Professora Ivanise Rizzati, atual coordenadora da Área de Ensino da CAPES destaca: “Hoje, um dos desafios da Área é essa relação mais forte com a educação básica”

Legenda: Professora Ivanise Rizzati, atual coordenadora da Área de Ensino da CAPES dialoga com representantes discentes do PIEC-USP e membros da Equipe Editorial da BALBÚRDIA. Créditos: Thaís Alexandre e Francyene Portela.

Professora Ivanise Rizzatti, da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e atual coordenadora de área da Área de Ensino, conversa com a BALBÚRDIA sobre os desafios da área.

Professora Ivanise Rizzatti possui graduação em Bacharelado em Química e em Química Tecnológica (ambos no ano 2000), Licenciatura em Química (2002), Mestrado (2002) e Doutorado (2007) em Química. Toda sua formação foi realizada na Universidade Federal de Santa Catarina. Foi professora da Universidade Estadual de Roraima (UERR) de 2010 a 2020. É, atualmente, professora do Magistério Superior na Universidade Federal de Roraima (UFRR) desde 2022. Atua no Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática - Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC) e líder do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre a Divulgação Científica e seus Processos em Espaços Formais e Não-Formais de Ensino. Entre outras atividades, atualmente é Coordenadora da Área de Ensino da CAPES, gestão 2022-2026.

Bate-bola da BALBÚRDIA

Um livro: 

Nossa, gente, tem vários... “O que Einstein disse para o seu cozinheiro?" Eu usei muito aquele livro nas minhas aulas, mas tem outros!

Um educador ou professor:

Demétrio foi meu professor, Demétrio Delizoicov. Ele dava uma aula num formato totalmente diferente... Foi ele que me despertou. Foi a partir dele que eu conheci Paulo Freire. Como eu fiz a área de exatas, Skoog, Atkins e outros autores eram as minhas referências. Eu tive a disciplina de Didática com o Delizoicov, e aí ele trouxe muitos textos dos trabalhos que ele fazia com Paulo Freire. Foi onde eu comecei a ter um olhar diferenciado para o processo de ensino.

Um divulgador ou uma divulgadora científico:

Então, tem alguns, gente. Isso é muita sacanagem comigo, né? (risos) Natália Pasternak, apesar de eu ter algumas críticas ao livro “Que bobagem!”, mas acho que ela se destacou bem na divulgação. Durante a pandemia, ela foi muito importante.

Um sonho:

Que a educação pública neste país seja valorizada. Sonho, por isso que eu tô na área de Ensino. Se não, já teria desistido.

Uma memória como educadora:

Eu, em Roraima, tive a oportunidade de ministrar aula para um aluno indígena. Conheci a comunidade dele. Até hoje, nós fazemos trabalhos de forma coletiva. E ele desenvolveu o TCC dele a partir de uma bebida típica da etnia wapixana, que é o pajuaru. Nós pegamos o pajuaru, e em cada etapa da sua preparação, a gente foi inserindo o que a gente poderia abordar de conteúdos de Química. Escrevemos um trabalho para o Encontro Nacional de Ensino de Química (clique no link para acessar o trabalho na íntegra), que foi em Floripa, e foi a primeira vez que ele saiu do estado. E foi a primeira vez que um indígena estava apresentando um trabalho no Encontro Nacional de Ensino de Química em Floripa. Hoje é o menino que desenvolve feiras de ciências na comunidade dele, fez o concurso e é professor da comunidade. Então, é uma boa lembrança. Ele fez a licenciatura em química.

13 de novembro de 2023 | 10:00

Por Daiane de Barros, Eliani Moreira, Gabriel Braga, Luciene Silva e Ygor Santos

Em visita à Universidade de São Paulo no mês de outubro de 2023, a professora Ivanise Rizzatti conversou com docentes e discentes do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências (PIEC-USP). Nesta visita, a professora Ivanise concedeu uma entrevista exclusiva com parte da Equipe Editorial da Revista BALBÚRDIA. Ivanise compartilhou parte de sua trajetória profissional e seus trabalhos com Ensino e divulgação científica desenvolvidos na Universidade Federal de Roraima. Enquanto atual coordenadora da Área de Ensino (Área 46) da CAPES (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que reúne todos os Programas de Pós-graduação que produzem pesquisas em Ensino de diversas disciplinas, observa que o maior desafio da Área é a maior relação desses Programas com a educação básica e a valorização da formação de professores. Tratou também sobre questões relacionadas aos critérios de avaliação dos Programas de Pós-graduação, à disponibilização e manutenção de financiamento de bolsas, dentre outros assuntos. 

