aprendizado ao descrever transformações que só eram perceptíveis visualmente, como uma mudança de cor devido alterações de pH.
Assistencialismo ou inclusão?
A pesquisa é pautada na perspectiva da educação inclusiva, que busca garantir condições igualitárias para o desenvolvimento das potencialidades de cada estudante - com necessidades especiais ou não – respeitando também suas individualidades
Partindo das ideias de Vigotski, as autoras ressaltam a importância da interação do aluno com deficiência visual (ADV) com videntes e demais ADVs no processo de aprendizagem. De acordo com o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal proposto pelo psicólogo, quanto mais heterogêneo é o grupo, mais interações e relações podem se dar no sentido do desenvolvimento da potencialidade de cada um.
Como numa via de mão dupla, a interação entre ADVs e videntes têm efeitos positivos para todos os estudantes. Sob a perspectiva pedagógica, devido à heterogeneidade da turma, são necessárias adaptações nas metodologias. No entanto, as pesquisadoras alertam que tais adaptações são sempre necessárias e não são exclusivas para turmas em que haja alunos com necessidades especiais.
Nesse sentido, as ideias desenvolvidas no trabalho de Fernandes, Hussein e Domingues vão na contramão do caráter assistencialista de algumas práticas educativas envolvendo pessoas com deficiência. O assistencialismo na educação é prejudicial para a autonomia do educando, podendo retirar sua postura ativa como sujeito. Dessa forma, as autoras mostram a importância da interação na aprendizagem do estudante com deficiência, ressaltando o papel do professor de mediar e promover desafios a partir dos quais se desenvolvam as potencialidades e individualidades dos próprios educandos. A interação é, portanto, elemento chave para a inclusão.
Assim, as autoras defendem que estratégias inclusivas e participativas no ensino de Ciências promovam a igualdade, além de melhorar a qualidade de vida e aprendizagem de toda a turma.
Políticas públicas de inclusão
As conquistas de políticas públicas em educação inclusiva são recentes. Em 1994, com a Declaração de Salamanca, o processo de inclusão de estudantes com deficiência nas turmas regulares ganhou mais espaço no Brasil. Em 2008, o Ministério da Educação apresentou a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
No entanto, em 2020, três anos após a publicação dessa pesquisa, foi decretada a nova Política Nacional de Educação Especial. Associações, indivíduos e movimentos sociais alertam sobre o retrocesso dessa medida, pois ela pode representar uma volta ao modelo excludente.
Logo, há muito o que avançar nas políticas públicas para que a inclusão seja alcançada. No campo do ensino em ciências, há a necessidade de desenvolver mais pesquisas que contribuam para a inclusão, como esta da UTFPR. A coesão entre ensino e pesquisa é um forte incentivo para que professores levem cada vez mais para a sala de aula práticas verdadeiramente inclusivas.
Quer saber mais sobre os experimentos? Deseja ampliar seus conhecimentos e práticas de inclusão? Então, confira a pesquisa original:
FERNANDES, Tatyane Caruso; HUSSEIN, Fabiana Roberta Gonçalves e Silva; DOMINGUES, Roberta Carolina Pelissari Rizzo. Ensino de química para deficientes visuais: a importância da experimentação num enfoque multissensorial. Quím. nova esc. v. 39, n° 2, p. 195-203, maio 2017.