Quer abordar Revolta da Vacina, conhecimentos indígenas ou racismo nas aulas de Ciências? Livro “Propostas didáticas” traz uma gama de opções

Escrito por pesquisadores e professores da Educação Básica, o livro “Propostas didáticas para o Ensino de Ciências e de Matemática: Abordagens Históricas” traz um apanhado de 14 propostas baseadas na História das Ciências para o Ensino de Ciências e Matemática, visando auxiliar o professor com sugestões para seu trabalho docente.

Obra resenhada: ALVIM, Márcia Helena; OLIVEIRA, Zaqueu Vieira (organizadores). Propostas Didáticas para o Ensino de Ciências e de Matemática: Abordagens Históricas. Santo André: Universidade Federal do ABC, 2020.

20 de fevereiro de 2021 | 14:24

Anderson Ricardo Carlos

Professor de Biologia/ Inglês e biólogo (Unesp), mestre em Ensino e História das Ciências (UFABC) e Doutorando em Ensino de Biologia pelo PIEC-USP.

Amante de cinema, política e ciência.

Bolsista FAPESP (Processo no. 2020/10406-8, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Editor da Balbúrdia: @balburdia.piec

Bate-papo nas redes: @andersonr.carlos

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Um desafio frequente no Ensino de Ciências, tanto para pesquisadores quanto para professores da Educação Básica, é justamente torná-lo contextualizado. Sabe quando vem a pergunta de um(a) aluno(a) em sala de aula: “Professor(a), por que eu preciso aprender isso?”. Como a historiadora da ciência Maria Elice Prestes, da USP, refletiu na sua entrevista para a BALBÚRDIA, a História da Ciência é uma vantajosa ferramenta e aliada nessa contextualização, trazendo um panorama histórico e sociocultural para aquele conceito a ser aprendido. É de relevância ressaltar aqui que a inserção da História da Ciência no ensino não se empenha em adicionar mais conteúdo, argumento chavão contra essa perspectiva. Na realidade, a História da Ciência busca amarrar os conteúdos, atribuindo sentido aos conceitos, justificando-os em um dado momento e contexto. Nesse sentido, chegamos ao livro “Propostas Didáticas para o Ensino de Ciências e de Matemática: Abordagens Históricas”, que almeja justificar e fornecer um variado acervo de ideias para essa aplicação da História da Ciência ao ensino.

Organizado pelos docentes Márcia Helena Alvim, da UFABC, e Zaqueu Vieira Oliveira, da USP, o livro reúne uma variedade de propostas didáticas para a Educação Básica. Tais propostas foram resultados de pesquisas de mestrado e doutorado de alunos da UFABC, USP e Unicamp, dentro da linha de intersecção entre História das Ciências e Ensino de Ciências, sobretudo de membros e ex-membros do Grupo de Pesquisa em Interfaces entre História das Ciências e Educação Científica (GIHCEC). Destaco aqui a presença de vários pesquisadores(as) que, paralelamente, atuam como professores(as) na Educação Básica.

Seu prefácio é escrito pelo docente Breno Arsioli Moura da UFABC (egresso do PIEC-USP, onde cursou tanto o mestrado quanto o doutorado), no qual se descreve alguns percalços históricos da aplicação da História da Ciência na sala de aula: desafios que nos trouxeram para o amplo incentivo atual dessa abordagem para o Ensino. Ademais, o prefácio traz as diferentes possibilidades de como essa abordagem pode ser aplicada, considerando possíveis referenciais teóricos educacionais e a complexidade prática em vista ao continental território brasileiro. 

Na apresentação, os organizadores do livro, Márcia Alvim e Zaqueu Vieira, destacam a intenção das atividades não serem diretivas e sim propositivas. Ou seja, a concepção dos autores é que os(as) professores(as) têm o potencial de fazer adaptações e inserções nas propostas didáticas de acordo com as particularidades que envolvem o seu trabalho. Adotando a mesma perspectiva de interdisciplinaridade de Paulo Freire (1974), os organizadores consideram que a abordagem histórica oferece uma possibilidade de uma educação problematizadora, formando um cidadão crítico que não apenas questione sua realidade, mas que aja ativamente nela. Por esse ângulo, as propostas exprimem tal concepção com riqueza.

O livro é composto por 14 capítulos, sendo cada um deles destinado a uma proposta didática, dentro dos mais diversos âmbitos do ensino, que vão desde o Ensino de Ciências no Fundamental I e II até as disciplinas de Biologia, Física e Matemática no Ensino Médio. Temas polêmicos e pertinentes como a história da Revolta da Vacina, que representa uma espécie de déjá vu no momento atual de pandemia, é trazida num enfoque artístico através de charges e ilustrações. Outras abordagens envolvem a defesa dos Direitos Humanos como pano de fundo, a exemplo dos capítulos que abordam os conhecimentos indígenas brasileiros sobre plantas medicinais no século XVI e um episódio da história da eugenia brasileira, abrangendo suas aplicações nas perspectivas genéticas da época. Tais capítulos possibilitam problematizações oportunas sobre o racismo no Brasil. 

Temas clássicos ou notadamente inovadores para a sala de aula são apresentados após análises históricas com frequente consulta nas fontes primárias, ou seja, nos próprios documentos escritos pelos cientistas e estudiosos do passado. As proposições discorrem, entre muitas, sobre história da paleontologia no Brasil e as contribuições de Peter Lund (1801-1880), história dos conceitos trigonométricos e de alguns instrumentos matemáticos, além do histórico sobre a descrição do mundo natural a partir dos viajantes naturalistas na América Portuguesa do século XVIII. Uma proposta a partir da obra “O Mensageiro das Estrelas”, do astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), objetiva que os estudantes consigam observar fenômenos naturais do cotidiano relacionados ao movimento e localização da Terra, da Lua e do Sol. São tópicos tão pertinentes para a sala de aula, que, facilmente, o leitor(a) vai logo rolar a barra de rolagem do sumário do livro para conferir a lista de temas e, com certeza, achará algum tema que a(o) interesse, seja apenas para ler ou para aplicar nas suas aulas.

Em suma, destaco a riqueza da abordagem dessas propostas contextualizadoras apresentadas neste livro, as quais almejam trazer subsídios para fazer uma sala de aula mais instigante, problematizadora e humana. Ainda mais quando o livro é pensado por pesquisadores que, majoritariamente, tem um pé no chão da escola básica e que pode ser acessado gratuitamente na rede (disponível no link). Deve-se romper essa barreira entre academia e sala de aula. Em tempos sombrios de amarras políticas e desmerecimento ao trabalho docente, medidas como essas devem ser valorizadas. 

Figura 1: Charge sobre a Revolta da Vacina de Leonidas Freire (1882-1943) publicada em O Malho, de 29 out. 1904

Fonte: http://www.iea.usp.br/imagens/a-revolta-da-vacina-charge-de-leonidas/view