Aspectos envolvidos na tomada de decisão em questões sociocientíficas, com destaque para a Sensibilidade Moral (Fonte: Freepik e Produção própria).
Tese do PIEC-USP aponta a importância das características das atividades propostas para o desenvolvimento da Sensibilidade Moral dos estudantes.
01 de março de 2021 | 10:00
Marta Maximo Pereira nasceu no Rio de Janeiro, em 1983. É licenciada e bacharel em Física pela UFRJ. Foi bolsista de monitoria pela UFRJ e de Iniciação Científica pelo CNPq. É mestre em Ensino de Física pela UFRJ e doutora em Ciências pelo PIEC-USP. Realizou pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física da UFRGS. É professora de Física do Ensino Médio do CEFET/RJ campus Nova Iguaçu desde 2009. É líder do grupo Políticas, Práticas e Currículo no Ensino Médio Integrado, que obteve financiamento institucional em 2019. Tem interesse pelos seguintes temas de pesquisa: ensino-aprendizagem de ciências, teoria histórico-cultural, interação discursiva, metacognição, ensino por investigação, jogos didáticos. Também tem se preocupado em divulgar a pesquisa em Ensino de Ciências ao público em geral, para além de professores e pesquisadores. Fora do mundo do trabalho, faz caminhada, pilates e dança de salão. Gosta de samba, salsa e bachata, torce pelo Flamengo e ama viajar!
A educação escolar em Ciências deve contribuir com uma formação para a cidadania, considerando os aspectos afetivo, cognitivo e moral dos sujeitos, assim como suas relações em sociedade. Mas como fazer isso?
A tese de Doutorado de Sidnei Pércia da Penha, defendida em 2012 no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo (USP) e orientada pela professora Anna Maria Pessoa de Carvalho, da Faculdade de Educação da USP, é um ótimo exemplo nessa direção. O pesquisador investiga a Sensibilidade Moral dos estudantes e a qualidade de seus argumentos quando participam de atividades relativas à tomada de decisão sociocientífica em aulas de Física. Mas o que é Sensibilidade Moral? Para o pesquisador, uma pessoa sensível moralmente “é capaz de analisar as consequências morais que estão envolvidas em suas decisões e/ou escolhas, considera as emoções e os sentimentos dos outros, e é capaz de avaliar como uma sequência de eventos pode afetar as pessoas envolvidas”.
Uma das principais conclusões de Penha é que o grau de Sensibilidade Moral apresenta forte relação com o contexto da atividade na qual os alunos estão envolvidos. Atividades didáticas do Ensino de Ciências que envolvem aspectos mais sociais foram identificadas como mais eficazes em promover a Sensibilidade Moral dos estudantes em comparação com aquelas atividades que se restringiram a contemplar aspectos técnicos e econômicos.
O contexto em que foi observada maior Sensibilidade Moral dos alunos foi um debate simulado para a tomada de decisão sobre a necessidade ou não de criação de uma agência para regulamentar, controlar e fiscalizar a implantação da TV digital no Brasil. Já o contexto em que os estudantes apresentaram pouca Sensibilidade Moral foi outro debate simulado, agora sobre o aspecto tecno-econômico dos modos de produção e incentivos fiscais para a produção de dispositivos tecnológicos para a implantação da TV digital. Mas o que isso tem a ver com o Ensino de Ciências?
A instalação da TV digital e a Sensibilidade Moral
Penha realizou um detalhado estudo de trabalhos anteriores, em grande parte internacionais, sobre Sensibilidade Moral dos estudantes para analisar as falas dos alunos que participaram desses debates simulados. Um debate simulado ocorre mais ou menos assim: os alunos assumem, por escolha própria ou sorteio, “personagens” com diferentes perfis sociais indicados previamente pelo professor. Eles devem defender os posicionamentos e as ideias daquele “personagem”, que podem ser parecidos ou não com os seus. Materiais podem ser fornecidos ou sugeridos e atividades preparatórias podem ser feitas para que os alunos possam representar bem seus papéis.
