Quimiofobia: um perigo invisível

Legenda: Entre o medo e o conhecimento: a quimiofobia se alimenta da desinformação, mas pode ser combatida com ciência e educação. Fonte: Pixabay/ @seripe/ @sketchifyedu / @irasutoya/ @pixabay. Fotomontagem: Canva.com

O medo irracional da química pode ter consequências sérias para a sociedade. Entenda os impactos da quimiofobia e como combatê-la com informação.

Márcio Gildeon Soares da Silva

Olá, me chamo Márcio Gil, sou graduando em Ciências e Tecnologia/UFRN e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática/UFRN. Tenho interesse por linhas temáticas como: Ensino de Química, Experimentação no Ensino de Ciências e Química, Popularização da Ciências, Divulgação Científica, Divulgação Química, Filosofia da Química, Natureza da Química e Neurociências Aplicada à Educação. No âmbito pessoal, minha vida se resume a casa, jogos, livros, filmes e séries. Com uma curiosidade aguçada, busco explicações para alguns padrões tradicionalmente aceitos.

@omarciogil

A química, frequentemente vista com desconfiança, enfrenta desafios na sua imagem pública devido à chamada quimiofobia, o medo irracional da química e seus derivados. No artigo "Quimiofobia versus identidade dos químicos: heróis da química como estratégia de comunicação eficaz", publicado na revista Monatshefte für Chemie, os pesquisadores Radek Chalupa e Karel Nesměrák propõem uma abordagem inovadora para lidar com esse problema: apresentar químicos como heróis. Essa estratégia, segundo os autores, pode fortalecer a identidade profissional dos cientistas e aproximar o público da química por meio de histórias inspiradoras e acessíveis. O estudo, publicado em 2020, investiga como a comunicação científica pode reverter a percepção negativa da Química. Os autores argumentam que há um distanciamento entre a população e os cientistas, muitas vezes retratados de forma fria e impessoal. Para combater isso, sugerem que a divulgação científica deve enfatizar a história de grandes químicos, mostrando suas descobertas e o impacto positivo delas na sociedade.

O estopim: o pavio que conduz o fogo até a bomba 

Você já ouviu falar no termo “Quimiofobia”? Prestes a explodir, a quimiofobia é um fenômeno crescente que pode ser entendido como um medo irracional ou aversão à química e aos seus derivados. Isso pode surgir da crença de que tudo relacionado à química é intrinsecamente perigoso, levando as pessoas a evitarem produtos que contêm quaisquer ingredientes químicos, mesmo que esses produtos sejam seguros e tenham sido utilizados no cotidiano por um longo tempo. A quimiofobia é influenciada por uma combinação de desinformação, preconceitos, fatores culturais, experiências pessoais e pressões sociais, que juntas contribuem para uma aversão generalizada à química e à sua utilidade na sociedade. Como, por exemplo: 1. Desinformação e Ignorância: a carência de conhecimento básico sobre química entre a população é um dos principais fatores que alimentam a quimiofobia. Estudos revelam que muitas pessoas têm dificuldade em responder a perguntas simples sobre química, evidenciando uma compreensão precária deste ramo da ciência e de suas implicações no dia a dia; 2. Preconceitos e Mitos: o texto destaca preconceitos arraigados na sociedade em relação às substâncias químicas. Muitas pessoas erroneamente acreditam que todos os produtos químicos são perigosos, sem levar em conta a importância do contexto, como a quantidade e a natureza da substância; 3. Cultura Popular e Representações Negativas: A cultura pop frequentemente apresenta a química e os químicos de maneira negativa, contribuindo para uma imagem distorcida da disciplina. Isso inclui a ideia de que todas as substâncias químicas são sintéticas e, portanto, nocivas, gerando medo e aversão; 4. Conexão Emocional: As experiências pessoais e emocionais relacionadas a produtos químicos, como produtos de limpeza ou medicamentos, podem intensificar a quimiofobia. A ausência de um diálogo aberto e informativo sobre esses produtos e suas aplicações pode aumentar a insegurança das pessoas em relação a eles; 5. Influência de Ativistas e Movimentos Sociais: Campanhas contra o uso de produtos químicos (como pesticidas e aditivos alimentares) e a promoção de uma vida "natural" e "livre de químicos" podem moldar a percepção pública, refletindo um desejo crescente de evitar substâncias químicas de modo geral; 6. Fatores Sociais e Políticos: A interpretação distorcida de dados científicos e a falta de transparência em indústrias que utilizam produtos químicos também podem fomentar a quimiofobia. A pressão social para evitar produtos químicos pode ser reforçada por legisladores e grupos ativistas que disseminam narrativas tendenciosas.

