Como pode a Educação Ambiental dialogar com ancestralidade e povos tradicionais?

Legenda: Mãos que conversam com a terra. Créditos: Freepik. Descrição da imagem: sobre a terra, um objeto com estilo de tradições originárias é manuseado por duas mãos.

A ancestralidade dos povos tradicionais, suas manifestações artísticas e políticas, precisam ser consideradas pelos processos educativos, especialmente no que se refere à Educação Ambiental Crítica.

Rodrigo Castilho Freitas

"Porque eu sou um cientista / O meu papo é futurista / É lunático". Nessa cauda de cometa, sou educador ambiental e educador popular. Em nosso lindo balão azul, graduei-me em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela UNESP de Ilha Solteira. Atualmente, sou aluno de mestrado em Ensino de Ciências no PIEC-USP e integrante do Grupo de Estudos de Educação Não Formal e Divulgação em Ciências (GEENF). 

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Pollyana Cristina Alves Cardoso

Mineira, professora de biologia formada na UFLA, com mestrado na mesma universidade no Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Ambiental. Atualmente, se formando pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência na Unesp de Bauru e atuando como professora substituta na mesma universidade no curso de licenciatura em Biologia. Meu maior interesse acadêmico é a formação de professores de ciências. Pessoalmente, grande contempladora do simples, apaixonada por livros, cachorrinhos, cinema e em colocar o corpo em movimento. 

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15 de outubro de 2024 | 10:00

Há um crescente interesse em torno da educação ambiental com povos tradicionais no Brasil, o que é refletido em trabalhos e pesquisas. Mas o que motiva esse crescimento? Carlos Loureiro (2020) aponta como razão o avanço do capitalismo, sistema que consiste na exploração de grande parte da sociedade e dos recursos naturais em benefício da concentração de riquezas para uma parcela muito reduzida da sociedade. Por que isso importa para a questão ambiental? Para o autor, a razão está nos conflitos que os povos tradicionais sofrem, compelidos pelas expropriações materiais e destruição de reservas naturais. Logo, há que se dedicar ao debate de questões relacionadas às experiências de educação ambiental com povos tradicionais. 

No ano de 2020, foi publicado um artigo do autor Carlos F. B. Loureiro, no sentido de contribuir com aspectos teórico-metodológicos para o tema da educação ambiental com povos tradicionais. Tais aspectos se referem aos motivos e formas de desenvolver um processo educativo sobre a relação do homem com a natureza. O principal aspecto ressaltado é o diálogo enquanto uma forma democrática de comunicação no processo educativo. 

Para constituir essas contribuições, o autor parte de considerar o que é conhecer criticamente, em seguida é abordada a categoria diálogo para que visões de mundo diferentes sejam consideradas, com o que são levadas em conta as condições materiais necessárias para fazer com que trocas linguísticas e comunicacionais sejam estabelecidas em uma sociedade desigual. A partir disto, a linguagem artística, enquanto uma forma de manifestação política, assim como a categoria da ancestralidade, são apresentadas como centrais para o diálogo com povos tradicionais e o fazer educativo perante a questão ambiental.

Conhecimento crítico na Educação ambiental

É considerando os sujeitos e agentes em condição de expropriação e opressão social que se estruturam os valores da educação ambiental crítica e da construção coletiva e dialógica do ato educativo. Dessa forma, é relevante aprofundar o debate em torno de categorias teóricas e metodológicas voltadas ao desenvolvimento de educação com povos tradicionais. A defesa destes sujeitos coletivos precisa perpassar pela obtenção de conhecimento crítico.

Mas o que é, de fato, esse conhecimento crítico? A base para a discussão desenvolvida pelo autor está em Marx e Engels, considerando que a educação deve promover um movimento metódico de apreensão do real para ser possível compreender as relações que formam uma totalidade. Assim, para a educação ambiental, não basta considerarmos que somos uno com a natureza, mas há que se reconhecer que foi gerada uma fratura metabólica sociedade-natureza e compreender o que gerou tal fratura e ideologias associadas que concebem a separação entre ser humano e natureza.

