Segurança Alimentar e o Comércio Internacional

Foto: Flickr | USAID U.S. Agency for International Development

Por Douglas de Castro e Danielle Mendes Thame Denny, pesquisadores do subgrupo Organização Mundial do Comércio do NETI/USP

A erradicação da fome é o segundo Objetivo do Desenvolvimento Sustentável, infelizmente o Relatório de 2022 das Nações Unidas mostrou que uma a cada dez pessoas no mundo está faminta; 13% da comida produzida é desperdiçada ou descartada entre a colheita, transporte, estocagem, processamento e a chegada ao mercado varejista; e 17% é perdida nos mercados, restaurantes e  casas das pessoas. O comércio internacional é fundamental para solucionar este problema, mas ainda a agricultura é um tema controverso na Organização Mundial do Comércio – OMC.

Em um artigo acadêmico de 2017 apontamos que as tentativas de aumentar a segurança alimentar esbarram em dois grandes problemas que estão relacionados: o modelo do sistema agroalimentar baseado em: 1) monoculturas altamente dependentes de químicos, sementes transgênicas, voltadas para a exportação e com técnicas que não se preocupam em abaixar o balanço de carbono (produzir mais emitindo menos gases de efeito estufa); 2) poucas empresas transnacionais dominam grande parte do comércio internacional de comida, porém atuam sob a ótica de mercado, maximizando seus interesses econômicos sem a finalidade precípua de erradicação da fome. 

A conclusão principal daquele trabalho foi que a insegurança alimentar vem sendo causada pela má distribuição e não por falta propriamente de alimentos e que as ferramentas de governança global para coordenar interesses antagônicos na busca do objetivo comum da erradicação da fome têm muito a melhorar.

No Comitê de Agricultura da OMC, em 27 e 28 de março, os membros prometeram intensificar seus esforços para enfrentar a grave crise de segurança alimentar, que é especialmente desafiadora para os países menos desenvolvidos- LDCs e os países em desenvolvimento importadores líquidos de alimentos – NFIDCs (aqueles que não produzem o suficiente para alimentar sua população precisam importar qualquer que seja a conjuntura). Asism, as discussões estão direcionadas à temática da segurança alimentar, especialmente disponibilidade, acessibilidade, utilização e estabilidade do mercado de alimentos tendo em vista: (i)acesso aos mercados internacionais de alimentos; (ii) financiamento da importação de alimentos; (iii) resiliência agrícola e produtiva dos LDCs e NFIDCs; e (iv) um conjunto de questões transversais para fomentar a colaboração internacional.

Em relatório com a FAO e o Banco Mundial, a OMC examinou as respostas globais à crescente insegurança alimentar global, identificou lacunas e oportunidades para ações futuras e apresentou um conjunto de recomendações para ação dos países membros. Em resposta à guerra na Ucrânia, 62 países membros adotaram medidas restritivas ao comércio relacionadas ao mercado agrícola. A figura abaixo mostra as restrições à exportação de alimentos, rações e fertilizantes em vigor desde 1º de janeiro de 2022:

Foi também retomada a constatação de diversos estudos anteriores: temos que eliminar ou pelo menos reduzir os subsídios distorcivos ao comércio que vários países aplicam em seus mercados internos no âmbito da produção de alimentos. Isso ao mesmo tempo em que encorajaria políticas que apoiem práticas agrícolas mais sustentáveis, promoveria uma concorrência mais justa, apoiaria o desenvolvimento de sistemas alimentares sustentáveis mais adaptados e resilientes e ofereceria oportunidades para agricultores de países em desenvolvimento aumentarem a produção e aumentarem seus ganhos econômicos, sociais e ambientais, melhorando assim os meios de subsistência rurais e contribuindo para a segurança alimentar doméstica e global.

A busca por segurança alimentar baseada no atual modelo agroalimentar, além de não conseguir erradicar a fome no planeta, provoca insegurança em vários níveis, mormente no nível ambiental. Esta é uma manifestação setorizada do dilema de segurança, que com o pretexto de aumento da segurança alimentar, o aumento na produção de alimentos (ou deveria dizer, commodities) aumenta a insegurança ambiental, explicamos: 1) ocorre a erosão de solo e diminuição/extermínio da biodiversidade local; 2) aumento da emissão de metano no caso da criação bovina fora de sistemas integrados; e 3) o aumento de emissões de CO2 pelo transporte dos alimentos, que no caso do Brasil, é feito em longas distâncias e por caminhões movidos à diesel e o transporte por navios de uma país para outro.

Assim, o pretenso aumento de segurança em um setor gera instabilidade e maior insegurança em outros. Por esta razão, torna-se cada vez mais necessário a análise do spillover entre regimes internacionais para que não caiamos na espiral de segurança/insegurança que relatamos no parágrafo anterior. Uma visão sistêmica é cada vez mais necessária em um mundo cada vez mais complexo.