Orereko: o intercâmbio entre o IPUSP e as culturas indígenas

Instituto de Psicologia da USP recebe construção para promover eventos de Culturas Indígenas

O movimento das enxadas e das cavadeiras na terra, e o barulho do facão, do machado e da serra elétrica talhando as pontas das vigas de madeira surpreende quem passa. Afinal, o que essas pessoas estão fazendo no Instituto de Psicologia da USP?
A resposta é inesperada: estão construindo uma Casa de Culturas Indígenas!

Uma proposta inovadora

A construção da Casa foi planejada pelo Prof. Dr. do IPUSP Danilo Guimarães para ser uma oficina de verão, chamada de Orereko*, e a coordenação está sendo feita pelo Xeramõi** Bastião, que conta com o auxílio de uma equipe de cinco construtores Mbya Guarani*** e de alunos da graduação e pós-graduação de unidades como o Instituto de Psicologia, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, e a Escola de Educação Física e Esporte.

Sendo uma casa de culturas indígenas, é fundamental a presença do Xeramõi, tendo em vista que ele é o detentor do saber tradicional e domina todas as etapas e métodos utilizados para a construção das casas. Por isso, o Xeramõi é o responsável por transmitir esses conhecimentos aos mais jovens.

A adaptação da cultura indígena

A obra terá uma arquitetura tradicional Mbya Guarani, medirá 48m², sendo seis metros de largura com oito metros de comprimento, e terá suas costas, onde ficará a porta, em formato de meia lua. A construção foi iniciada em 30 de janeiro de 2017 e prevista para durar três semanas. Como preparação para o projeto, foi realizada anteriormente uma oficina com o Laboratório de Culturas Construtivas, coordenado pelo Prof. Dr. da FAU Reginaldo Ranconi, em que os próprios Guarani orientaram os tipos de materiais necessários para serem utilizados.

Por outro lado, a engenharia da Casa precisou adaptar a tradição Guarani às normas de segurança da construção civil. Dessa forma, além da necessidade de que a coordenação do trabalho fosse feita por uma liderança Mbya Guarani – o Xeramõi -, foi necessário ajustar o projeto às especificações e normas técnicas exigidas pela Superintendência do Espaço Físico da Universidade de São Paulo (SEF-USP).

Clique para ver a visão interna da casa

Tradição e contemporaneidade

Entre as regras  para a construção estabelecidas pelos Guarani, por exemplo, há a obrigatoriedade de que as casas sejam sempre posicionadas com a entrada para o nascer do sol, de modo que a luz solar entre pela janela e pelas frestas das toras. Entretanto, regras da nossa sociedade também tiveram que ser aplicadas à obra. A título de ilustração, devido à regulação da extração de espécies sob ameaça, a madeira usada tradicionalmente nas casas Guarani, que vêm de árvores nativas dificilmente encontradas hoje em dia, não pôde ser utilizada nessa edificação; no lugar dela, foi usado o eucalipto, comprado em madeireiras. Outra questão de adaptação, agora em relação à segurança, foi que a SEF-USP estipulou todas as regras ambientais que deveriam ser seguidas no plano de obras. Desse modo, um meio-termo equilibrado foi pensado para se atender tanto às demandas da cultura indígena quanto da nossa cultura.

Para o Prof. Danilo, “a metodologia de trabalho desse projeto é uma produção em coautoria” capaz de conceber um saber interétnico. Portanto, nessa iniciativa, os indígenas podem sempre apresentar uma demanda para a Casa e, baseado nisso, ser elaborada uma estratégia de implementação da solicitação. Assim, todas as atividades propostas na programação de eventos e oficinas passarão pelos crivos tanto do Prof. Danilo quanto do Xeramõi Bastião, provando que a obra é, de fato, uma criação em conjunto entre a Academia e a comunidade indígena.

O significado da Casa

Ainda de acordo com o Prof. Danilo, que pesquisa temas relacionados à Psicologia Cultural, o principal significado da construção é “permitir um maior diálogo entre a universidade e os indígenas, que têm uma cultura rica e milenar, com conhecimentos que o universo acadêmico ainda tem pouco contato”. Por isso, segundo conta, “a Casa será um espaço para sediar oficinas, intercâmbios, palestras, exposições e eventos culturais que envolvam a comunidade indígena e acadêmica”.

O Xeramõi Bastião afirma que essa é a primeira casa tradicional construída na cidade por ele. Perguntado sobre o significado da construção, o líder revela o que esse projeto representa: “a Casa simboliza sabedoria e costuma funcionar como um local de reuniões e, até mesmo, de realização de batismos”.

Para a aluna do IPUSP Marília A. Benedito, voluntária na oficina Orereko e bolsista da Rede de Atenção à Pessoa Indígena – coordenada pelo Prof. Danilo -, participar da obra foi um aprendizado enorme. Sincera, ela relata que sempre foi muito curiosa sobre a cultura indígena, mas pouco sabia sobre ela. Foi só a partir desse projeto e da participação nas pesquisas com o Prof. Danilo que ela pôde conhecer melhor uma parte da história do Brasil.

Depois de finalizada a construção, a aluna explica que vai ajudar a manter e a cuidar da Casa, a promover eventos como palestras e rodas de conversa, tornando o local um espaço de divulgação do conhecimento indígena.

A inauguração da Casa acontecerá no dia 15 de março. A construção foi financiada pela Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES) e pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP (PrCEU-USP).

Acompanhe pela galeria de fotos como foi a construção da Casa de Culturas Indígenas do IPUSP:

* Orereko [lê-se orerecó] vem do Guarani e significa “nosso modo de vida”. De acordo com o Prof. Danilo, “o projeto recebeu esse nome como forma de conhecer, valorizar e fortalecer o modo de vida e os princípios tradicionais dos Guarani”.

** Xeramõi [lê-se tcheramói] pode ser traduzido como “meu avô”. Para os Mbya Guarani, os líderes são os mais velhos, porque eles têm mais experiência e conhecimento da cultura e das esferas da vida. Por isso, eles são os membros mais importantes da comunidade. Os Xeramõi também podem ser Pajés, que são as lideranças comunitárias responsáveis pela transmissão da tradição aos mais jovens.

*** Mbya Guarani [lê-se mbiá guarani] é um povo Guarani. Há três denominações Guaranis no Brasil: Mbya, Ñandeva e Kaiowá, mas em outras regiões eles podem assumir outras nomenclaturas.

Texto e fotos por Anátale Viana Garcia
Edição por Islaine Maciel

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