 

BALBÚRDIA: Novamente queremos agradecer pela oportunidade de nos conceder esse momento. Pensando na sua formação acadêmica que é mais próxima das Ciências Exatas, demos uma olhada no seu currículo lattes e vimos que você tem mestrado e doutorado em Química pela UFSC. Com isso, gostaríamos que você falasse um pouquinho como foi o seu envolvimento com a área da pesquisa em Ensino e a divulgação científica, pois nós vimos que você tem alguns artigos nesta área e na área da educação básica. 

Ivanise Rizzatti: Eu fiz toda minha graduação, mestrado e doutorado em Química na Universidade Federal de Santa Catarina, e logo após o doutorado, eu assumi o concurso que era na pesquisa de agropecuária em Santa Catarina. Era pesquisadora e responsável por um laboratório de pesquisa. Em 2010, surgiu a oportunidade de ir para Roraima. Minha mãe não queria de jeito nenhum, e era bem na época da demarcação da (Terra Indígena) Raposa Serra do Sol, então havia muitos conflitos entre os arrozeiros, indígenas e polícia federal. Mas aí eu fui para Roraima, fiz o concurso para a Universidade Federal naquele momento, fui aprovada e eu gostei de Roraima porque é um laboratório a céu aberto. Nós da região Norte, temos pouquíssimos doutores em diferentes áreas do conhecimento, e eu era a única doutora em Química Analítica com foco na Eletroquímica, que é a minha formação, do estado. Não tinha mais ninguém. Quando eu fiz o concurso, assumiram comigo mais doze docentes e dez destes eram doutores. É uma instituição nova criada em 2006, ela tinha no quadro apenas 15 doutores. Era um espaço para desvendar, um laboratório a céu aberto. Quando eu cheguei lá não existia, na verdade não existe até hoje, curso de Bacharelado, tanto a Universidade Estadual, quanto a Universidade Federal, ofertam apenas o curso de Licenciatura em Química. Foi a partir daí que comecei a me envolver com o Ensino. Não foi um processo fácil, porque as “minhas” variáveis eu controlava. Controlava temperatura, pressão, corrente elétrica… e de repente eu vou dar aula em um curso de licenciatura e eu assumo as disciplinas de Química Geral, Estágio e Prática Profissional. Como eu vou ensinar alguém a dar aula, se eu mesma não passei por esse processo? Apesar de eu ter feito licenciatura na UFSC durante o meu mestrado, o meu orientador falou “você vai fazer licenciatura” eu falei “não vou não” ele falou “vai, que de fome ninguém morre”. Aí foi eu e o filho dele que também é biólogo. Nós fizemos as disciplinas extras da licenciatura e eu defendi o mestrado e me graduei como licenciada em Química. Mas assim: eu fiz um estágio. Eu não discuti formação de professores, processo de avaliação… eu fiz, porque o orientador falou que eu tinha que fazer licenciatura e aí quando eu cheguei em Roraima eu me deparei com essas disciplinas. Já havia outros professores lá que já atuavam na licenciatura e a gente criou um grupo de pesquisa que era o “Núcleo de Pesquisa em Estudo de Ensino de Ciências e Matemática”. Nós nos reunimos toda semana, então a gente começou a ler artigos, livros, discutir alguns autores na área de Ensino e Ensino de Química. Foi onde eu comecei a atuar na área de Ensino. Eu digo que até hoje eu aprendo, e aí de repente eu viro Coordenadora de uma área de Ensino, trazendo a característica da área de Ensino. Porque a área tem essa característica, de pessoas em áreas específicas e que migram. Em relação à divulgação científica, em 2011, eu aprovei um projeto de pesquisa que era da feira de ciências, e eu gosto sempre de contar essa historinha, porque em Santa Catarina eu submeti um projeto para o CNPq e o projeto foi super elogiado, era recém doutora e aí o parecerista colocou “contudo, a proponente não tem experiência com orientação de projetos”. Quando eu fui para Roraima, escrevi naquele ano dois projetos, um para a CAPES que é voltado para a formação de professores e outro para o CNPq, e aí quando eu submeti o projeto via Roraima, ninguém olhou se eu tinha experiência ou não de gerenciar projetos, mas sim o potencial do projeto, que eu acho que é isso que nós deveríamos olhar hoje, para o potencial do projeto e não apenas se você tem ou não experiência de gerenciar projetos, porque às vezes você limita os jovens doutores. Nós começamos a atuar com a feira de ciências, na perspectiva da aprendizagem baseada por projetos e nós observamos lá, esse grupo, que os professores tinham dificuldades de pensar em projetos de pesquisa tendo os estudantes como foco na construção do conhecimento. Começamos a capacitar os professores e sem querer entramos na divulgação científica. A gente começou a olhar para a feira de ciências como um espaço de divulgação científica, como um espaço de construção do conhecimento e aí eu costumo de chamar de feira das ciências, porque quando a gente usa o termo “DE”, normalmente o pessoal pensa que é só Química, Física, Matemática e Biologia, fica bem restrito. Nós trabalhamos com todas as áreas do conhecimento desde a educação infantil, até a educação de jovens e adultos, é bem bacana. Também com o olhar da inserção da mulher na pesquisa. Orientei um TCC primeiro, depois uma dissertação com esse olhar da inserção da mulher na área de Ciências da Natureza e Matemática, em Roraima, e nós criamos um podcast que é o “Pod mulher na Ciência”. Quem faz parte do projeto são as alunas do ensino médio, da educação básica. Nós criamos um grupo de pesquisa com essas meninas, elas elaboraram as perguntas, escolheram as pesquisadoras e fizeram as entrevistas. Agora eu ampliei o projeto e a intenção é realizar o projeto nos sete estados da Amazônia. Está disponível no Spotify “Pod mulher na Ciência”

