Homenageamos profissionais da educação que trabalharam durante o período crítico da pandemia de COVID-19 no número 4 da Revista BALBÚRDIA. O texto abaixo abre a homenagem que poderá ser acessada no número digital em nosso site (em breve!)
Sou mais um gaúcho morando no planalto central, gosto de praticar exercícios, ler livros e assistir filmes e séries. Também sou Professor Adjunto da Universidade de Brasília, vinculado ao Núcleo de Educação Científica do Instituto de Ciências Biológicas e atuo como Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências (PPGEduc/UnB). Doutor em Educação, na área de Ensino de Ciências, pela Universidade de São Paulo (2019). Biólogo Licenciado (2013) e Mestre em Educação (2015) ambos pela Universidade Federal de Pelotas.
30 de maio | 10:00
A pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19) iniciou na China em dezembro de 2019 e rapidamente se espalhou pelo mundo. Passados mais de dois anos desde o primeiro caso registrado da doença, a insegurança ainda é um estado emocional presente na população. O cenário de incerteza, que já existia, foi ampliado pela pandemia, gerando uma dificuldade a mais para conduzir nossas vidas em meio a futuros incertos. Frente a essas imensuráveis mudanças, as relações entre professores e alunos foram diretamente afetadas. Em pouco tempo, fomos transportados para uma realidade virtual que tangencia a nossa atuação e tivemos que lidar com diferentes demandas e desejos, muitos inéditos para a nossa profissão.
Nessa nossa aventura, como professores, de ensinar e aprender de forma remota por meio de telas, questionários, permissões de software e internet instável, a possibilidade de realizar múltiplas tarefas e de estar multiplamente ausente nos colocou frente a um cenário inesperado e desafiador. Não teria como haver uma formação para esses momentos que experimentamos nos últimos dois anos. Não foi somente nossas relações profissionais que mudaram, tivemos que nos adaptar, reinventar diante de tantos novos desafios que nos foram colocados e, além de todas as dificuldades pessoais de viver essa infecção viral que nos assolou sobremaneira, precisávamos ensinar e aprender por meio de uma tela. Como manter uma estabilidade emocional e física, quando vivenciamos tantas emoções negativas? Como ensinar física, química, português, quando as pessoas tinham que conviver com a incerteza de não poder ver um outro dia acontecer?
De tudo aquilo que vivemos nesses últimos anos, destaco a fala de um aluno quando perguntei à turma se desejavam voltar ao modelo presencial: “eu sinto falta de gente”. Vejam bem, a pandemia nos afetou de inúmeras maneiras, mas sobretudo ela nos separou, isolou, distanciou. Para quem se acostumou a estar em uma sala de aula cheia de gente, se deparar com uma tela dividida em pequenos quadrados, abreviações de nomes, câmeras fechadas e microfones mudos só fez aumentar o distanciamento e evidenciar o isolamento.
Trago outro relato. Lá pelo meio de mais um semestre remoto, em uma turma em que até então eu não havia visto mais do que três rostos esporadicamente, perguntei sobre como eles agiam em outras disciplinas quando o professor pedia para abrirem a câmera. Após alguns tantos segundos de silêncio, a primeira resposta: “Não quero abrir porque estou descabelada”, depois outra: “Alguns professores são mais carentes e pedem para abrir a câmera toda hora, outros pedem no início, mas depois não insistem”. Eu poderia entender o uso da palavra “carente” em tantos outros contextos, mas dificilmente imaginaria que a obstinação dos professores para que os alunos abram suas câmeras, que pode ser compreendida como uma tentativa de diminuir essas distâncias impostas pelo modelo remoto, fosse assim nomeada. Se o sentimento de que é necessário reduzir os isolamentos causados pela pandemia é compartilhado entre alunos e professores, por que parece tão difícil convencer estudantes a contribuírem com esse processo, se apresentando e mantendo a câmera aberta? Precisamos - mais uma demanda - prestar atenção no que as câmeras fechadas podem estar nos dizendo: talvez importe menos se os alunos estão em sala de aula ou não, câmeras abertas ou não. Que tal encarar essas manifestações para refletirmos que, além de nos reunirmos num mesmo espaço, precisamos ficar atentos aos bons encontros que essas experiências podem nos proporcionar?
Nesse momento, escolas e universidades já estão se adequando ao que estamos chamando de “novo normal” e avistando no horizonte um retorno das práticas costumeiras de sala de aula. Portanto, voltamos/remos a ter nossas salas de aula cheias de gente e, finalmente, não precisaremos mais pedir aos alunos para que abram suas câmeras, ainda que alguns microfones continuem silenciados. Por suposto, o distanciamento humano diminuirá e voltaremos a ter contato com alunos e colegas. Defendemos essa socialização por sabermos o quão valoroso é para educação esse empreendimento humano de ensinar e aprender em meio a outros seres. Valorizar e reforçar a importância do contato humano nas escolas e universidades é, dentre tantas outras, mais uma aprendizagem trazida pela pandemia. Mas e se só colocar alunos e professores dividindo o mesmo espaço não for mais o suficiente?
Se à nossa ideia de futuro precisamos adicionar a incerteza como uma característica indissociável, é também incerto se a nossa (re)organização educacional continuará a mesma. Podemos, portanto, em meio a esse retorno, repensar algumas práticas tidas como naturalizadas na nossa área. Talvez devêssemos afrontar esse momento para estabelecer outros modos de nos relacionarmos em sala de aula e como podemos, efetivamente, abrir essas câmeras fechadas e tirar os microfones do mudo para que em um certo momento possamos deixar de nos preocupar se tem alguém ali realmente com a gente.