O ideário capitalista se sustenta em sucesso meritocrático e crescimento econômico como única alternativa para promover bem-estar, com promessas de felicidade e satisfação por meio do consumo de mercadorias. Suas ideologias são difundidas por meio da educação e da comunicação, gerando e fortalecendo um ciclo entre consumir, descartar e comprar para atender a desejos que retroalimentam o ciclo, conforme os sujeitos se direcionam a trabalhar mais para consumir mais. A superação deste cenário é ancorada no diálogo e no resgate de valores dos povos tradicionais.

O diálogo no processo educativo

Para Loureiro (2020), educação envolve diálogo, um processo onde há fala, escuta e entendimento, sem que haja a imposição de uma fala sobre a outra, sobre uma verdade absoluta. Onde não há diálogo: na mentira e na omissão de informações e conhecimento. 

Além disso, a transparência é importante para que as pessoas que participam do diálogo coloquem em conversa suas convicções e intenções e assim reflitam sobre algo e possam fazer proposições diante da realidade debatida. Isto contrapõe a ideia de neutralidade extremamente difundida em discursos de quem, na verdade, deseja impor um posicionamento. 

Um diálogo como forma de comunicação no processo educativo envolve rigor em saber escutar, que só pode se efetuar a partir do estudo e pesquisa sobre o que se vai falar e escutar no encontro com o outro. Essa perspectiva parte, inclusive, da visão de Paulo Freire, como um ato que exige gostar do conhecimento e estudar de forma sistemática. 

Todavia, você deve estar se perguntando, e qual a relevância disto para o conhecimento crítico? Loureiro (2020) fala sobre apropriação social do conhecimento, ou seja, o conhecimento compartilhado a partir das vivências pessoais e leituras de mundo. Isto porque a forma como o conhecimento é compartilhado determina o modo como a pessoa vai internalizá-lo, assim podendo entender a melhor forma de sua inclusão em situações concretas que exigem a sua participação, com o que compreende que faz parte de um coletivo.

No processo educativo o diálogo é direcionado para determinadas intenções que têm raiz no projeto político e econômico do capitalismo. Disto parte o entendimento de que no diálogo há a presença de diferentes sujeitos, que possuem intenções diferentes. As instituições escolares, assim como o Estado e a mídia, por exemplo, acabam por contribuir para a transmissão das ideologias e interesses da classe dominante, como uma via de disseminação de uma ‘verdade absoluta’ e modo de vida homogêneo, ao desconsiderar as particularidades dos grupos sociais discriminados.

Arte como manifestação política da ancestralidade

Quando a arte expressa um caráter criativo e original, ela não se limita a repetir mecanicamente técnicas utilitárias. A mecanização e a repetição utilitária negam a arte e a criatividade humana. Embora cada pessoa possa vivenciar a arte à sua maneira, do ponto de vista das lutas pela emancipação, é necessário ir além do superficial. Encarar a arte como algo único em sua expressão significa rejeitar a uniformidade simplificadora que caracteriza uma sociedade voltada para a produção de mercadorias. 

A arte pode expressar uma totalidade, a não separação entre mente e corpo e, por isso, possui caráter emancipador, nesse sentido, para os povos tradicionais, essa expressão se destaca com o resgate de conhecimentos passados pelas gerações anteriores. 

Dessa forma, é necessário impedir que as expressões linguísticas relacionadas às relações históricas, às histórias de vida e às necessidades satisfeitas pelo trabalho, que receberam um significado cultural, sejam removidas. Um exemplo dado por Loureiro (2020) é com relação aos rituais de dança, em que cada movimento possui uma razão de ser e, geralmente, reflete formas de trabalho e crenças espirituais que revelam determinadas visões de mundo. Dessa forma, ela não apenas proporciona prazer por meio dos movimentos corporais, mas também promove o compartilhamento da vida com os outros e transmite ensinamentos históricos por meio da linguagem corporal.

Na realidade opressora, desigual e com tendência à homogeneização das culturas em que vivemos, a educação ambiental enquanto política pública é atacada, assim como os povos tradicionais são vulnerabilizados, portanto, é importante a união desses elementos para promover resistência.

 

Interessou-se pelo artigo? Para acessar o texto na íntegra:

LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Contribuições teórico-metodológicas para a educação ambiental com povos tradicionais. Ensino, Saúde e Ambiente, n. especial, p. 133-46, jun. 2020. https://periodicos.uff.br/ensinosaudeambiente/article/view/40188