BALBÚRDIA: Ainda nesse viés, como você vê a relação entre divulgação científica e Ensino de Ciências?

Ivanise Rizzatti: Totalmente aderente! No Brasil, nós ainda demoramos muito, temos um pouco de dificuldade em trabalhar com divulgação científica. Na pandemia, isso se intensificou, pois tivemos que combater fake news, os movimentos anti-ciência, tivemos que explicar para as pessoas que a Terra não é plana, que se você tomar vacina não terá nenhum problema de saúde ou irá virar jacaré e assim por diante. Eu acho que na pandemia, alguns grupos se destacaram com um olhar para a divulgação científica. Mas, nós pesquisadores, não sabemos fazer divulgação científica. Com exceção da Física, pois eu sempre digo que os físicos já nascem com um pezinho na divulgação científica. (Mas) Químicos, biólogos, matemáticos…têm um pouquinho de dificuldade (risos). Eu vejo que esse é um viés muito importante, essa relação da divulgação científica e o ensino, em especial na nossa área, pois desenvolvemos muitas pesquisas com a educação básica. Se a gente conseguir canalizar, numa linguagem que os professores, estudantes, que a sociedade como um todo entenda o que a gente desenvolve de pesquisa, a importância da nossa pesquisa por meio da divulgação científica, eu acho que é uma forma, inclusive, de chamarmos a atenção da sociedade para a educação básica, para a formação de professores e valorizar aquilo que nós fazemos. Eu vejo que é um canal direto, mas ainda, no Brasil, a divulgação científica fica muito voltada para museus, para os espaços não-formais. Nós ainda não conseguimos canalizar as pesquisas que nós desenvolvemos dentro da área para a sociedade. Um exemplo disso, olhando para os Programas Profissionais, que desenvolvem produtos educacionais: nós não conseguimos dar publicidade desses produtos que são desenvolvidos na e para a educação básica. Eu acho que é algo importante e que nós precisamos olhar dentro da Área: olhar para a divulgação científica. Nós temos alguns Programas de Pós-graduação que têm linhas de pesquisa voltadas para a divulgação científica, mas nós não temos, por exemplo, um Programa que pense e discuta somente a divulgação científica. E eu acho que é algo urgente! 

