Propostas didáticas para educação antirracista em “Descolonizando saberes: a lei 10.693/2003 no ensino de ciências”

Obra resenhada: PINHEIRO, Bárbara Carine Soares, ROSA, Katemari (orgs). Descolonizando saberes: a lei 10.639/2003 no ensino de ciências. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2018.

Disponível no site da Livraria da Física.

Caio Ricardo Faiad

Professor, químico, linguista e, o mais importante, fã da Beyoncé. No doutorado, trabalho na pesquisa de interface Ciência e Literatura na perspectiva da Educação das Relações Étnico-raciais.

Nas redes sociais: @ocaiofaiad

11 de março de 2024 | 10:00

Não raro, os professores de Ciências, Química, Física e Biologia queixam-se que além de ter que dar conta do extenso conteúdo, devem possibilitar a formação dos estudantes para a cidadania incluindo o respeito aos Direitos Humanos e o combate ao racismo, por meio da obrigatoriedade legal da História e Cultura africana e afro-brasileira, também na Educação em Ciências. A universidade pública brasileira, por sua vez, desenvolveu nesses 20 anos da lei 10.639/03 uma série de caminhos para que essa angústia seja amenizada e o potencial transformador da escola se concretize. Esse é o caso do livro “Descolonizando saberes: a lei 10.639/2003 no ensino de ciências”, organizado por Bárbara Carine Soares Pinheiro (da área de Ensino de Química), conhecida no instagram como @umaintelectualdiferentona, e por Katemari Rosa (da área de Ensino de Física), 

O livro “Descolonizando Saberes” é produto de um componente curricular do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA/UFES) que, nas palavras das próprias docentes, objetiva “pautar o histórico das civilizações africanas descolonizando preconceitos relacionados à subalternidade do povo africano no mundo”. Integrante da coleção Culturas, Direitos Humanos e Diversidades na Educação em Ciências, da Editora Livraria da Física, o livro é composto por 10 capítulos de autoria de estudantes da pós-graduação, onde cada texto se refere a uma proposição didática que dialoga com as questões das relações étnico-raciais.

Categorizados genericamente como bullying, parte considerável da violência na escola brasileira está atrelada ao racismo, uma característica constitutiva da formação do estado brasileiro como descrito nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Com isso, o capítulo 6 “Cabelo, Identidade e Empoderamento: quebrando com os padrões de beleza na escola” para além do empoderamento estético de pessoas negras, pode se configurar como um antídoto aos discursos de ódio que são marcas da sociedade atual e que culminam na violência escolar.

Outro ponto que caracteriza o racismo é a invisibilização de sujeitos negros como produtores de conhecimentos científicos e tecnológicos. A proposta didática trazida no capítulo 9 “O Legado de Percy Julian na Química: uma proposta para o ensino de Química Orgânica” possibilita a partir da biografia do químico negro uma reflexão didática sobre os alcalóides no terceiro ano do Ensino Médio.

Essas propostas didáticas do livro “Descolonizando Saberes” exemplifica a bivalência inerente à sua construção como obra: localmente os mestrandos e doutorandos desfrutam da experiência formativa e reflexiva para a temática étnico-racial; nacionalmente, ao adentrar na leitura de cada professor e professora de Ciências ao redor do Brasil, possibilita a reprodução ativa das propostas didáticas pensadas a partir do deslocamento epistêmico necessário para combate ao racismo na escola.

Se os professores de Ciências, Química, Física e Biologia precisam implementar a lei 10.639/2003 e se a universidade pública produz materiais que instrumentalizam o professor da Educação Básica para a efetivação de seu trabalho, a pergunta que se coloca agora é: quantos professores de Ciências, Química, Física e Biologia tiveram contato com livros organizados por pesquisadores de universidades públicas brasileiras? É nesse momento que lutamos por uma real efetivação de políticas públicas que fomentem a formação antirracista de professores. Enquanto isso não acontece na dimensão que desejamos, recomenda-se fortemente que você experimente o livro “Descolonizando Saberes” pelo seu conteúdo didático, pelo seu conteúdo epistêmico, pelo trabalho orientador de Bárbara Carine e Katemari Rosa.