Business Ethics & Corporate Crime Research Universidade de São Paulo
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Daniela Arantes Prata

Undergraduate Student at the Ribeirão Preto Law School, University of São Paulo. Iniciação Científica – Programa Unificado de Bolsas USP (2016-2017). Attended in an academic exchange program at University of Barcelona – Spain (2017). For full CV (click here)

ABSTRACT

On the November 5th 2015, the rupture of the Fundão tailing dam, under the responsibility of the mining corporation Samarco, in Mariana/MG, Brazil, led to one of the biggest environmental tragedies in Brazilian recent history. The continuous and immediate flowing of iron waste caused mass destruction through the whole Doce River basin, until it reached the ocean, in Linhares/ES. The case involves intense and extensive conflict judicialization, with a diversity of actors, victimization in various levels, and damages of different characteristics and depths, to the most diverse communities. The complexity of the events hinders the comprehension and measurement of impacts (most of them of difficult, if not impossible, remediation) and, consequently, inhibits the proposition of satisfactory reparation to the victims.The proportions and representativeness of the case in national and international levels generates social expectations concerning the judicial answer to the disaster and the application of punishment to the corporations to be held responsible for the tailing dam rupture, awaiting the imposition of sanctions that accomplish not only its retributive/symbolic purposes but also its preventive goal.Through the judicial and empirical research, this book aimed to analyze the case from a criminological perspective, considering the complexity and interdisciplinarity inherent to the disaster. It intended to observe the judicial responses to the events, in any of its spheres (administrative, criminal, civil and extrajudicial), questioning its potentials of victim reparation and prevention of future corporate and environmental criminality, in light of the limitations of the Brazilian legal system and the fragile national corporate regulation.

Preface:

