Série Jurisprudência do TPR: espaço de contribuições jurídicas e acadêmicas sobre a jurisdicionalização das controvérsias no MERCOSUL

Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL Fonte: https://www.tprmercosur.org/pt/img/foto_ini_2.jpg

O Centro MERCOSUL de Promoção de Estado de Direito, unidade criada dentro da Secretaria Permanente de Revisão, no exercício das suas funções de difusão do conhecimento sobre os princípios e valores do processo de integração regional, publica desde março de 2021 a “Série Jurisprudência“, a qual apresenta os laudos proferidos pelo TPR com um resumo técnico-jurídico dos temas pleiteados nas controvérsias.

O volume 1 da série, publicado em março de 2021, apresenta o “Recurso de revisão apresentado pela República Oriental do Uruguai contra o laudo arbitral do Tribunal Arbitral Ad Hoc de 25 de outubro de 2005 na controvérsia “Proibição de importação de pneus remodelados procedentes do Uruguai”.

O volume 2, por sua vez, publicado em maio de 2021, traz o “Recurso Declaratório interposto pela República Argentina contra o Laudo Arbitral ditado por este ente em 20 de dezembro de 2005 ‘Proibição de importação de pneumáticos remodelados procedentes do Uruguai’. Recurso Declaratório interposto pela República Argentina contra o Laudo Arbitral ditado por este ente em 20 de dezembro de 2005”.

O volume 3, por fim, datado de julho de 2021, traz comentários sobre Recurso de Revisão apresentado pela República Argentina contra a decisão do Tribunal Arbitral Ad Hoc, de 21 de junho de 2006. ‘Impedimentos Impostos à Livre Circulação pelas Barreiras em Território Argentino de Vias de Acesso às Pontes Internacionais Gral. San Martin e Gral. Artigas’”.

O primeiro volume apresenta demanda apresentada pelo Uruguai, em face da Argentina, concluída com a prolação do Laudo 01 do TPR em 2005. O caso apresenta a oposição de dois princípios, o do livre comércio e o da proteção ambiental. A decisão arbitral ad hoc questionada perante o TPR considerou ser a defesa do meio ambiente motivação razoável para uma exceção ao princípio de livre comércio, nos termos do artigo 50 do Tratado de Montevidéu, efetivada em território argentino pela vigência de nova lei que aumentou a restrição sobre a comercialização de pneus usados no País.

Diferentemente do Tribunal Arbitral ad hoc, o TPR afirmou não haver dois princípios em conflito no caso, mas sim a existência de um só princípio jurídico inerente à integração regional, o do livre comércio, e uma possível exceção a esse princípio, de priorização da proteção do meio ambiente. Nesse sentido, conclui que o ônus da prova cabe a parte que alega essa exceção.

Como não foi identificado no arcabouço jurídico internacional do MERCOSUL normativa sobre os critérios para adoção de exceções ao princípio do livre comércio, o TPR analisou a medida adotada pela Argentina sobre quatro perspectivas extremas, da sua efetividade na restrição do livre comércio, do seu caráter discriminatório, da sua justificação e da sua proporcionalidade ao fim colimado.

O TPR conclui que a medida argentina é restritiva ao comércio, bem como diretamente discriminatória, já que afeta apenas produtos estrangeiros e não os nacionais. Verifica, ainda, não haver a devida justificação para essas medidas discriminatórias, vez que os próprios antecedentes parlamentares do país revelam, além da proteção ao meio ambiente, a proteção da indústria nacional, bem como haver uma desproporção entre a medida adotada, de proibição de importação de pneus remodelados, que são produtos prontos para o uso, e a proteção do meio ambiente, já que não é previne o dano ambiental causado pela produção de lixo.

Sobre a relação entre o Direito da Integração no MERCOSUL e o Direito Internacional Geral, afirma-se que o direito de integração deve ter certa autonomia em relação aos demais ramos do Direito, permitindo no contexto regional o desenvolvimento das instituições e normativas. Sustentam que as disposições do Direito Internacional geral, ainda que contidas no Protocolo de Olivos, devem ter aplicação subsidiária ou complementar na solução das demandas.

A decisão proferida, então, determinou a revogação do laudo arbitral proferido pelo Tribunal ad hoc e a obrigação da Argentina de revogar a legislação interna que infringiu o livre comércio e que revelou-se incompatível com a normativa do MERCOSUL.