BALBÚRDIA: Quais são as principais estratégias para promover a divulgação científica? 

Ivanise Rizzatti: Bom, acho que nós temos algumas estratégias. Irei falar pelo que desenvolvo lá em Roraima. Primeiro, temos que conversar a linguagem do público mais jovem, usar as redes sociais, podcast, vídeos… As meninas que estavam à frente do projeto fizeram muito tik-tok, e eu não nasci para fazer tik-tok (risos). Vocês já nasceram com esse viés. É importante falar esta linguagem para se aproximar desse público. Mas, além disso, tem outro público, o adulto. Um público mais velho que nós precisamos de alguma forma chegar até ele. E aí, nós temos diferentes estratégias. Por exemplo, a minha mãe tem muito acesso por meio das novas tecnologias, mas ela gosta de ir em feiras, em diferentes espaços. Nós precisamos também pensar em estratégias que saiam do mundo das redes sociais, dos podcasts e que nós consigamos alcançar esses diferentes espaços, levando a divulgação científica. Porque dentro do mundo acadêmico, a divulgação científica volta-se sempre para artigos científicos. E, isso não é divulgação científica. Isso é publicizar os resultados de uma pesquisa. A divulgação científica vai além disso. 

BALBÚRDIA: Você poderia contar sobre alguma experiência marcante que teve na promoção da divulgação científica?

Ivanise Rizzatti: O podcast! O Pod mulher na Ciência! Por que ele foi marcante? Primeiro, veio uma aluna do mestrado que queria trabalhar com a rádio escola, para divulgar as pesquisadoras em Química. Eu falei para ela “não, não iremos trabalhar com rádio escola, pois ficará restrito à escola. Vamos trabalhar com podcast, pois assim, atingiremos um público maior. E olharemos para as pesquisadoras do estado, nas áreas de Química, Física, Matemática e Biologia”. Nós sabemos que, principalmente a área de Ciências da Natureza é uma área machista, mais masculina. Basta olharmos aqui nesta parede [aponta para as fotografias de diretores do IFUSP] e veremos que não tem nenhum quadro de uma mulher, são todos homens. Isso é algo que ainda não conseguimos superar em nosso meio. E então, eu dei essa sugestão e, ela no começo ficou “meio assim” e eu falei “vamos tentar, se não der certo, voltamos para a rádio escola”. Eu lancei para ela a ideia de criarmos um grupo de pesquisa com as meninas da escola, pois a intenção é que ela não fosse a pesquisadora e sim o contrário, que ela fosse participante e que nós despertássemos nas meninas esse olhar para a divulgação científica. Esse olhar para a inserção da mulher na Ciência, até porque nos livros didáticos de Química, de Física, a história da mulher é apagada, ela não aparece. Nós começamos com esse grupo de pesquisa, nos reunindo com as meninas. Elas começaram a ler artigos, a discuti-los. Ensinamos o que era o currículo lattes e elas o criaram. Depois elas foram pesquisando essas mulheres. Foi muito interessante ver que muitas delas não tinham uma perspectiva de fazer um curso superior. Para elas, era terminar o ensino médio, arranjar algum emprego e a vida continua. A partir do momento em que foram se envolvendo com o projeto, se interessaram pelo curso superior, tanto que uma está no curso de Comunicação, outra está no curso de Música. Uma foi para o curso de Ciências Biológicas e outra que estamos tentando trazer para o curso de Química. Elas foram tendo um outro olhar para Ciências ou para as Ciências. E interessante foi a relação entre elas entrevistando as pesquisadoras, porque aquelas mulheres pesquisadoras do estado de Roraima nunca tiveram visibilidade, elas não eram vistas. A partir do podcast, em que fizemos uma divulgação bem grande, inclusive na página do Instagram, algumas delas começaram a ser convidadas para palestras, a fim de discutir algumas temáticas em que eram especialistas. Antes elas não tinham essa visibilidade. O projeto foi simples quando você olha, mas foi muito interessante essa relação entre meninas e mulheres. Meninas da educação básica, que não tinham essa perspectiva de olhar uma carreira, pensar no ensino superior, com mulheres pesquisadoras que já estavam há pelo menos dez anos em Roraima e que nunca tiveram visibilidade, nem pelos próprios colegas dos departamentos onde elas estavam inseridas. Foi um projeto que marcou muito. Essa relação e o potencial do projeto em termos de visibilidade da mulher na Ciências, no caso de um estado que é extremamente machista.

