
Legenda: Maquete Interativa e inclusiva apresentada a licenciandos dos curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da USP, no contexto do projeto "Temáticas socioambientais complexas, emergentes e emergenciais: caminhos de uma abordagem multidimensional integradora". Fonte: Leonardo Cappucci (IGC/USP)

Sou neta de imigrantes japoneses e fiz toda minha trajetória na rede pública de ensino. Sou ecóloga e foi na graduação que me descobri educadora ambiental. Percorri diversas temáticas, desde espécies ameaçadas, bacias hidrográficas, unidades de conservação, sendo que a última delas é a de riscos e desastres. Esta temática emergente e desafiadora foi foco da minha pesquisa de doutorado em Ensino de Ciências pelo PIEC. Aprendi com minha mãe e meu pai, que não tiveram a oportunidade de concluir o Ensino Fundamental, mas que me ensinaram com toda sua sabedoria, que a educação pode nos levar longe... Sou a primeira doutora da família e minha pesquisa foi a vencedora no Prêmio Capes de Tese - categoria Ensino de 2023.
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05 de maio de 2025 | 10:00
Feche os olhos e imagine esta cena, em uma cidade nas proximidades de um importante rio da região, os moradores de um bairro residencial começam a se preocupar. Chove bastante e a cada dia que passa, eles percebem que os bueiros das esquinas não conseguem mais dar vazão a tanta água. Cada um se protege como pode, principalmente com muros improvisados de tijolo na entrada das casas. Para piorar a situação, circulam notícias de que as represas da região estão no seu limite e com alto risco de transbordamento. Os moradores se sentem como se estivessem no olho de um furação, com as ameaças chegando por todos os lados.
Após semanas de incertezas e muita insegurança, a chuva volta a cair de noite e a água começa a atingir as casas. Mas os muros improvisados não serviram para proteger como se esperava, não foi pelas portas que ela entrou. O solo já estava tão encharcado que a água começou a brotar pelo chão dos cômodos, como se fosse as nascentes dos rios, sem cor e sem cheiro. Ninguém se feriu fisicamente, só muita correria para não perder os bens materiais. Mas o que fazer? Como nos proteger? Será que os Bombeiros virão nos socorrer? Saímos ou ficamos em casa? Mas para onde vamos?
Este poderia ser apenas mais um roteiro de filme de ficção, mas infelizmente tem sido a realidade de parte da população brasileira... como foi a da minha família durante minha infância.
Inundações como as que ocorreram no Rio Grande do Sul, deslizamentos de terra, secas, ondas de calor e incêndios florestais estão ocorrendo com maior frequência e intensidade. Esses eventos considerados desastres, não são naturais e sim socioambientais. São construções sociais, formados a partir da combinação complexa de elementos naturais, como a chuva, e um sistema de fatores geradores de riscos, como as desigualdades sociais, falta de políticas públicas habitacionais, econômicas e educacionais. Esse entendimento é essencial para a criação e fortalecimento de uma cultura de prevenção e redução de riscos no Brasil.
Mas… será que as escolas discutem esses tipos de desastres? De que forma eles são abordados? Quais os desafios ao tratar desta temática emergente? Estas foram as perguntas que guiaram minha pesquisa de doutorado que analisou as atividades escolares sobre Educação em Redução de Risco de Desastres (ERRD), inscritas nas quatro primeiras edições (2016 - 2019) da Campanha #AprenderParaPrevenir, iniciativa nacional do Programa Cemaden Educação.
Dos resultados da pesquisa, apresento três aspectos para nossa reflexão:
- reconhecimento e valorização das escolas de todos os níveis e redes de ensino de 20 estados e o Distrito Federal, como agentes essenciais na construção de conhecimentos e estratégias de proteção e redução dos riscos de desastres socioambientais. Apesar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não tratar dos desastres socioambientais, centenas de escolas trazem esse protagonismo e pioneirismo nos espaços de ensino.
- por meio da articulação de professores mobilizadores foram desenvolvidas quase 90 tipologias de modalidades educativas sobre os desastres socioambientais, das mais tradicionais às mais investigativas como palestras, oficinas, saídas de campo, jogos, mapeamento das áreas de risco, monitoramento da chuva, criação de sistemas de alerta e principalmente a construção de pluviômetros artesanais.
- 97% das práticas foram desenvolvidas por escolas públicas, o que ressalta a criatividade e potência dessas comunidades escolares e a necessidade de integração de todo esse aprendizado acumulado na tomada de decisões nos planos de gestão dos riscos de desastres em nosso país.
Este foi o primeiro panorama nacional de como as escolas brasileiras abordam os desastres no ensino, uma temática tão desafiadora e presente na realidade de milhares de estudantes. Todo o conjunto de resultados está disponível gratuitamente no livro digital Muito além da chuva: práticas educativas na era dos desastres, e serve como subsídio para a criação e o fortalecimento de políticas públicas integradas, pesquisas, programas e projetos de ERRD.
Existe ainda um longo caminho de articulação para garantir a formalização da ERRD na Educação Básica, mas os primeiros passos da inserção nos processos de formação inicial de professores foram dados. No final de 2024, por meio do meu projeto de pesquisa de pós-doutorado “Temáticas socioambientais complexas, emergentes e emergenciais: caminhos de uma abordagem multidimensional integradora” no Instituto de Estudos Avançados da USP, a temática dos desastres socioambientais foi integrada em uma disciplina eletiva interdisciplinar, oferecida a todas as licenciaturas de Ciências da Natureza da Universidade de São Paulo (USP).
A partir de uma maquete interativa e inclusiva, co-criada em parceria pelo Laboratório de Recursos Didáticos do Instituto de Geociências da USP, futuros professores tiveram a oportunidade de: (i) problematizar a temática de riscos e desastres socioambientais em uma bacia hidrográfica; (ii) vivenciar uma estratégia de ensino ativa e inclusiva; (iii) estabelecer conexões entre os conhecimentos de suas áreas de formação com aspectos sociais, econômicos e políticos e; (iv) refletir sobre os sistemas que perpetuam as desigualdades sociais, a carência de políticas públicas e os possíveis caminhos de transformação desses cenários de riscos.

Legenda: Imagem complementar relativa á interação dos alunos com a maquete. Fonte: Leonardo Cappucci (IGC/USP)
Espero que possamos aproveitar os mais diversos espaços de diálogo, de formação, de pesquisa e de ensino para “levantar a lebre” dessa problemática dos desastres socioambientais e desenvolver ações que fortaleçam as capacidades da sociedade de proteção e prevenção para esses eventos que se intensificam com a emergência climática.