Fake News científicas: entender para combater

Mentiras sempre estiveram por aí, mas é com um simples toque no botão compartilhar das diversas mídias sociais que caracteriza a velocidade da disseminação de notícias falsas, as chamadas fake news. Imagem: Caio Faiad

Pesquisa da Faculdade de Educação da USP propõe a inserção de práticas que promovam os letramentos informacional e midiático na formação de professores para combater as fake news

17 de dezembro de 2020 | 18:30

 

 

Caio Ricardo Faiad
Bacharel e licenciado em Química e em Letras. Doutorando em Ensino de Ciências com pesquisa no campo das Educação das Relações Étnico-raciais por meio da interdisciplinaridade entre Química e Literatura. Bato ponto nas redes, sendo conhecido no Instagram e no TikTok como “um químico nas letras”. Para me seguir, procure o @ocaiofaiad em todas as redes sociais. E o mais importante: sou um grande fã da Beyoncé.

A articulação entre os letramentos midiático, informacional e científico é um dos atuais desafios para a formação de professores. É o que indica a pesquisa desenvolvida por Sheila Freitas Gomes, Juliana Coelho Braga Oliveira Penna e Agnaldo Arroio da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). No artigo Fake News Científicas: Percepção, Persuasão e Letramento, publicado na revista Ciência & Educação em julho de 2020, os pesquisadores mostraram resultados que apontam que o discurso persuasivo, a renda familiar e a escolaridade são elementos que influenciam na credibilidade das falsas notícias científicas.

A pesquisa foi realizada com 232 sujeitos por meio de um questionário on-line constituído por 28 questões. Nesse questionário, havia quatro notícias falsas e apenas uma verdadeira. Além das questões que permitiram traçar um perfil dos sujeitos em relação à renda e formação, os participantes responderam também perguntas sobre a veracidade, a motivação de compartilhamento e como outra pessoa poderia julgar aquela notícia.

 

Fake news e retórica de Aristóteles

A Retórica, junto com a Lógica e Gramática, integrava o trívio, um conjunto de artes fundamentais ensinadas na Idade Média. E é justamente a retórica, a arte de usar a linguagem para comunicar de forma eficaz e persuasiva, um dos elementos que explica o fenômeno do rápido compartilhamento de notícias falsas. Isso porque, conforme compreendia Aristóteles, pela retórica é possível tocar o interlocutor em três frentes: logos, pathos e ethos. O logos é o uso da razão e do raciocínio para a construção de um argumento. O pathos está associado ao apelo emocional do público-alvo. Já o ethos é a maneira com a qual o orador se apresenta como autoridade no assunto.

Em relação às quatro fake news utilizadas na pesquisa, de acordo com os pesquisadores, as respostas dos participantes mostraram que as maiores porcentagens de credibilidade para as notícias falsas concentraram-se naquelas que melhor articularam ethos e logos, pois os jargões científicos e a figura de uma pessoa competente para tratar daquele assunto, como um pesquisador, estão presentes nos textos dessas falsas notícias. Já as fake news que tiveram maior ênfase no pathos não obtiveram muito crédito entre os participantes da pesquisa. Com isso, os pesquisadores mostraram que há uma relação entre a percepção de veracidade de uma fake news científica e a estrutura persuasiva baseada nos elementos da retórica aristotélica.

 

Credibilidade e fatores sociais

Além da estrutura persuasiva, outro aspecto que interfere na credibilidade das fake news é a percepção. Porém, essa capacidade que o ser humano possui de organizar, interpretar, apreender por meio das informações sensoriais é difícil de ser estudada, porque não há uma única forma de percepção. Os modos de interpretação dependem do repertório individual de informações ou de conhecimentos que cada um de nós possuímos. O que se sabe é que quando a percepção se desprende dos fatos e se ancora nas emoções, acaba promovendo uma distorção dos acontecimentos reais.

Uma das perguntas da pesquisa foi: “se fosse apresentada a mesma notícia a outra pessoa, ela consideraria ser fake news?” Para cada uma das notícias falsas apresentadas para os participantes, as porcentagens atribuídas para “em dúvida” e “não”, variaram de 73% a 86%. Isso significa que para os participantes, uma terceira pessoa não seria capaz de saber quando uma notícia fosse inverídica. Os pesquisadores interpretam que os participantes entendem que a capacidade de dar credibilidade a uma informação falsa tem mais peso sobre o outro do que sobre si mesmo. Esse resultado converge para a hipótese da terceira pessoa, onde o sujeito não se percebe prejudicado por influências externas, sendo apenas as outras pessoas influenciadas.

A respeito da relação entre fake news e condições financeiras, os pesquisadores identificaram que quanto menor a renda familiar, maior a probabilidade da pessoa acreditar em uma notícia falsa. Enquanto apenas 7% dos participantes com renda familiar superior a 10 salários mínimos tendiam a acreditar nas notícias falsas, 24% dos sujeitos com renda entre 1 e 2 salários mínimos inclinava-se a acreditar nelas. Conclusões semelhantes foram feitas pelos pesquisadores quando avaliada a relação entre as fake news e a escolaridade dos participantes da pesquisa. Nesse quesito, observou-se que quanto menor a escolaridade, maiores são as chances do sujeito acreditar em notícias falsas, consequentemente, quanto maior o nível de escolarização, essa probabilidade diminui.

 

Letramentos e formação de professores

No campo da Educação, letramento é o desenvolvimento do uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais. Um debate recente no campo da pesquisa em Educação se relaciona aos letramentos informacional e midiático (LIM). O primeiro diz respeito ao processo que integra as ações de localizar, selecionar, acessar, organizar e usar as informações e gerar conhecimento. O segundo se relaciona com a capacidade de compreender as funções da mídia, de avaliar como essas funções são desempenhadas e de engajar-se conscientemente a sua produção. 

O professor e pesquisador Agnaldo Arroio, em entrevista à BALBÚRDIA, comenta as iniciativas da FEUSP de introdução a LIM na formação de professores. Segundo o docente, uma delas foi a criação de uma disciplina optativa no curso de licenciatura em Pedagogia para a introdução desses letramentos, que inclui discussões sobre fake news e deep fake. Sobre a segunda iniciativa, o professor de Metodologia do Ensino de Química relata que “havia uma iniciativa de articulação dos conteúdos de Química com a Mídia. E especificamente neste ano, devido à pandemia, foi proposto que as atividades de regência abordassem a relação entre química e mídia.”

Nesse atual momento em que impera a pós-verdade será com a inserção dos letramentos informacional e midiático articulados ao letramento científico na formação de professores que esses profissionais da Educação poderão formar cidadãos mais autônomos e compromissados com fatos.

 

Ficou interessado? Então leia o artigo: 

GOMES, Sheila Freitas; PENNA, Juliana Coelho Braga de Oliveira; ARROIO, Agnaldo. Fake News Científicas: Percepção, Persuasão e Letramento. Ciênc. educ. (Bauru), Bauru, v. 26, e20018, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ciedu/v26/1516-7313-ciedu-26-e20018.pdf Acessado em 22 Out. 2020.