BALBÚRDIA: Quantas alunas participaram do projeto?

Ivanise Rizzatti: Nós começamos com dezesseis meninas e terminamos com dez. Uma engravidou, duas acabaram desistindo. Mas nós terminamos com dez meninas e dez mulheres entrevistadas. Não conseguimos nenhuma doutora em Física, porque ela não quis ceder a imagem, então, nós optamos por não entrevistá-la. Mas só tinha uma doutora em Física.

BALBÚRDIA: Ouvindo um pouco das questões que comentou, é muito interessante, muito bonito ver essa relação que você vem construindo há um certo tempo com a divulgação científica e com a Área de Ensino de Ciências. De 2018 a 2022, você foi Coordenadora dos Programas Profissionais da Área de Ensino da CAPES, e desde o ano passado é atualmente Coordenadora da Área de Ensino com uma vigência até 2026. Pensando nessas experiências, que ações e funções você vem desenvolvendo como Coordenadora? Até mesmo para nós e para nossos leitores termos uma noção maior sobre a própria dimensão interna da Coordenadoria da CAPES.

Ivanise Rizzatti: As Coordenações de Área são organizadas por um Coordenador Geral e dois Coordenadores Adjuntos, um para modalidade acadêmica e outro para modalidade profissional. No Quadriênio anterior (2018-2022), eu estava como adjunta dos Programas Profissionais. E o que faz uma Coordenação de Área? Temos Diretrizes Gerais da CAPES sobre como deve ocorrer o processo avaliativo tanto de entrada de Programas, como de sua permanência. Os Coordenadores Gerais dão as regras gerais, por assim dizer, e as Coordenações de Área vão adaptando estas orientações para a especificidade de cada Área, respeitando também as modalidades dos cursos (acadêmicos ou profissionais). Discutimos questões como: Quais critérios utilizaremos, por exemplo, para avaliar a entrada de Programas de Pós-graduação? Como pensaremos a inserção da mulher dentro dos Programas da área de Ensino? Quais estratégias discutiremos com os Programas para vencer as assimetrias? Porque ainda temos muitas assimetrias dentro da área de Ensino. Nós temos 181 Programas, mas os estados Amapá e Piauí não têm nenhum Programa isolado da área de Ensino. Quando olhamos o Sudeste, Minas Gerais aprovou agora o primeiro Doutorado Profissional em Educação Matemática. Não havia nenhum doutorado em Minas Gerais. E o estado do Espírito Santo tem somente Doutorado Profissional, nenhum acadêmico. Quando falamos em Programas, eles sempre se concentram na região Sudeste, mas dentro da própria região temos essas assimetrias. A Coordenação de Área vai discutir essas estratégias, essas políticas. Aproximar-se dos Programas para tentar verificar quais são as suas demandas e de que forma a Área pode contribuir com o seu fortalecimento, e também discutir junto à CAPES políticas para que a Área possa ser olhada e ouvida. Da Coordenação de Área a gente tem feito isso. O que eu, enquanto coordenadora de Área, junto à professora Márcia (Coordenadora Adjunta dos Programas Acadêmicos) e a professora Gisele (Coordenadora Adjunta dos Programas Profissionais) temos tentado fazer é nos aproximar cada vez mais dos Programas para que as decisões não fiquem somente com um trio (Coordenadora de Área e as duas Coordenadoras Adjuntas), mas que a decisão seja da Área. Nós criamos, desde o quadriênio anterior, fóruns regionais que têm a intenção de juntar os Programas dentro daquela região para que possam discutir algumas questões. Nós realizamos uma reunião em junho para criar grupos de trabalho, organizados por docentes e coordenadores, para que discutam algumas questões que são importantes para a Área pensando na continuidade da avaliação. O que a Área de Ensino entende como inovação? Como vai avaliar o impacto dos Programas? Estamos migrando para uma avaliação mais qualitativa e a Área precisa dizer que indicadores nós vamos utilizar para avaliar o impacto do Programa. Como vamos pensar o acompanhamento de egressos? Hoje, avaliamos o impacto de um Programa também pelo destino e atuação de seus egressos. No caso dos discentes, a gente olha essa vinda de vocês dentro do Programa, seja em termos da produção, seja em termos da qualidade das dissertações e teses. Essas questões são discutidas junto com os Programas. Quem faz a interlocução entre a Diretoria de Avaliação da CAPES e os Programas de Pós-graduação são as Coordenações de Área. Dentro deste quadriênio, essas decisões serão [tomadas] de forma coletiva e colaborativa com os Programas de Pós-graduação. Inclusive, fica um convite, nós não temos nenhuma associação da pós-graduação dos estudantes da área de Ensino. Quem sabe, seja a hora dos discentes e egressos da Área também se conhecerem e permitir essa mobilidade regional. A gente fala muito sobre mobilidade internacional. Mas o que se discute, por exemplo, no Ensino de Física em uma comunidade ribeirinha lá do Amazonas? Ou numa comunidade quilombola do Tocantins? Talvez seja preciso a gente se aproximar mais em termos de discentes e de egressos. A Coordenação de Área tem esse olhar: de pensar essas diretrizes, e adaptá-las a partir das orientações da CAPES para o foco da Área com os coordenadores de Programas, bem como pensar no crescimento da Área e nas estratégias para seu fortalecimento. Não basta a gente pensar apenas em crescer em termos de número de Programas, mas não pensar na sua qualidade e na sua manutenção.