CRIMINALIDADE CORPORATIVA E VITIMIZAÇÃO AMBIENTAL, PREFÁCIO À DANIELA ARANTES PRATA

É difícil acreditar que “Criminalidade corporativa e vitimização ambiental: análise do Caso Samarco” seja obra de apenas um autor, mas é. Em esforço incomum de pesquisa científica, Daniela Arantes Prata organizou a fundamentação empírica e extraiu consequências teóricas como se fosse ela própria um corpo inteiro de pes- quisadores. Não importa se o fôlego da pesquisa se justifica por que o rompimento da barragem do Fundão marcou a geração dela, ou se é exaustão pela indignidade do sistema de justiça brasileiro diante de tragédias humanas, ou ainda se é porque os cientistas estão mesmo mais sensíveis à vitimização ambiental. A verdade é que as teses, ao menos em direito, andam tão sofrivelmente monótonas que foi para mim inspirador acompanhar como Daniela Prata conseguiu elevar sua indignação moral ao status de conhecimento científico.
O livro divide-se em três partes, estruturadas em cinco capítulos. A primeira parte consiste no estudo empírico do Caso Samarco. A opção metodológica filia o trabalho à tradição de extrair consequências teóricas a partir das experiências concretas. Prata foi cuidadosa na exposição do método, incluindo com humildade suas escolhas técnicas e limitações. O relato do caso e a análise dos dados são muito didáticos e expõem com objetividade e clareza o papel de cada um dos atores na construção social do conflito, especialmente em relação ao sistema de justiça brasileiro, o que não duvido servirá de material de referência básica a todos os envolvidos no caso.
Prata organizou o repertório para a observação cuidadosa das respostas do sistema de justiça brasileiro à tragédia de Mariana. A partir de pesquisa empírica documental no âmbito civil, administrativo e penal, foi capaz de questionar o poten- cial de reparação às vítimas, restauração e redução da criminalidade corporativa. Apesar de que a maior parte dos dados neste campo é instável e comprometida (biased data sources), Prata conseguiu produzir um referencial coerente. Pesquisas futuras podem se valer dos resultados de Prata para seguir com as explicações cau- sais sobre estruturas e oportunidades para as infrações econômicas e predições de comportamento, seguindo a consistente lógica da pesquisa científica em criminologia econômica: understand-explain-predict. Já em relação aos processos de vitimiza- ção, mais acurada etnografia – não há como escapar à pesquisa antropológica! – poderia viabilizar construções de cenário mais realistas.
No segundo capítulo, por meio da coleta, sistematização e sintetização de dados, foi elaborada a descrição do caso e de seus desdobramentos, com introdução acerca das empresas responsáveis, do Complexo de Germano e do histórico do rom- pimento da Barragem de Fundão. Nele são apresentados os principais danos obser- vados em decorrência do desastre, desde os ambientais, econômicos e sociais, aos danos às comunidades tradicionais, estudados separadamente pela compreensão de sua profunda vitimização frente às suas dimensões históricas, culturais, sociais e tradicionais de uso social de seus territórios. Falta ainda ser explorado como as dimensões sociais e morais do dano podem ser conduzidas ao plano da atribuição de responsabilidade e da restauração da tragédia.
No terceiro capítulo, a judicialização (e extrajudicialização) do conflito foi observada a partir de análise aprofundada da resposta jurídica ao desastre em quatro esferas: administrativa, criminal, civil e extrajudicial. Prata catalogou as diversas multas e processos administrativos abertos, a ação criminal contra as empresas responsáveis e seus dirigentes, as principais ações civis públicas ajuizadas, a atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública e os principais acordos estabelecidos para a reparação do desastre. A análise incluiu mapeamento de processos e a obser- vação das principais medidas reparatórias implementadas, anotando-se as principais críticas endereçadas ao processo de reparação e as diversas demandas por informação, participação e cuidado.
O quarto capítulo inaugura a segunda parte da pesquisa e traz os aportes teóricos e os estudos sobre criminalidade corporativa e vitimização ambiental, analisando a complexidade do comportamento corporativo e as dificuldades de responsabilização empresarial e de reparação a vítimas de danos ambientais. Ao longo do discurso sobre os instrumentos jurídicos domésticos para fazer frente à tragédia, é difícil não reconhecer a fragilidade, insuficiência de meios e, consequentemente, a ainda maior vulneração da vítima.
A terceira parte integra mais efetivamente o estudo teórico ao trabalho em- pírico, observando a quantidade de temas já analisados pela literatura em criminali- dade corporativa e em vitimização ambiental que são passíveis de aproximação e análise aprofundada no caso. Surpreende positivamente no livro de Prata a sensibilidade em explorar as convergências no campo do pensamento criminológico e vitimológico. Há uma série de avanços na vitimologia ambiental – diversidade de danos, de diferentes intensidades, causados a uma heterogeneidade de vítimas – que muito bem poderiam conferir maior legitimidade ao sistema de justiça brasileiro, dando maior precisão científica aos processos de vitimização, identificação da vítima e formulação de estratégia restaurativa. No entanto, a negligência da vítima no processo, já observada pela vitimologia tradicional e compreendida pela vitimologia ambiental e a corporativa, reflete-se nos entraves para melhoria do regime de informação, participação e inclusão efetiva. É alentador que Prata tenha criticado as modelações abstratas, nem sempre efetivas frente à realidade concreta e complexa da vitimização, dando maior concretude ao contexto de dependência comunitária das vítimas.
