Há razões para não vacinar seus filhos?

Desinformação sobre vacinas provocam a diminuição da taxa de vacinação (Fonte: Luiz Alberto de Souza Filho, produzido no Canva, 2020)

Com tanta desinformação na internet, torna-se importante separar as informações verdadeiras das falsas. Com esse objetivo, professoras da Universidade Paulista (UNIP) investigam os argumentos de uma fake news sobre vacinas e os contrapõem com informações científicas.

18 de junho de 2021 | 10:00

Luiz Alberto de Souza Filho é mestrando em Educação em Ciências e Saúde pelo Instituto Nutes/UFRJ. Fez Licenciatura em Ciências Biológicas pela UERJ e durante o curso foi bolsista de Iniciação Científica em Divulgação Científica pela FAPERJ. Integrante do Grupo de Estudos de Recepção do Audiovisual na Educação em Ciências (GERAES) do Laboratório de Vídeo Educativo da UFRJ. Preocupado com as fake news em vacinas, desenvolveu o projeto de monografia da graduação sobre como fazer divulgação científica no cenário de desinformação.

Notícias falsas sobre vacinas são recorrentes na internet. Uma fake news bastante veiculada menciona 10 razões pelas quais os pais não deveriam vacinar os filhos. Mas será que seus argumentos se sustentam? Com o objetivo de esclarecer algumas das polêmicas envolvendo a vacinação, as professoras Carla Montuori Fernandes e Christina Montuori, ambas da UNIP (Universidade Paulista), buscaram na literatura científica argumentos que se contrapõem aos ditos nessa notícia, em um ensaio publicado na Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde da Fiocruz em 2020. Para tanto, as autoras agrupam as 10 razões mencionadas pela fake news em quatro tipos de argumentos: vacinas não funcionam, causam efeitos colaterais, beneficiam as indústrias farmacêuticas, e por fim, não vacinar permite maior imunização. Essa categorização foi feita porque, apesar da fake news apresentar 10 razões, os argumentos de cada uma delas se repetem e podem ser sintetizados nesses quatro argumentos. Diante disso, essa classificação foi realizada pelas autoras e se apresentam como estímulo para trabalhar a argumentação no ensino de ciências, enriquecendo a formação crítica dos indivíduos.

 

Desarticulando as desinformações sobre vacina

 

O primeiro argumento alega que as vacinas não são seguras ou eficazes. No entanto, as professoras defendem que tal afirmação não se comprova tendo em vista as erradicações quase totais  de doenças como a varíola, poliomielite, rubéola, dentre tantas outras no mundo. Além disso, desenvolver uma vacina requer etapas rigorosas de testes e monitoramento. Somente depois de aprovada por órgãos reguladores, com estudos criteriosos, o licenciamento e a comercialização das vacinas acontecem.

O segundo argumento diz que existem efeitos adversos às vacinas, como a ocorrência do espectro autista. As professoras mencionam que muitos relacionam esses efeitos à presença do mercúrio que se tinha no timerosal, um conservante utilizado nas vacinas dos Estados Unidos para evitar contaminação. Ainda que, desde 2001, o timerosal não tenha mais sido utilizado na preparação das vacinas, o número de casos de autismo vem aumentando. Dessa forma, os estudos científicos não correlacionam o uso de vacinas à causa do autismo.

No que diz respeito à ideia de que as vacinas são um artifício que preveem exclusivamente a lucratividade das indústrias farmacêuticas, esta acompanha a história das disputas judiciais nos anos 1970 e 1980 dos Estados Unidos. Nesses episódios, advogados, de modo antiético, procuravam possíveis vítimas para moverem processos contra os órgãos de vacinação, tornando a indústria rentável através da desinformação. Além disso, as professoras relatam que argumentos de que a indústria de vacinas só visa lucro e que não podem ser processadas e responsabilizadas por danos são infundados. No Brasil, o Complexo Tecnológico de Vacinas do Instituto em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), órgão público, também garante a autossuficiência em vacinas fundamentais para o calendário de imunização do Ministério da Saúde.

Por fim, com relação ao quarto argumento, o de que o ato de não vacinar garante maior imunização às pessoas, as professoras reforçam que a vacinação estimula o organismo a se preparar para o contato com vírus e bactérias causadoras de doenças. Assim, os sintomas em caso de contágio são mais brandos, porque o corpo consegue identificar o microrganismo muito mais rápido e eficientemente. Agora, não se vacinar torna-se um perigo, porque aumenta a possibilidade de desenvolver a doença de forma mais grave, o que pode levar à morte. Isto acontece porque o corpo não conhece o agente estranho e não sabe como combatê-lo, o que seria evitado com a vacinação.

 

Uma pesquisa fraudulenta sobre a vacina

 

Fake news como a apresentada são amplamente disseminadas nas redes sociais, afinal esses ambientes virtuais são terrenos férteis para a proliferação de notícias. A desinformação alimenta, ainda, os movimentos contrários às vacinações, composto por grupos de pessoas que não aceitam se vacinar de forma alguma, por motivos apontados na fake news apresentada.

As professoras retratam que esse movimento ganhou corpo dentro do campo científico de certa forma, porque o ex-médico Andrew Wakefield, publicou um artigo, em 1998, que relacionava uma vacina ao surgimento do espectro autista em crianças. No entanto, diversas investigações foram feitas e mostraram que o estudo desse cientista foi fraudulento, que se utilizou métodos questionáveis e que, por isso, não tinha base científica. Assim, anos depois, o artigo foi retirado de publicação, o cientista perdeu seu prestígio e emprego, mas já era tarde para conter a propagação de desinformações sobre a segurança das vacinas. Ao longo do tempo, parcela da população já tinha deixado de acreditar nessa medida de imunização. A tentativa de reverter esse quadro só gerou argumentos para as teorias das conspirações que pairavam contra a ciência e a mídia tradicional.

De acordo com as professoras, todo esse contexto acaba por impactar a taxa de vacinação, que pouco a pouco tem sido diminuída. Tal redução gera baixa imunização da população, que acaba por ficar desprotegida para determinadas doenças. É dessa maneira que doenças já anteriormente controladas ou até mesmo as erradicadas, como o sarampo, retornam e viram preocupação para a saúde pública. Por conta disso, faz-se necessário pesquisar e buscar esclarecer as desinformações contidas nas fake news.

 

Como conter a desinformação?

 

O cenário de desinformação é complexo, tornando-se necessário discutir maneiras de contorná-lo. Entendendo que a educação básica é o lugar de encontro dos estudantes com a percepção pública de ciência, cabe aos professores de ciências e biologia prepararem atividades de combate à desinformação em ciências, sobretudo em vacinas. Propostas pedagógicas que abordem a investigação e a argumentação são essenciais para desestruturar fake news, do mesmo modo que as autoras do texto fizeram. Dessa forma, então, as fake news podem ser utilizadas como problemáticas iniciais de investigação no ensino de ciências. A partir desse ponto de partida, seria potencialmente explorado o estímulo ao pensamento crítico e reflexivo, para que os estudantes não aceitem de pronto tudo aquilo que lêem na internet e busquem ativamente a informação nas fontes confiáveis de dados.

 

Para saber mais:

 

Referência:

FERNANDES, Carla Montuori; MONTOURI, Christina. A rede de desinformação e a saúde em risco: uma análise das fake news contidas em 'As 10 razões pelas quais você não deve vacinar seu filho'. RECIIS - Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 445-460, jun. 2020.