2084: uma ficção sobre o futuro de nosso planeta nem tão ficcional assim

Legenda: Capa do livro 2084: Uma ficção baseada em fatos reais sobre o aquecimento global e o futuro da Terra, de autoria de James Lawrence Powell. (Fonte: site da editora Sextante).

Obra resenhada: POWELL, James Lawrence. 2084: uma ficção baseada em fatos reais sobre o aquecimento global e o futuro da Terra. Editora Sextante, 2022.

O livro, escrito por um especialista na área, apresenta distopia com potencial conscientizador sobre os impactos devastadores das mudanças climáticas.

Marcos Vinícius Ribeiro Ferreira

Atualmente faço mestrado pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Ensino de Ciências (PIEC-USP) e conto com um auxílio da FAPESP. Tenho grande interesse pelas áreas de Ensino e Filosofia das Ciências, assim como pelo trabalho de divulgação científica. Faço parte do Grupo de pesquisa em História, Teoria e Ensino de Ciências (GHTC).

Instagram: @marcos_vrf

03 de setembro de 2024 | 10:00

Um livro relativamente recente e que vem ganhando notoriedade busca imaginar com base em estudos científicos como será viver ao redor do nosso planeta em "2084: Uma ficção baseada em fatos reais sobre o aquecimento global e o futuro da Terra". Publicado em 2020 em inglês, e lançado em português em 2022, a distopia escrita pelo cientista do clima James Lawrence Powell é uma tentativa de popularizar e conscientizar sobre questões da crise climática para um público mais amplo, podendo ser um material interessante para ações que visam a Educação Ambiental. Powell possui conhecimento no assunto por ser especialista em questões da crise climática e autor de artigos que exploram o consenso científico sobre o aquecimento global.

O próprio título do livro (2084) faz alusão a uma das distopias mais famosas na literatura, 1984, de George Orwell. Passando-se cem anos, em 2084, a situação global conforme descreve Powell não é nem um pouco animadora. O livro apresenta esse cenário com base em uma gama de entrevistas imaginadas com pessoas diversas, com intuito de descrever como é viver em 2084 em países de todos os continentes, incluindo um capítulo representativo do futuro no Brasil. Essas entrevistas são apresentadas segundo uma divisão em temas que ordena os capítulos do livro, sendo eles: secas e incêndios, inundações, elevação do nível do mar, gelo, guerra, fascismo e migração, saúde, espécies, uma saída e palavra final.

Como exemplo, dentro do tema "Secas e Incêndios" é que o autor aborda o cenário brasileiro, criando as personagens Marta Soares, a última diretora da FUNAI, e Megaron Txucarramãe, último sobrevivente do povo Metuktire. Essa entrevista retrata uma situação de grande devastação da floresta amazônica.

Os cenários apresentados nos capítulos de 2084 são desanimadores e impactantes. Retratam um mundo que sofre com a fome, desigualdades e inúmeros problemas ambientais. Além disso, por não ser apenas uma ficção sobre o futuro, e sim uma provável descrição da situação nas próximas décadas baseada nas atuais pesquisas climáticas, a obra é um pouco desesperadora. Contudo, os capítulos finais buscam apresentar "uma saída" com base no exemplo da Suécia, que possui um sistema limpo de produção energética, nos quais é defendido o uso da energia nuclear.

Um dos temas principais que une os inúmeros capítulos da obra é o questionamento: por que as pessoas não agiram de modo mais expressivo frente aos alertas da ciência climática? Essa pergunta é recorrente nas entrevistas do livro, e serve como uma maneira de conscientização para seus leitores.

A obra possui uma linguagem simples e segue um estilo narrativo, tornando-a mais aprazível e adequada para contextos educativos diversos, que podem contemplar desde um público adolescente a um adulto. Todavia, por mais que alguns capítulos de 2084 discutam relações e implicações socioeconômicas do aquecimento global, ela deixa a desejar quando o assunto é a atual política econômica-ambiental, e as diferenças enfrentadas por países detentores de capital, e daqueles que não possuem tantos recursos econômicos.

Dessa maneira, é perceptível que 2084 foi escrito por um autor estadunidense, da centralidade do sistema capitalista. Isso é ainda mais evidente na proposta de solução para a crise climática apresentada, a energia nuclear, como se uma adoção massiva desse modelo produtivo de energia elétrica não esbarrasse nos interesses das maiores economias globais, petro-dependentes. Assim, a obra representa a necessidade urgente de uma educação ambiental crítica, capaz de mobilizar as pessoas e estimular uma mudança em direção à sustentabilidade e justiça social.

Em suma, o livro pode ser um interessante material para tratar de temas como o aquecimento global, ciência climática, natureza da ciência e o papel dos consensos, negacionismo científico, e educação ambiental. Contudo, ter uma leitura crítica da obra é imprescindível, ainda mais por conta de suas limitações, algumas aqui exploradas. Além disso, 2084 pode ser uma maneira interessante de promover não apenas o ensino-aprendizado de ciências, mas de literatura e um exemplar interessante para a comunicação pública científica de um assunto tão vital quanto a crise climática.