BALBÚRDIA: E pensando um pouco nessa complexidade dessas diferentes demandas de diferentes naturezas desenvolvidas como um trabalho bastante coletivo cotidianamente entre você e suas colegas: que desafios há na própria Área de Ensino, pensando nessas experiências formativas e profissionais?

Ivanise Rizzatti: O primeiro deles: precisamos pensar urgentemente como voltar a valorizar a Educação pública, em especial, a educação básica, e a formação de professores. Tanto a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o Novo Ensino Médio, a BNC-Formação (Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica), elas impactam diretamente na área de Ensino. Porque trabalhamos com o Ensino de Física, de Química, de Ciências, de Matemática… Isso impacta diretamente no que fazemos. E precisamos lembrar da pirâmide educacional. Qual é a sua base? A educação básica, que sustenta a graduação, que sustenta a pós-graduação. Então, não podemos pensar somente em uma pós-graduação de excelência, se não conseguirmos pensar em estratégias para atrair esses estudantes da educação básica para a graduação e depois para a pós-graduação. A gente precisa pensar em estratégias para deixar a educação básica atraente para esses estudantes que estão muito desmotivados por “n” fatores e também estimular esses professores a buscarem a sua qualificação. Pois muitas vezes, eles não têm retorno financeiro se fazem um mestrado, um doutorado. Hoje, um dos desafios da Área é essa relação mais forte com a educação básica, e de que forma a gente pode valorizar essa formação de professores e as pesquisas desenvolvidas com a educação básica. Outro desafio da Área é a questão de como vencer as assimetrias tanto entre as regiões, quanto dentro das regiões do país. Precisamos discutir essa avaliação mais qualitativa, que no último quadriênio (2017-2020), a gente observou que os Programas tiveram dificuldades de pensar essa avaliação qualitativa, porque estava todo mundo acostumado com a avaliação quantitativa, a produtividade do docente. Hoje, a gente não olha mais só para o professor do Programa. Também para os discentes, os egressos e para as ações para além do Programa. Esse é um desafio ainda para a Área. E a questão de buscar financiamento. Os Programas Profissionais, por exemplo, não têm financiamento. Nós tentamos dialogar muito com as Fundações de Apoio à Pesquisa (FAP), com o próprio Ministério de Ciência e Tecnologia, em pensarmos de forma coletiva estratégias e ações voltadas para o fortalecimento da Área de Ensino com a formação de professores. Hoje, 80% dos nossos Programas têm esse foco na educação básica. Por outro lado, pensarmos também na formação dos professores dentro do ensino superior, pois nós temos, em muitas regiões, docentes que atuam no ensino superior que ainda não têm o doutorado, por exemplo. Os nossos desafios são muitos, mas eu acho que hoje essa relação com a educação básica se fortalece, bem como a discussão sobre a avaliação qualitativa.

