A energia de Zélia Ramozzi-Chiarottino

 

Zélia Ramozzi-Chiarottino recebe título de Professora Emérita. Congregação do Instituto de Psicologia da USP, 2018

Zélia Ramozzi-Chiarottino tem uma sólida e profícua trajetória acadêmica construída dentro e fora do país. Introduziu os estudos da Epistemologia Genética no Brasil, e desenvolveu uma inédita leitura estrutural da obra de Jean Piaget. Por três décadas, desenvolveu pesquisas sobre a construção das noções espaço-temporais e causais em crianças e sobre os transtornos do comportamento pela inadequada construção do real e da consequente distorção da representação do mundo físico e psicossocial, desses estudos surgiram inovadoras técnicas de reabilitação para os transtornos de comportamento e problemas de linguagem. No âmbito de gestão administrativa esteve à frente da direção do Instituto de Psicologia da USP, suas contribuições foram significativas tanto para o processo de autonomia normativa, como para infraestrutura, foi responsável pela criação do Laboratório de Epistemologia Genética e Reabilitação Psicossocial.

A Profa. Dra. Zélia Ramozzi-Chiarottino é graduada em Filosofia pela USP, pós-graduada em Filosofia das Ciências pela Université d´Aix-Marseille e doutorou-se em Psicologia Experimental no Instituto de Psicologia da USP. Possui pós-doutorado em Linguística pela Universitá Degli Studi di Roma e tornou-se Livre docente em 1982, com a tese Em busca do sentido da obra de Jean Piaget.

Em 1968, ainda na Faculdade de Física, criou o Laboratório de Epistemologia Genética, que mais tarde passaria a se chamar Laboratório de Epistemologia Genética e Reabilitação Psicossocial, as pesquisas ali desenvolvidas geraram inúmeras Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado que deram origem a mais de 40 livros.

Entre os anos de 1970 e 1972, foi professora no Instituto de Física da USP, de 1988 a 1992, Diretora do Instituto de Psicologia da USP. Em 1990, Professeur Invité da Université Lyons II. Em 1995, Bolsista Sênior da Université de Genève. Em 2004, Professeur invité no Hôpital Psychiatrique Saint Jean de Dieu e da Université de Lyon (I e II).

A professora Zélia participou da formação de diferentes gerações de pesquisadores, introduzindo os estudos em Epistemologia Genética no Brasil. A Filosofia da Ciência, a Epistemologia Genética e a Psicologia são suas áreas de estudo. Por três décadas, realizou pesquisas sobre a construção das noções espaço-temporais e causais em crianças e, nesse contexto, pesquisas sobre transtornos do comportamento pela inadequada construção do real e da consequente distorção da representação do mundo físico e psicossocial.  Foi responsável pela criação de diferentes técnicas para reabilitação de crianças com transtornos de comportamento e problemas de linguagem.

Em junho de 2018, a Profa. Zélia recebeu o título de Professora Emérita no Instituto de Psicologia da USP. Na cerimônia de outorga, o Prof. Nelson da Silva Júnior, como parte da homenagem, apresentou algumas das suas expressivas contribuições para o IPUSP e para a Psicologia, especialmente para a psicologia social e do trabalho, que apresentaremos a seguir.

Com erudição, coerência e rigor, a professora Zélia participou de forma ativa, desde o início da carreira, do processo de excelência científica da Universidade de São Paulo. Nas atividades de gestão no IPUSP, em 1988, destacamos a elaboração do Regimento do Instituto de Psicologia, que conferiu autonomia normativa ao IPUSP como faculdade. Ainda em relação à autonomia normativa, trabalhou no processo de criação do plano de carreira dos funcionários, elaborado com a colaboração das professoras Dora Selma Fix Ventura e Maria Amélia Matos e, sobretudo, dos próprios funcionários.  Durante a gestão da professora Zélia, na direção do IPUSP, a infraestrutura foi expandida com a inauguração e construção de edificações como o prédio de aulas Anita de Castilho Marcondes Cabral. Nesse período, tivemos, também, a criação da Revista Psicologia USP com colaboração de Norberto de Abreu e Silva e Antônio Paschoal Agatti.

Em suas atividades didáticas, criou a disciplina obrigatória Linguagem e Pensamento, o Laboratório de Epistemologia Genética em 1968, ainda no departamento de Filosofia, que em 1970 foi transferido para o Instituto de Psicologia com o nome de Laboratório de Epistemologia Genética e Reabilitação Psicossocial. Esse acréscimo ao nome reflete a passagem da professora da Filosofia à Psicologia motivada pelo interesse em trabalhar com pessoas, seguindo a sua ideia de fazer uma Filosofia da Ciência com a Psicologia.