O segundo volume, por sua vez, apresenta a continuidade do caso anterior pela análise do Laudo 01/2006, já que a Argentina apresentou Recurso aclaração, no qual faz pedido de esclarecimentos sobre trinta e um pontos da decisão anterior. Estes pontos são apresentados de acordo com a temática pleiteada e são apresentados na publicação dentro do espectro de cinco temáticas.

A primeira temática é o do alcance do Recurso de aclaração, afirmando o TPR serem objetos desse recurso, apenas, pedido de correção de erro material, o esclarecimento de expressão obscura ou da supressão de omissão sobre pretensão deduzida e discutida no caso. Verifica-se que os julgadores não identificaram nos pontos apresentados pela Argentina o cabimento nestas hipóteses, afirmando que apresentou a “intenção de reabrir a instância e o debate sobre questões decididas”.

A segunda temática versa sobre a distinção entre questões de fato e de direito e afirma que, na interpretação do TPR as questões de direito são “a análise das questões fatídicas no caso de manifestar arbitrariedade e irrazonabilidade”. Já a terceira, sobre a exceção ao princípio do livre comércio, entre outras questões, pondera-se que não foi extrapolada a normativa vigente do Mercosul na interpretação da suposta exceção de proteção ao meio ambiente, já que há no ordenamento mercosulino apenas acordo marco para o meio ambiente, sem a delimitação de critérios para a restrição do livre comércio.

A quarta temática, sobre o caráter vinculante do antecedente jurisprudencial, apresenta a afirmação de que é lógica a compreensão de que a decisão anterior, depois de revisada e alterada pelo TPR, não revela antecedente jurisprudencial vinculante, ainda que proferido por Tribunal Arbitral Ad Hoc. E na última temática, sobre a inversão do ônus da prova, afirma ter o laudo anterior tratado de forma equivocada sobre o tema.

Por fim, o terceiro volume apresenta o caso decorrente do Recurso de Revisão apresentado pela Argentina face ao procedimento de designação de terceiro árbitro ao Tribunal Ad Hoc formado para a solução da demanda promovida pelo Uruguai, que afirmou a omissão do governo argentino na cessação de manifestações de movimentos ambientalistas argentinos que, na oposição à produção de celulose nas margens do Rio Uruguai, passaram a impedir a livre circulação na região fronteiriça entre os dois países, cessando a possibilidade de uso das vias de acesso aos portos internacionais argentinos.

Em síntese, a Argentina apresenta Recurso de Revisão ao TPR para que este “decrete a nulidade da designação efetuada do terceiro árbitro presidente do Tribunal e tenha por não constituído o Tribunal Arbitral Ad Hoc em virtude de vícios e no procedimento de sorteio” (p.7-8). O pedido de Argentina foi além, requereu que o caso fosse julgado pelo plenário da Corte, o que só se dá, nos termos do Protocolo de Olivos, em demandas em que envolva mais de dois Estados-Partes, mas que foi acolhido excepcionalmente pelos julgadores.

A questão colocada para o TPR, então, envolveu a delimitação da sua competência para uma “decisão interlocutória” do Tribunal Arbitral Ad Hoc, por exemplo, aquelas de escolha dos árbitros. A resposta da Corte contida no Laudo 02/2006, baseada no artigo 17 do Protocolo de Olivos, afirmou a incompetência da Corte sobre o trâmite do procedimento arbitral, que carrega a característica da simplificação processual e celeridade, e do cabimento estrito do Recurso de Revisão previsto no Protocolo para os laudos proferidos pelos Tribunais Arbitrais Ad Hoc e, mais especificamente, sobre as questões de direito e interpretações jurídicas nele contidas.

A leitura dos três volumes da “Série Jurisprudência” nos permite conhecer um pouco mais da atuação do Tribunal Permanente de Revisão, dentro do sistema regional de integração do MERCOSUL assume a função de resguardar, excepcionalmente em primeira instância, mas em regra no exercício da função recursal, os pedidos de interpretação aplicada do conjunto normativo internacional aplicável nos casos de sua desobediência, sendo o resguardo do livre comércio frente a atos discriminatórios, um dos objetos de análise. Ademais, verifica-se que o TPR afirmou a competência primária dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc para a solução dos conflitos entre os Estados-Partes e negou a possibilidade de pedidos de revisão de decisões procedimentais tomadas por este.