BALBÚRDIA: Para finalizar, gostaríamos de perguntar em relação à aprovação da nova Área de Avaliação da CAPES, a Área 50: “Ciências e Humanidades para Educação Básica”, que está muito relacionada aos Programas Profissionais para professores da educação básica. Qual é o seu olhar a respeito dessa aprovação e expectativas futuras que imagina para a própria pesquisa acadêmica e profissional para o Ensino de Ciências?

Ivanise Rizzatti: A Área 50 foi criada para juntar os Programas em Rede Nacional, os PROEBs voltados para a formação de professores: ProFis, PROFQUI, PROFMAT, PROFBIO, ProfArtes, ProfLetras, PROF-FILO, Sociologia e assim por diante. Lá dentro do CTC (Conselho Técnico-Científico), a gente até chegou a dizer: "Ah, não pode ser uma subárea dentro do Ensino, da Área 46 (Ensino), já que nós temos programas que também têm esse olhar e já têm 23 anos de caminhada como Programas Profissionais…" Mas foi uma política da CAPES, a criação da Área 50. Todo Programa voltado para a formação de professores é importante, só que não pode ter uma competição. Eu acho que é isso que a gente precisa ter muito cuidado, porque o que nós queremos é uma formação de professores pesquisadores em nível de mestrado, e que essa formação seja de excelência, que ela não fique restrita apenas à questão do conteúdo, mas sim também a essa relação entre os processos de ensino e de aprendizagem. Nós não queremos apenas um professor que saiba muita Matemática, muita Física, muita Química. Se ele não consegue transitar nesse processo da construção do conhecimento com seus estudantes, pensar nessa transposição didática daquele conteúdo específico para aquele conteúdo escolar… porque ele vai atuar na educação básica, esse é um cuidado, é uma preocupação da Área de Ensino. A gente tem muito esse diálogo, essa pesquisa translacional entre essa relação da escola ou dos espaços não-formais com os Programas de Pós-graduação. Eu não conheço com muita profundidade todos os PROEBs. Conheço mais o Profis, o PROFQUI. Mas eu acho que se as duas áreas (46 e 50) poderem trabalhar de forma colaborativa, vai ser muito importante. Todos vão ganhar, inclusive quem sabe a gente consegue um recurso financeiro para os nossos Programas Profissionais. Pensar a formação de professores com qualidade é importante e não ter o olhar apenas para o conteúdo, porque hoje nós temos que trazer, pensar em estratégias e ferramentas que levem outros elementos para a educação básica, não apenas o conteúdo. É importante que, no caso, tanto o professor, quanto o estudante compreendam porque eu estou ensinando equilíbrio químico. Qual vai ser a importância de entender a relação entre velocidade de reação e eventos climáticos? Onde está a relação disso? A ideia é que a gente forme um cidadão mais crítico, mais reflexivo, e que ele consiga se posicionar perante tomadas de decisões dentro do contexto onde ele está inserido. É mais ou menos nessa direção. Não sabemos muito ainda sobre a Área 50. Foi uma área criada para juntar os PROEBs, e eu acho que se a Área de Ensino e a Área 50 poderem dialogar, eu acho que as duas áreas crescem muito, em especial com esse olhar para a formação de professores da educação básica.

Legenda: A professora Ivanise Rizzati está com os editores da BALBÚRDIA, da esquerda para a direita: Daiane, Eliani e Gabriel. Créditos: Thaís Alexandre e Francyene Portela.