Com relação às descobertas científicas, o trabalho da professora Zélia percorre várias áreas do saber. Na Filosofia da Ciência, desenvolveu uma inédita leitura estrutural da obra de Jean Piaget capaz de revelar elementos fundamentais da obra que passaram em branco, como o Estatuto Conceitual das Implicações e Significantes. No campo específico da Psicopatologia Cognitiva, fomentou uma clínica original que parte de uma Antropologia filosófica consistente que ousa, a partir da teoria Piagetiana, pensar suas possíveis disfunções, experimentando e desenvolvendo inúmeras técnicas terapêuticas para a reabilitação psicossocial de muitas crianças. A relevância dessas descobertas tive reconhecimento e aplicação em várias partes do mundo. Outro aspecto de suas pesquisas que merece destaque está relacionado ao campo da comunicação, pela cooperação com o Laboratório de Milton Campos, antigo orientando e atual professor da Universidade de Montreal.

De forma sumária, destacamos o conteúdo renovador de suas pesquisas; as técnicas de reabilitação inovadoras criadas em seu laboratório referem-se a dois tipos de disfunções, a primeira trata da construção das noções espaço-temporais e causais e também das disfunções na ordem das aquisições cognitivas das crianças.  As noções de espaço e tempo não são originárias do campo da Psicologia, a filosofia crítica de Kant foi o ponto de partida de suas investigações, o principal escopo de pesquisa do Laboratório de Epistemologia Genética foi a construção das noções de espaço tempo e causalidade e seu papel no tratamento epigenético de crianças de baixa renda com graves problemas no processo de aprendizagem escolar.

De acordo com suas hipóteses de trabalho, o retardo mental sem notório dano cerebral deveria ser concebido como uma interrupção não cabal das formulações das noções de espaço e de tempo, casos em que o não desenvolvimento dessas noções em tempos adequados se dava por falta de estimulação ambiental no adequado momento ontogenético. A impossibilidade de desenvolvimento dessas noções torna impossível organizar a compreensão do mundo.

A professora Zélia lançou hipóteses etiológicas a partir da teoria Piagetiana, em uma perspectiva que pode ser denominada como a base de uma inovadora psicopatologia cognitiva de base Piagetiana, desenvolveu novas técnicas para identificação de lacunas no processo ontogenético com o propósito de confirmar ou não suas hipóteses. A criança ao passar pelas terapêuticas criadas pela professora poderá entrar na zona de normalidade a partir da consciência dos fatos. A partir de uma teoria do funcionamento normal, propôs hipóteses etiológicas e um quadro diagnóstico para desenvolver diversas técnicas terapêuticas, tornando-se, assim, parte do restrito grupo de pesquisadores a ter criado uma psicopatologia e uma terapêutica, uma clínica do início ao fim. A contribuição de suas hipóteses também alcançou a psicanálise.

Zélia Ramozzi-Chiarottino e Piaget no Centro Internacional de Epistemologia Genética. Genebra, 1980

O percurso intelectual de Zélia Ramozzi-Chiarottino foi construído com constante abertura ao diálogo com outros campos do conhecimento, as trocas, colaborações e discussões com colegas foram intensas e geram frutos. Suas pesquisas geraram impactos significativos na comunidade acadêmica nacional e internacional.

Orientou 67 pesquisas, 32 mestrados, 35 doutorados e 3 pós-doutorados, publicou 7 livros e inúmeros artigos no Brasil, França, Suiça, Canada e Portugal, seu doutorado, defendido em 1970, foi imediatamente publicado. A trajetória de mais de cinco décadas, iniciada na graduação da Faculdade de Filosofia, forma um conjunto sólido e inovador de relevantes contribuições que corroboram a outorga do título de Professora Emérita.

Fontes: Parte inicial redigida com base na entrevista concedida à Revista Eletrônica de Psicologia e Epistemologia Genéticas (file:///C:/Users/ipcomunica/Downloads/2391-Texto%20do%20artigo-8268-1-10-20120719%20(4).pdf) e o restante do texto com base no discurso do professor Nelson da Silva Júnior durante a cerimônia de outorga do título de Professora Emérita ( vídeo do youtube a partir do tempo: 25’).