Quimiofobia: o lado invisível da Química

A quimiofobia afeta não apenas a percepção pública acerca da ciência, mas também a identidade dos químicos. Os autores observam que a constante desvalorização da importância da química, induzida pela quimiofobia, leva ao enfraquecimento da identidade dos químicos e pode ter consequências negativas na reprodução da química como ciência. Além disso, a falta de uma percepção positiva da profissão química e a ausência de exemplos positivos para autoidentificação contribuem para esse cenário. A quimiofobia, portanto, não apenas afasta o público da química, mas também impacta internamente a comunidade científica, criando um "lado invisível" que afeta a motivação e a valorização dos profissionais da área. 

Além disso, existe outras implicações, dentre elas: 1. As Percepções Negativas: a quimiofobia pode gerar uma visão negativa em relação à química como um campo científico. As pessoas podem considerar profissionais químicos ou produtos químicos como perigosos, influenciando a opinião pública de forma desfavorável. Essa desconfiança pode ser alimentada pela falta de informações claras e precisas sobre a química e suas aplicações, resultando em um significativo mal-entendido sobre os benefícios que a química traz à sociedade; 2. O Comportamentos de Evitação: indivíduos com quimiofobia tendem a se afastar de produtos que mencionam substâncias químicas em seus rótulos, preferindo optar por alternativas que promovam a ideia de serem "naturais" ou "livres de químicos". Essa escolha pode, frequentemente, ser mal fundamentada, pois muitos produtos rotulados como naturais também contêm substâncias que podem ser potencialmente perigosas e, por outro lado, produtos químicos bem regulados podem ser completamente seguros; 3. A Influência na Educação e Carreiras: a quimiofobia pode impactar negativamente a Educação em Ciências, especialmente em Química. A desconfiança em relação à química pode fazer com que jovens alunos se afastem de disciplinas científicas, resultando em uma diminuição no número de profissionais qualificados nesta área. Isso pode levar a uma escassez de especialistas essenciais para avanços em pesquisa e desenvolvimento de novas soluções químicas.

O futuro da divulgação da química

O texto propõe uma abordagem histórico-filosófica ao destacar exemplos históricos como, Zafra M. Lerman: Química americana que, impulsionada por sua curiosidade, defende o acesso igualitário à educação científica como um direito humano. Ela ensina química de forma relevante e envolvente para seus alunos. Mathieu Orfila (1787–1853): Químico do passado, autor de um tratado sobre toxicologia e um livro popular sobre o tratamento de envenenamentos. Ele criticou a desinformação sobre venenos e antídotos, refletindo preocupações presentes na atualidade. E Johannes de Rupescissa (1300–1365): Herói da química medieval cujos escritos influenciaram significativamente o entendimento e a disseminação do conhecimento químico em sua época. 

Esses exemplos mostram que investir na humanização da química pode ser uma solução eficaz para melhorar sua imagem pública. A valorização dos "heróis da química" abre caminho para um diálogo mais positivo entre cientistas e sociedade. No entanto, ainda há desafios, como a necessidade de políticas de comunicação científica mais efetivas e maior participação de químicos na divulgação de suas próprias pesquisas. Além disso, Chalupa e Nesměrák convida à reflexão sobre como podemos tornar a ciência mais acessível e cativante. Resta saber se cientistas e comunicadores estarão dispostos a abraçar essa abordagem e transformar a percepção pública da química nos próximos anos.

Leia o texto completo em:

CHALUPA, Radek.; NESMĚRÁK, Karel. Chemophobia versus the identity of chemists: heroes of chemistry as an effective communication strategy. Monatshefte für Chemie-Chemical Monthly, v. 151, n. 3, p. 1193-1201, 2020. https://doi.org/10.1007/s00706-020-02633-2.