Um breve relato sobre a participação e organização de um congresso nos tempos de atividade remota

Captura de tela do bate papo realizado no encerramento com parte dos diretores e membros que compuseram a Comissão Organizadora. Créditos: elaborado pelo autor.

O movimento estudantil se mostrou essencial, mesmo durante a pandemia, para o estabelecimento de eventos que são referências nacionais para os cursos de Licenciatura em Ciências da Natureza.

Renan Amorim

Olá! Eu sou o Renan Amorim. Licenciado em Ciências da Natureza pela EACH – USP e mestrando em ensino de Física pelo PIEC-USP. Na graduação fui bolsista de Iniciação Científica pelo PUB nas áreas da Física e História da Ciência, também fui bastante ativo na mobilização estudantil do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza, participando como um dos fundadores e presidente do diretório acadêmico do curso, e conselheiro nos anos posteriores. Também atuei nesses dois últimos anos como representante discente estadual de LCN nos encontros e congressos nacionais. Tenho imensa admiração pelos professores, principalmente das áreas de ciências naturais e nas horas livres gosto muito de praticar o ócio criativo, assistir filmes, séries e bater papo sobre os mais diversos assuntos. Luto por uma educação crítica e de qualidade para todos, sem esquecer das problemáticas que envolvem a profissão professor.

30 de maio de 2022 | 10:00

Organizar um evento acadêmico de porte nacional não é uma tarefa simples. São diversas frentes de trabalho, como a organização dos espaços que serão usados, a escolha de temas dos diálogos e dos debates que deverão ser viabilizados, a divulgação do evento e das inscrições, o encaixe do cronograma, assim como o lançamento de convites aos avaliadores de diversas áreas das ciências naturais e palestrantes experientes nos temas propostos. E em um evento durante a pandemia? Neste texto, relato minha experiência como um dos presidentes da comissão organizadora de dois eventos, o Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Naturais/da Natureza (ENECINA) e o Congresso Nacional de Ciências da Natureza (CONCINAT) que ocorreram conjuntamente entre os dias 01 e 05 de novembro de 2021.

O Surgimento da Organização Nacional Estudantil

O primeiro ENECINA aconteceu em outubro de 2010 por iniciativa de alguns estudantes de três instituições diferentes (USP, UFAM e UnB), e nasceu do objetivo de discutir os cursos de Licenciatura em Ciências Naturais/da Natureza (LCN) e suas diferentes matrizes curriculares, bem como também as semelhanças estruturais dos cursos em universidades de todos os estados brasileiros.  A desarticulação do grupo provocou uma pausa no trabalho realizado até 2012. O ENECINA voltou a acontecer com uma nova edição realizada na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em 2016, que também sediou o primeiro CONCINAT. A partir de então, os congressos e os encontros nacionais ocorreram nos anos seguintes (2017, 2018 e 2019) implicando na consolidação desses eventos no cenário nacional indicada pelo número crescente de inscritos e trabalhos submetidos a cada edição. As últimas edições dos dois eventos, sediadas na Universidade de São Paulo (USP), foram realizadas virtualmente no ano de 2021, em plena pandemia de COVID-19.

V CONCINAT e VII ENECINA na pandemia

Quando a turma a qual eu estava vinculado ingressou no curso de Licenciatura em Ciências da Natureza (LCN) da USP em 2014, havia um sentimento de que os estudantes dessa licenciatura não se identificavam dentro da universidade e por consequência, havia uma falta de apropriação dos espaços comuns de convivência. O corpo discente acredita que esse fato gerou, durante um tempo, um alto índice de desistência entre os ingressantes. Por sua vez, é notável que a evasão se tornou um dos fatores para a decisão de se cortar 50 % das 120 vagas da LCN inicialmente disponíveis na instituição para a criação do curso de Biotecnologia. Por esse motivo, a realização do VII ENECINA e do V CONCINAT tiveram um peso e significado muito grande para a história do curso de LCN da USP, pois além de engajar os discentes em prol da materialização desse evento, também  conseguiu unir mais de 1000 inscritos sob o teto virtual da universidade.

O tema escolhido pela comissão para o evento visou representar o contexto político não só do país (com o golpe instaurado em 2016), mas também da história da LCN. Esse tema foi:  “A Formação Interdisciplinar em Ciências Naturais: a dimensão política, perspectivas e reflexões acerca da alfabetização científica na nossa sociedade”.

O evento inicialmente estava planejado para acontecer em 2020, na mesma universidade em que nasceu (USP), o que fecharia o primeiro ciclo de 10 anos da história de discussão e luta dos alunos de LCN por espaço não apenas dentro da universidade, mas também na carreira profissional. Entretanto, por conta da pandemia ocasionada pela COVID-19, houve o adiamento para o final de 2021, e a adaptação para a sua realização de forma totalmente remota.

Palestra da Prof.ª Dr.ª Maria Eliza Mattosinho Bernardes, que ajudou na oficialização do evento com a universidade. Créditos: elaborado pelo autor.