O pior de tudo, no entanto, é o nível de intensidade da vitimização corpora- tiva dentre as mineradoras. Gregg Lenning e Martin Mueller, em Africa Undermined, já prenunciavam que as mineradoras são particularmente importantes porque, comparadas com outras multinacionais, “geralmente operam em escala muito maior e ainda requerem menos mão-de-obra e fornecimento local”. Como se estivéssemos falando da América Latina, “(…) na África as mineradoras produzem quase exclusivamente para exportação, utilizando métodos sofisticados de mineração. Em regra, isso leva ao isolamento das minas com poucos empregados e poucos vínculos com a economia local”, tirando enorme proveito da falta de governança dos recursos natu- rais locais. A violência corporativa neste caso é muito mais sutil, é preciso compre- ender com precisão como a exploração dos minérios, compartilhando de forma no mínimo ambígua os recursos com a comunidade vulnerável local, encerra a explora- ção deixando ao final apenas um buraco: “o problema consiste em saber se esta forma de produção pode contribuir para o desenvolvimento econômico africano. Quando as corporações houverem exaurido os depósitos de minério, o continente terá algo mais a mostrar do que enormes buracos no chão?”(1). Ou um cenário devas- tado pelos rejeitos?
Se não for o caso de continuarmos crônica e sistematicamente undermined, é mais do que recomendável articular as estratégias de atribuição de responsabili- dade penal empresarial às mineradoras, como parte essencial de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento de iniciativas desformalizadas, especialmente compliance. O controle social das mineradoras está longe de ser uma tarefa confortável. Vai para muito além de identificar as relações de causalidade e desenvolver mecanismos cosméticos de compliance a infrações no âmbito corporativo, assim como se tem igualmente “explorado” no mercado das consultorias.
A experiência histórica também está aí. Basta ver o impacto deletério da aplicação extraterritorial do Dodd-Frank Act, exigindo custos de compliance sem articulação com os meios institucionais, políticas regulatórias e capacidade de enfor- cement. A lei mais tem causado danos do que modificação substancial do comportamento ético nas mineradoras2. Há uma série de outros fatores complementares, como a exploração de ambientes regulatórios frágeis ou a manipulação da política fiscal, enfrentando problemas de sonegação, evasão e planejamento tributário agressivo ou taxas abusivas, sem falar na dinâmica de royalties baseada na receita ou vantagens fiscais abusivas nas exportações. Pior do que isso, não se trata apenas de assegurar que os governos recebam uma parcela justa dos ganhos das mineradoras, o problema é o que os governos locais se tornaram altamente dependentes da arrecadação das mineradoras para a formulação de suas políticas públicas.
Prata leva adiante esta relação de dependência comunitária, dialogando com literatura criminológica crítica. Apesar do potencial da crítica às técnicas de neutralização utilizadas pelas corporações, no Caso Samarco, a solução do problema não passa simplesmente por “neutralizar a neutralização”, mas pela compreensão dos contextos de dependência comunitária. Não é fácil simplesmente prescindir da empresa, especialmente na falta de arrecadação, já que lhe seria subtraída do Estado a capacidade de formulação de políticas públicas ou promoção de práticas restaura- tivas. A elaboração de uma interação construtiva entre a ideia de justiça centrada na comunidade (community-based justice) e os regimes corporativos (corporate regimes), embora teoricamente fascinante, é pouco realista. Ainda nem começamos este debate.
Há constante ameaça de que a criminologia econômica – e com ela a “vitimologia corporativa” – seja capturada pelas próprias corporações, frequentemente reduzida a estratégias de marketing empresarial ou “lavagem de reputações” (Laufer). Espero que Prata siga desenvolvendo as noções de justiça corporativa econômi- ca a partir de sua vocação para a reflexão crítica da justiça ambiental, as práticas restaurativas e as manifestações do controle social das corporações. Enhorabuena, Daniela Arantes Prata, pelo livro publicado, e por resgatar a ideia de que a pesquisa científica deve realizar a gestão democrática dos problemas sociais!

Eduardo Saad-Diniz
Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto e do Programa de Integração da América Latina da USP (FDRP/PROLAM/USP)

(1) LANNING, Greg; MUELLER, Marti. Africa Undermined: mining companies and the underdevelopment of Africa. Middlesex: Penguin, 1979, p. 23-24
(2) “How Dodd-Frank is failing Congo”. Foreign Policy, 2.2.2015.