Os debates simulados sobre questões sociocientíficas, segundo o pesquisador, permitem que os estudantes reflitam sobre diferentes pontos de vista envolvidos em uma tomada de decisão, não necessariamente os seus próprios. Assim, tais debates estão alinhados com a formação para a cidadania defendida pelo (e para) o Ensino de Ciências, pois colaboram para o desenvolvimento da empatia (capacidade de compreender o que outra pessoa pensa e sente), o respeito às diferenças e o exercício da alteridade (capacidade de reconhecer que o outro é diferente de nós), valores bastante pertinentes no contexto brasileiro atual. No estudo realizado por Penha, os estudantes podiam ser proprietários de redes de TV, fabricantes de eletroeletrônicos ou defensores da ética, da moral e da família, entre outros.
As atividades descritas na tese fazem parte de uma sequência de ensino mais ampla, denominada “A Física e a Sociedade na TV”. Ela aborda aspectos científicos, sociais e tecnológicos associados à implantação da TV digital no Brasil, no âmbito do estudo do tema Eletromagnetismo. Para a coleta de dados da pesquisa, a sequência foi aplicada em aulas de Física, junto a estudantes de 3º ano do Ensino Médio do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp-UFRJ). Essa escola de educação básica pertencente à UFRJ é um importante campo de estágio para futuros professores de diferentes áreas do conhecimento, que estudam em cursos de licenciatura na universidade.
Ampliação do estudo da Sensibilidade Moral
Pesquisas estadunidenses anteriores sobre o desenvolvimento da Sensibilidade Moral dos estudantes utilizaram testes padronizados e entrevistas individuais como métodos de coleta de dados. O trabalho de Penha também avança do ponto de vista dos métodos usados para a realização do estudo, pois propõe a análise da Sensibilidade Moral dos estudantes quando atuam em grupos, resolvendo questões de natureza sociocientífica, em situações reais de sala de aula. Tais questões envolvem tomadas de decisão com base em conceitos científicos, aspectos de natureza da ciência e valores morais.
Os resultados da tese apresentam uma nova contribuição para a pesquisa em Ensino de Ciências porque as metodologias até então utilizadas não permitiam evidenciar relações entre o desenvolvimento de Sensibilidade Moral e o contexto da atividade proposta aos estudantes.
E a Sensibilidade Moral no Ensino de Ciências?
A tese de Penha parte da ideia de que a Educação em Ciências deve contribuir para a formação de cidadãos responsáveis, críticos e conscientes. O autor identifica que situações da sala de aula de Ciências que envolvem fatores sociais são mais propícias ao desenvolvimento da Sensibilidade Moral para a tomada de decisão em questões sociocientíficas. E como esse resultado chega às escolas?
É necessário que as formações inicial e continuada de professores de Ciências contemplem a importância de que aspectos da moralidade sejam considerados no planejamento e na realização de atividades em sala de aula. A tese mostra que um debate simulado pode ser um caminho interessante para abordar temas científicos com criticidade, contemplando valores como empatia, respeito, alteridade e bem comum, tão importantes no mundo de hoje, mas ainda pouco inseridos nas aulas das disciplinas científicas.
Ser atento ao desenvolvimento da Sensibilidade Moral é compromisso de todo professor de Ciências preocupado com a formação dos estudantes para a cidadania plena e para uma atuação crítica na sociedade.
Ficou sensibilizado? Acesse a pesquisa completa original:
PENHA, Sidnei Pércia da. Atividades sociocientíficas em sala de aula de física: as argumentações dos estudantes. 2012. Tese (Doutorado em Ensino de Física) - Ensino de Ciências (Física, Química e Biologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/81/81131/tde-25022013-125318/publico/Sidnei_Percia_da_Penha.pdf>. Acessado em 08 nov. 2020.
Você pode ler também:
PENHA, Sidnei Percia da; CARVALHO, Ana Maria Pessoa de. A sensibilidade moral dos estudantes em tomada de decisão sociocientífica: uma análise comparativa entre contextos técnicos e sociais. Enseñanza de las Ciencias, v. EXTRA, p. 3275-3281, 2013. Disponível em: < https://ddd.uab.cat/pub/edlc/edlc_a2013nExtra/edlc_a2013nExtrap3275.pdf>. Acessado em 08 nov. 2020.