Imagens em livros didáticos podem reforçar visão estereotipada sobre os morcegos

Morcego frugívoro Artibeus lituratus se alimentando da fruta de uma figueira (Ficus sp.). Ele tem uma anilha porque foi capturado no projeto de doutorado do autor da foto. O crédito da foto é Rodrigo de Macêdo Mello.

 

Livros didáticos de Ciências e Biologia oferecem poucos subsídios para questionamentos mais críticos sobre a relação ser humano e morcegos

 

15 de março de 2021 | 10:00

Sofia Valeriano Silva Ratz é licenciada em Ciências Biológicas e leciona a disciplina de Ciências para as turmas de Ensino Fundamental da rede estadual paulista. Fez mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências. Fez doutorado-sanduíche no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Pós-doutoranda no Programa Biologia Comparada da Universidade de São Paulo, Campus Ribeirão Preto. Seus interesses na pesquisa é linguagem no Ensino de Ciências, seja ela digital ou não. Tem um canal no YouTube: Aqui é Ciência!

Morcegos são animais pertencentes à ordem dos quirópteros, isto é, mamíferos que apresentam estruturas que os permitam voar. Sendo os únicos mamíferos capazes de realizar essa tarefa, ao mesmo tempo que despertam a curiosidade das pessoas, os morcegos também provocam medo e repulsa. No entanto, para além das visões estereotipadas que grande parte da sociedade possui, há uma diversidade de espécies de morcegos que apresentam diferentes hábitos alimentares e relações com outros seres vivos que ainda são pouco difundidas e conhecidas pela população.

Portanto, atentos à importância da inserção de conceitos relacionados aos morcegos na educação básica, os pesquisadores Maiara Jaloretto Barreiro e Henrique Ortêncio Filho analisaram o conteúdo sobre quirópteros em diferentes livros didáticos. A pesquisa foi apresentada no artigo ``Análise de livros didáticos sobre o tema ‘morcegos’”, publicado na revista Ciência & Educação. Os resultados apontam que nem todo livro didático traz informações sobre esse grupo. Mesmo com poucos erros conceituais, essas informações foram consideradas insatisfatórias, com discursos superficiais. Os autores consideram que o livro didático precisa enfatizar o papel ecológico dos morcegos, bem como incluir informações sobre medidas de prevenção de doenças relacionadas a esse grupo de mamíferos.

 

As concepções dos alunos sobre morcegos

De modo geral, os morcegos são vistos como pouco carismáticos pelas pessoas. Por serem hematófagos (se alimentarem de sangue) esse grupo é comumente associado aos vampiros. Além disso, sua aparência também provoca ideias errôneas, fazendo com que algumas pessoas acreditem que são ratos velhos ou aves.

Esses conhecimentos espontâneos fantasiosos podem fazer parte da socialização de crianças, em seus diversos contextos culturais. Isso justifica a importância da inserção de atividades escolares que ajudem na construção de novos significados sobre esse grupo de animais. Essas atividades devem estar associadas, por exemplo, aos papéis ecológicos dos morcegos nos ecossistemas, além da conscientização a respeito de medidas preventivas de doenças relacionadas a essa espécie de mamíferos.

Caso esses pontos não sejam trabalhados, mais confusão e preconceito pode ser gerado. É o que acontece com a Raiva, uma doença viral infecciosa que acomete o sistema nervoso e que pode levar a pessoa à morte. Sua transmissão ocorre quando o vírus contido na saliva de um mamífero infectado entra em contato com a mucosa ou pele de mamíferos sadios, geralmente por meio de mordidas. Apesar de cães e gatos serem os principais transmissores dessa doença para as pessoas, para muitos, a Raiva ainda é relacionada somente aos morcegos. Nesse sentido, a importância da vacinação antirrábica de animais domésticos, além de outras medidas como evitar o contato direto com os morcegos e outros animais silvestres, também deve ser trabalhada junto à população.

 

O livro didático e os morcegos

Para descobrir como os conhecimentos sobre morcegos são apresentados, os autores fizeram a análise de 32 livros didáticos disponíveis na biblioteca municipal e nas escolas públicas da cidade de Assis, interior do Estado de São Paulo. As obras foram utilizadas no ano de 2014 e empregadas nas instituições de ensino no quadriênio anterior (de 2010 a 2014). Dos 32 livros analisados, 13 eram para o Ensino Fundamental e 19 destinados ao Ensino Médio.

A maior parte dos livros apresentou conteúdo relacionado aos morcegos de forma variada. As imagens empregadas se relacionavam principalmente à classificação biológica, evolução, fisiologia e hábitos alimentares desses animais, sobretudo flores e frutos. Contudo, algumas dessas imagens também parecem reforçar os estereótipos sobre vampiros, quando se observa, por exemplo, a representação de morcegos com os dentes bem à mostra. Em geral, mesmo variando a forma de apresentação, poucos livros ofereceram subsídios para questionamentos mais críticos sobre a relação ser humano e morcegos.

Um aspecto interessante diz respeito às interações ecológicas, sobretudo a polinização, as quais foram destaques em vários livros didáticos. Porém, a dispersão de sementes, outra função ecológica importante, não é evidenciada da mesma forma, o que pode gerar déficit de aprendizagem dos leitores. No mais, sobre as questões médico-sanitárias, as informações também foram consideradas incompletas, principalmente por não citar as medidas preventivas de doenças relacionadas aos morcegos.

 

Para além dos livros didáticos

Os livros didáticos são materiais que facilmente são encontrados em escolas, bem como em bibliotecas, museus etc. Porém, por mais que acolham as propostas de melhoria, nenhum livro didático sozinho dará conta da educação para a biodiversidade em todas as suas interfaces.

Vivemos em um dos países com maior biodiversidade do mundo. Para trabalhar a complexidade do tema sobre conservação dos ecossistemas, é preciso que os currículos sejam construídos incluindo as relações ecológicas como integrante da dimensão funcional da biodiversidade. Além disso, esse tema precisa ser debatido na forma de metodologias ativas, com visitas em museus biológicos ou centros de preservação ambiental e incluindo o uso crítico das tecnologias digitais da informação e comunicação. Para tanto, é urgente que, em se tratando de escolas públicas, possamos ter financiamento para essas ações de modo que o ensino sobre ecologia e biodiversidade não fique atrelado apenas aos livros didáticos como única fonte de informação e pesquisa.

 

Quer saber mais sobre morcegos? Acesse o artigo original:

BARREIRO, Maiara Jaloretto; ORTÊNCIO FILHO, Henrique. Análise de livros didáticos sobre o tema “morcegos”. Ciência & Educação, Bauru, v. 22, n. 3, p. 671-688, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ciedu/v22n3/1516-7313-ciedu-22-03-0671.pdf. Acesso em: 22 nov. 2020.