Educação contra a barbárie: um instrumento indispensável para se pensar e lutar por uma educação democrática

Obra resenhada: CÁSSIO, Fernando (Org.). Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. São Paulo: Boitempo, 2019. Acesso em: 28 out 2023.

Disponível no site da Boitempo.

Caian Cremasco Receputi

Olá, pessoal. Meu nome é Caian Cremasco Receputi. Sou Licenciado em Química pela UFES e mestre em Ensino de Ciências pelo PIEC-USP. Durante a graduação foi bolsista de Iniciação à Docência no PIBID e, posteriormente, atuei como professor substituto na universidade em que me formei. Atualmente curso o Doutorado no PIEC-USP. Tenho interesse pelos temas: Educação e Política. Tenho grande admiração pelas lutas travadas por Paulo Freire e Florestan Fernandes. Nas horas livres gosto de ler um livro ou assistir um filme. Sigo lutando para que um dia a Educação se torne um projeto que vise à emancipação do povo em nosso país.

Instagram: @caian.receputi 

04 de dezembro de 2023 | 16:00

Desde 2014 há uma paralisia na economia brasileira, resultado de diversas ações de grandes empresários nacionais e estrangeiros que aproveitaram o fim do ciclo de alta dos preços das commodities no mercado externo para engessar o então Governo Dilma, realizar o golpe parlamentar de 2016. O objetivo dessas ações era o de avançar nas pautas antidemocráticas no Governo Temer. A título de exemplo, podemos citar a reforma trabalhista, Lei nº 13.467/2017, e a reforma do Ensino Médio, Lei nº 13.415/2017.

O cenário brasileiro nos anos de 2017, 2018 e 2019 foram duríssimos para a grande maioria da população. Além dos ataques à classe trabalhadora perpetrados por Temer e Bolsonaro, o país presenciou um cenário de calamidade com a pandemia de COVID-19. Esta situação foi agudizada pelo Governo ultraliberal, negacionista e protofascista de Bolsonaro. Foi nesse contexto que um grupo de professores e pesquisadores decidiram lançar um livro-manifesto para desvelar quem são os inimigos da educação no Brasil e para defender a educação de qualidade para todos como um direito fundamental de um Estado Republicano.

O presente livro nos auxilia a perceber que os ataques ao financiamento e à imagem da educação brasileira fazem parte de um projeto que perpassa de forma explícita os Governos Temer e Bolsonaro, mas também estão presentes no Governos Lula e Dilma, obviamente com as suas diferenças. A tentativa de implementar o Programa “Future-se” e a Reforma do Ensino Médio apresentam uma matriz comum: o lobby1 que os grandes grupos financeiros educacionais realizaram desde o Governo Lula, principalmente com os programas ProUni e Fies.

Escrito por dezenas de pessoas (27 autores e dois coletivos ao total), dentre estudantes, professores, cientistas, jornalistas, ativistas e militantes, “Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar” é um instrumento indispensável para se pensar e lutar por uma educação minimamente democrática, que busque superar a barbárie instalada em nosso país.

O livro foi organizado pelo ativista e professor universitário Fernando Cássio (Universidade Federal do ABC; UFABC) e publicado em 2019 pela Editora Boitempo. A obra possui 223 páginas, contando com 28 capítulos, os quais estão divididos em três partes. Na primeira parte os autores buscaram desvelar o processo desastroso e intencional da gestão da educação em nosso país, focalizando nas ações externas à escola, como a inserção da gestão privada, intensificação dos índices educacionais e da privatização de serviços. No segundo capítulo buscaram desvelar a destruição da escola por dentro: perseguição, intimidação, censura, negacionismo científico, movimentos antiescola, dentre outros. Já, na terceira e última parte, agrupa-se textos que buscam disputar ideias, projetos e propostas que resgatem o caráter democratizante da educação, por exemplo, a pedagogia da resistência, a educação popular e a educação indígena.

Por exemplo: 

          i. Já ouviu a frase “a educação transforma o mundo”? Ela é bonita e utilizada por diferentes setores da sociedade, mas há limites nesta expressão. Gostaria de conhecê-los? Então o texto “Contra a barbárie, o direito à educação” de Daniel Cara, professor universitário (Universidade de São Paulo; USP), é uma boa leitura para você.

          ii. Quer superar os principais mitos sobre a educação brasileira como “o Brasil não gasta pouco com educação, gasta mal?”. O texto “verdades e mentiras sobre o financiamento da educação” de José Marcelino de Rezende Pinto, professor universitário (USP), pode te apresentar dados e uma leitura crítica sobre a questão.

          iii. Você sabe como se formam os grandes conglomerados educacionais no Ensino Superior? E como esses grupos interferem na política pública educacional brasileira? Os textos “O ensino superior privado-mercantil em tempos de economia financeirizada” de Vera Lúcia Jacob Chaves, professora universitária (Universidade Federal do Pará; UFPA), e “O público, o privado e a despolitização nas políticas educacionais” de Marina Avelar, pesquisadora associada ao NORRAG, programa associado ao Graduate Institute of International and Development Studies, podem auxiliar a compreender esses fenômenos que têm interferido na condução da educação das esferas pública e privada.

Esses são alguns dos temas, mas há inúmeros outros divididos ao longo da obra, por exemplo, a Educação à Distância, a Educação na primeira infância, a disputa dos sentidos da alfabetização, o homeschooling, a militarização das escolas, o ensino religioso, o obscurantismo, a “ideologia de gênero” e os sentidos de uma Educação democrática ou antidemocrática. 

Há também, propostas e reflexões para a criação de espaços educacionais democráticos, por exemplo, as dimensões afetivas, as habilidades socioemocionais e a pedagogias do oprimido, da esperança e da resistência, a educação popular e a participação social, a educação indígena.

Como se pode perceber, um aspecto positivo da obra é o de proporcionar distintas reflexões sobre as inúmeras dimensões relativas à educação. A escrita acessível é outro aspecto relevante da obra, os autores tiveram o cuidado de adequar a linguagem a diferentes públicos. Uma limitação da obra é o curto desenvolvimento dos capítulos, servindo, portanto, como uma introdução aos diferentes temas apresentados. Entretanto, essa limitação é superada com a disponibilização de referências ao longo de toda a obra, facilitando o aprofundo em um ou mais temas, caso o leitor tenha interesse. Essas reflexões foram continuadas e aprofundadas em outro compêndio organizado por Fernando Cássio: “Escola pública: práticas e pesquisas em educação”, publicado em 2023 pela Editora UFABC, mas esse é tema para outra resenha.


1A tradução literal de lobby apresenta o significado de “antessala” ou “salão”, no contexto apresentado significa a pressão que esses grupos financeiros educacionais fazem sobre legisladores e executivos do governo com poder de decisão.