A construção de um evento de porte nacional, onde se espera a presença de várias instituições de renome, já é um trabalho bastante complexo por si só, e como todos nós sabemos - e vivenciamos - a pandemia trouxe ainda mais obstáculos para a articulação desse evento. A seguir relato algumas das dificuldades enfrentadas. 

A apropriação dos espaços online foi a primeira grande adversidade, pois não seria apenas o trabalho de transportar palestras e encontros para as plataformas digitais, mas haveria, também, a organização interna da comissão, que foi prejudicada. Não ter um local em comum que todos nós pudéssemos frequentar, fez com que os compromissos acadêmicos, laborais e familiares disputassem os mesmos espaços curtos e tempos corridos de nosso cotidiano. Foi um grande desafio garantir a presença de todos os membros da comissão organizadora em um ambiente reservado de debate, que muitas vezes se alongava por períodos extensos, provocados por queda de internet, computadores com problemas, barulhos que não se tinha controle etc.

A comunicação, sem dúvida, foi um problema durante todo o período de construção do evento, que não afetou apenas a organização interna do grupo, mas também o contato com as instâncias da universidade em que o evento estava inserido. No início, pensamos que a elaboração de um evento sem os espaços físicos da universidade exigiria menos documentação e coordenação entre a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) e a comissão formada por alunos do diretório acadêmico e egressos, mas logo percebemos que a instituição não estava preparada para funcionar no ambiente online

Embora os funcionários da equipe de eventos institucionais tenham nos ajudado muito com a burocracia, foram meses de e-mails, mensagens no WhatsApp e reuniões no Google Meet para entendermos cláusulas de contrato institucional que não eram explícitas para o ambiente virtual. A dificuldade até certo momento não era nem compreender aquelas pilhas de contratos e documentos exigidos, mas os requisitos e obrigações pertinentes a um evento nacional - que não seria realizado presencialmente dentro da universidade, já que não havia clareza das exigências do contexto virtual.

O processo para fazermos com que o evento pudesse disponibilizar certificados oficiais para as atividades foi bastante longo e desgastante, tanto para a comissão que estava perdida naquele abismo de burocracia, quanto para os funcionários que não haviam recebido direcionamentos de instâncias superiores sobre as exigências para um evento online. Isso fez com que os contratos assegurando a oficialidade do evento só tenham sido finalmente firmados durante a semana de realização do próprio evento.

Além dessas dificuldades, podem ser mencionadas:

i) conseguir apoio financeiro;

ii) engajar egressos do curso para auxiliar na execução do evento;

iii) fomentar a relação entre os organizadores, que eram de diferentes turmas de ingresso no curso;

iv) cumprir as tarefas no prazo estipulado e a divisão do trabalho a ser realizado;

v) organizar as apresentações de trabalhos submetidos nos eventos.

A cada semana que passava, colecionávamos poucas vitórias e muitas derrotas. Muitos de nós não conseguimos dar conta do volume de trabalho, desistimos muitas vezes das nossas obrigações, e quanto mais o evento avançava, mais nos estressávamos. As discussões respeitosas e democráticas deram espaço para acusações e desentendimentos.

Para contornar alguns desses problemas, optou-se por dividir a comissão organizadora em 09 núcleos de trabalho, buscando assegurar uma equidade de responsabilidades e afazeres. A Diretoria foi responsável por organizar as decisões e garantir o desenvolvimento dos grupos. Ainda tínhamos os setores: Financeiro; Gestão de Pessoas; Apoio; Acessibilidade; Comunicação; Atividades Culturais; Atividades Sócio-Culturais e Atividades Acadêmicas. Cada setor possuía uma reunião semanal, e um diretor responsável por levar as demandas para frente. A Diretoria se dividia para acompanhar as reuniões e fazer a intermediação entre esses grupos, o que não foi nem um pouco fácil.

Apesar dessas dificuldades, os problemas recentemente enfrentados como a falta de identificação dos estudantes com o curso e a instituição, além do corte do número de vagas, foram elementos que engajaram os participantes da comissão organizadora, fomentando um senso de responsabilidade e a constituição de um grupo coletivo sólido. Isso permitiu a união dos discentes em prol da materialização desse evento, pois para esses estudantes, a execução do V CONCINAT e VII ENECINA significava a defesa das próprias Licenciaturas de Ciências da Natureza (algumas vezes não tão compreendidas pelos pesquisadores da própria área).

#EmDefesaDaEducação

#EmDefesaDasLicenciaturasDeCiênciasDaNatureza

Mesa redonda com parte da equipe editorial da revista BALBÚRDIA. Créditos: elaborado pelo autor.

Quer conferir o que aconteceu no V CONCINAT e VII ENECINA? As atividades virtuais ainda estão disponíveis online:

- Clique aqui para acessar a playlist com todas as atividades realizadas durante a semana do evento.

- Assista a mesa redonda realizada pela Revista BALBÚRDIA, com o tema “A Importância da Divulgação Científica na Formação Escolar para uma Cidadania Participativa”

- Acesse o nosso número 4 digital em PDF (em breve na página inicial do site da Revista BALBÚRDIA) para ler os resumos de trabalhos apresentados que foram selecionados pela Equipe Editorial da Revista BALBÚRDIA.