A desvalorização da profissão professor no Brasil: o que a caracteriza?

Legenda: A imagem representa o apagamento da docência como profissão. A imagem é de autoria própria.

Conhecer os fatores que levam à desvalorização da docência pode contribuir para a sua desmarginalização social, política e econômica.

Keysy Nogueira é licenciada em Química pelo IFSC-SP e doutora em Ensino de Ciências pelo PIEC-USP. Durante a graduação foi representante discente do Curso de Licenciatura em Química, fez iniciação científica e participou do PIBID. Trabalhou de 2012 a 2013 em escolas públicas do Estado de São Paulo. Na pós-graduação desenvolveu sua tese sobre conhecimento docente de bolsistas de iniciação à docência do PIBID. No ano de 2019 mudou-se para Blumenau-SC, para assumir o cargo de Professora do Magistério Superior na UFSC. Na UFSC atua nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Química como professora e como subcoordenadora desses cursos. Além disso, é coordenadora de área do PIBID, orientada trabalhos de TCC, extensão e iniciação científica. Ah, recentemente publicou o livro Mulheres e a tabela periódica: caminhos que se cruzam. Nas horas vagas ama sentar a beira-mar, cozinhar e dançar... E, por fim, para trazer um mantra para as licenciandas e licenciandos em química, que os impulsionam a reconhecerem quem, eu os chamo de bichas competentes!! 

Instagram: @nogueira_keysy

20 de novembro de 2023 | 10:00

Quem nunca, em algum momento da vida, brincou de ser professor(a). Certo? Mas o que te fez não escolher a docência como profissão? Talvez a resposta para essa questão esteja no Ensaio intitulado Uma reflexão necessária sobre a profissão docente no Brasil, a partir dos cinco tipos de desvalorização do professor de autoria de Westerley A. Santos, pós-graduando na Funiber/Universidade de Jaén/Espanha. No texto, em formato de ensaio, Santos leva o leitor a refletir sobre cinco aspectos que envolvem a desvalorização do professor, a saber: econômico, social, psicológico, obsolescência e da desqualificação/degenerescência. Esses fatores destacados pelo autor, talvez tenham levado o Brasil a ter um déficit de professores e ao estabelecimento de um cenário em que menos de 2% dos estudantes na fase de vestibular escolhem a docência, o que leva a licenciatura a ocupar o 37º lugar dentre as profissões mais procuradas.

Os problemas que cercam a docência estão postos, mas faltam políticas públicas de valorização do magistério que possam mudar esse cenário da educação brasileira. 

Conhecer para desmarginalizar à docência

Nos resultados desse ensaio desenvolvido por Santos, o autor nos convida a refletir sobre cinco fatores envolvidos na desvalorização da docência. O primeiro fator que contribui para essa desvalorização é o econômico, pois os baixos salários impossibilitam uma vida digna e levam professores(as) a assumirem diversas aulas ou outros empregos. Para você, não é espantoso que o salário de professores com nível superior seja 30% menor que de outras profissões com a mesma escolaridade? O segundo fator, o social, representa o reconhecimento da docência apenas pelo prestígio social, reflexo da falta de ação de governos e do sistema judiciário, para promover condições salariais, de formação, entre outros, resultando na sua decadência.

O desprestígio salarial e social, contribuem para outro fator, o psicológico ou autodesvalorização, que acontece quando o próprio professor não consegue perceber a sua função social e passa a aceitar a sua desvalorização profissional. Com isso ocorre a perda da capacidade de reação, que por vezes resulta no seu adoecimento.

Apesar da docência ainda não passar por uma obsolescência de mercado, pois existe um déficit de professores(as) de diferentes áreas como química, física e biologia, ocorre, de acordo com o autor,  a obsolescência sobre a prática do(a) professor(a), ou seja, das metodologias. Essa obsolescência é o quarto tipo de desvalorização docente. O último tipo de desvalorização, o da desqualificação ou degenerescência, talvez seja o mais perverso. Ao desqualificar a profissão, a sociedade retira do professor o seu valor intrínseco e fundamental, o de participar da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Apesar da desvalorização da docência, o que ainda motiva os futuros professores?

De modo a entender os fatores que ainda motivam a escolha pela docência, também foi conduzida uma pesquisa com três licenciandos em química, que participavam do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Dois licenciandos afirmaram que sempre quiseram ser professores. Um deles afirmou ainda que no ensino médio sempre ajudava os amigos de classe que tinham dificuldades, e que escolheu ser professor de química, pois era a disciplina que mais tinha afinidade. O segundo licenciando pontuou que seu desejo era ser matemático, mas por influência de uma professora de química, decidiu cursar licenciatura nessa área.  

O terceiro futuro professor queria ser engenheiro químico, mas por conta do número de candidatos por vaga no vestibular, optou pela licenciatura em química e decidiu concluí-la por ter gostado de ensinar, em virtude de sua vivência na escola da educação básica como bolsista do PIBID

Na fala dos três licenciandos há uma questão que os une quanto à escolha e permanência na licenciatura: as relações interpessoais! 

Para os licenciandos participantes do PIBID, os principais problemas da profissão professor observados nas escolas da educação básica são a violência contra os professores, os baixos salários e as longas jornadas de trabalho. Esses problemas correspondem aos fatores de desvalorização: psicológico, salarial e o prestígio social – a falta de reconhecimento social.

Qual a sua contribuição para essa desvalorização?

A docência talvez seja a profissão que mais temos contato em nossas trajetórias de vida. Contudo, isso não nos torna um professor ou um especialista sobre o processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, sobre a docência, a escola ou as problemáticas educacionais. É preciso ter o entendimento que toda profissão (advogado, biólogo, químico, filósofo, entre outras) tem um corpo de conhecimento que a caracteriza, e com a docência não é diferente. Afinal, você consideraria adequado se consultar com um advogado, para tratar um problema cardíaco?! Não! Devemos compreender ainda, que ser um especialista, por exemplo, em química, não faz de ninguém um professor de química. 

As reflexões propostas por Westerley A. Santos, revelam que é urgente uma política pública de valorização do professor e que reconheça a docência como profissão, para que não tenhamos mais aulas conduzidas por pessoas com notório saber. Ademais, é fundamental que a sociedade tenha um compromisso com esses profissionais e para tanto, é imprescindível reconhecer de que forma ela tem contribuído para a permanência da desvalorização social, econômica e política do professor. 

Questões para te acompanhar: Quem sou eu no processo de desvalorização do professor? O que posso fazer para criar redes que lutem contra a desvalorização desse profissional? A mudança curricular instituída pelo mercado com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é a solução para a melhoria da educação no Brasil?

Referências

TARTUCE, G. L. B. P.; NUNES, M. M. R.; ALMEIDA, P. C. A. Alunos do Ensino Médio e atratividade da carreira docente no Brasil. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 140, p. 445-477, 2010.

SANTOS, W. A. Uma reflexão necessária sobre a profissão docente no brasil, a partir dos cinco tipos de desvalorização do professor. Sapere Aude – Belo Horizonte, v.6, n.11, p.349-358, 2015.

NOGUEIRA, K. S. C. Reflexos do Pibid na prática pedagógica de licenciandos em química envolvendo o conteúdo oxirredução. 2018. 358f  Tese (Doutorado em Ensino de Química) - Ensino de Ciências (Física, Química e Biologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. doi:10.11606/T.81.2018.tde-17102018-172017. Acesso em: 2023-07-06.