Mulheres no Comércio Internacional

Por Maria Luísa Silva Mercurio, Mayra Karla Correia Fagundes e Danielle Mendes Thame Denny, pesquisadoras do subgrupo Organização Mundial do Comércio do NETI/USP

Se por comércio internacional entendemos a dimensão multilateral no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), podemos inferir a pequena participação das mulheres. Talvez na dimensão privada do comércio internacional a participação possa ser maior. Em um levantamento feito no regime das mudanças climáticas, a participação nas reuniões preparatórias para a Convenção Quadro, Kyoto e Paris ficou em torno de 30%. Ao fazer o mesmo levantamento em relação às ONGs (que supostamente a representatividade seria maior que nos círculos diplomáticos) foi encontrada pouca variação dos percentuais.

Estima-se que as mulheres representam 39% da força de trabalho global em todo o mundo, e seus ganhos sejam, em média, entre 10 e 30% menores que os dos homens. Além disso, as mulheres gastam de duas a dez vezes mais tempo em trabalhos domésticos não remunerados, e essa carga aumentou significativamente durante a pandemia de Covid-19. Além disso, a pandemia teve um efeito adverso desproporcional nos resultados do mercado de trabalho das mulheres. 

As mulheres perderam mais de 64 milhões de empregos em 2020, uma perda de 5%, em comparação com uma perda de 3,9% para os homens. E em termos de negócios internacionais apenas 1 em cada 5 pequenas empresas pertencentes a mulheres está exportando.

A vice-diretora-geral da OMC, Angela Ellard, fez um discurso, 3 de março no evento Women in Trade organizado pela Trade Finance Global em Londres em que apontou maneiras pelas quais a OMC busca tornar o comércio mais inclusivo, apoiando a integração das mulheres no comércio internacional. 

Ela citou um estudo feito pelo Progressive Policy Institute que constatou ser maior a tributação sobre produtos que são majoritariamente consumidos por mulheres. O que levanta um alerta para esse tipo de preconceito regulatório, provavelmente desproposital, mas ainda assim preocupante.

O comércio internacional não se resume a abertura de mercado e redução de tarifas. Uma das principais atuações da OMC atualmente é servir de palco de negociações e acordos que favoreçam o comércio justo e sustentável. O poder do comércio internacional pode ser usado para ajudar aqueles que talvez não tenham se beneficiado plenamente da globalização econômica antes — por exemplo, mulheres, povos indígenas e pessoas com deficiência. 

Isso está de acordo com os objetivos de elevar os padrões de vida, garantir o pleno emprego e o desenvolvimento sustentável, todos consagrados no preâmbulo do Acordo de Marrakesh da OMC.    

Desde 2020 foi criado o  Informal Working Group on Trade and Gender, do qual participam 120 estados membros. Além dessas discussões a OMC oferece treinamentos sobre comércio e gênero, coleta dados sobre genêro no comércio e nos acordos internacionais de comércio e sugere ferramentas de política para ajudar os estados membros a integrar gênero em suas políticas. 

A própria atual conjuntura da diretoria da OMC reforça seu comprometimento com a promoção da agenda da igualdade de gênero. Uma importante marca disso veio com a eleição, em 15 de fevereiro de 2021, da primeira mulher e primeira africana a ser nomeada diretora-geral do órgão – a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala. Formada em economia do desenvolvimento pela Universidade de Harvard e com doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a economista detém ampla experiência na área de finanças públicas e cooperação internacional, já tendo assumido cargos no Banco Mundial, de Ministra das Finanças da Nigéria e de presidente da Aliança Global para as Vacinas (GAVI) durante o ano de 2020.

A consagração de Okonjo-Iweala simboliza também mais um passo na ótica do avanço do decolonialismo, uma vez que agrega visões e experiências a respeito da lógica comercial distantes das consagradas pelo pensamento eurocêntrico. Até em questões informais, como sua veemência no uso dos trajes típicos africanos, reforçam seu orgulho em exibir suas origens, inspirando uma nova geração de jovens mulheres líderes. Tal pioneirismo não passa despercebido, com seu nome constando em inúmeras listas que enumeram pessoas de notável influência, entre elas a Times Top 100 Most Influential People in the World de 2014 e 2021. 

Sem dúvida há um longo caminho a ser percorrido no âmbito internacional, inclusive de comércio internacional. Mas importante reconhecer que alguns passos já estão sendo dados.