Aulas de física problematizam a produção de carne e seu impacto no efeito estufa

A crescente demanda por áreas de pastagem e de agricultura extensiva (soja e milho) para produção de ração estimulam o aumento do desmatamento e das queimadas florestais. (Fonte: Montagem própria, com imagens do Pixabaye e do Freepik)

Pesquisadores apontam a importância do uso didático de temas cotidianos polêmicos para a formação do pensamento crítico aliado ao aprendizado dos conceitos científicos.

28 de janeiro de 2021 | 10:00

 

Pina Di Nuovo Sollero

Licenciada em Física pelo IFSP e professora há quase 20 anos. Depois de flertar com a gastronomia por uma vida toda e ter inclusive trabalhado como chefe de cozinha na França, idealizou um projeto interdisciplinar de Ensino de Ciências partindo de questões da culinária para problematizar o conteúdo escolar. Atualmente é mestranda em Ensino de Ciências pelo PIEC-USP e participa do grupo de pesquisa NUPIC (Núcleo de Pesquisas em Inovação Curricular), vinculado ao LAPEF (Laboratório de Pesquisa em Ensino de Física) da Faculdade de Educação da USP. Atua como representante discente da pós-graduação, monitora de disciplina da FE-USP, professora e co-coordenadora de um curso de formação continuada para professores da rede pública do estado de São Paulo, professora de culinária e ciências em francês para turmas do Infantil da rede privada, dançarina amadora de tango, enxadrista online e tia coruja de seus sobrinhos, nascidos em 2020.

A carne é fraca

(sinopse oficial)

Documentário lançado em 2005 e produzido pelo Instituto Nina Rosa sobre os impactos que o ato de comer carne representa para a saúde humana, para os animais e para o meio-ambiente.

A produção de gado de corte vem gerando muitas discussões nos últimos anos por sua relação com as crises ambientais, como a escassez de água, o desmatamento de florestas e as emissões de gases do efeito estufa. Esses problemas são muitas vezes levantados como suporte aos argumentos de quem defende uma abordagem crítica aos nossos atuais meios de produção de alimentos ou, mais enfaticamente, o veganismo. Dentro desse contexto, tem crescido também a demanda por metodologias educacionais que preparem jovens capazes e interessados em refletir sobre um futuro sustentável.

Nesse sentido, os pesquisadores Roberth De-Carvalho, do Departamento de Infraestrutura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC) e Ana Paula Matei, da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina, desenvolveram uma pesquisa científica na área do Ensino de Física, publicada na revista Ciência & Educação, em 2019, intituladaTransversalizando conteúdos de Física no ensino médio: o efeito estufa causado pela pecuária”.

O estudo foi realizado com 15 estudantes do Ensino Médio com aplicação de atividades num plano de 4 ações pedagógicas transversais para avaliar aspectos do ensino baseado na problematização do consumo de carne e seu impacto no efeito estufa. Transversalidade na educação é a possibilidade de aprender sobre questões da vida real; questões essas que são importantes, urgentes e que estão presentes sob várias formas na vida cotidiana, privilegiando seu valor social. 

A Física do efeito estufa

Os pesquisadores propuseram aos alunos a construção de um simulador do efeito estufa, utilizando objetos baratos e de fácil acesso. A atividade permitiu que eles relacionassem os materiais e a sua função dentro da construção experimental com o comportamento do planeta em relação ao efeito estufa. Por exemplo: a lâmpada representava a fonte de energia do Sol, o plástico filme reproduzia a camada protetora da atmosfera, o papel alumínio correspondia às geleiras. Sobretudo, os estudantes conseguiram associar esse fenômeno de aquecimento global com conceitos físicos como os da radiação térmica, que foram explicados em uma aula expositivo-dialogada (aula em que o professor atua como mediador do conhecimento, construindo os conceitos junto com os estudantes). 

De modo geral, a turma classificou o aquecimento do planeta como natural (e necessário para a existência de vida na Terra), mas que está agravado por ações do homem (antrópicas) como o desmatamento e as queimadas, por exemplo. Retomando os aprendizados com a atividade experimental, eles concluíram que os gases do efeito estufa deixam “a ‘capa’ (sic) da atmosfera mais espessa”, retendo mais calor que o necessário. Para além dos conhecimentos científicos de fato apreendidos pelos estudantes, essa atividade permitiu-lhes desenvolver uma postura crítico-social questionadora e uma cidadania muito mais ativa e participativa.

Dados indicam sinal de alerta 

Os estudantes destacaram os “dados alarmantes” (em suas palavras) que os surpreenderam e que fomentaram a reflexão em grupo sobre as implicações de atividades pecuaristas para o efeito estufa. Durante as intervenções, foram discutidas as possíveis consequências globais de comportamentos socioambientais da comunidade local (Blumenau/Santa Catarina). Para começar, foi-lhes apresentado o filme A carne é fraca (2005) que despertou os alunos para questionamentos como o uso da água e de grandes extensões de terra para pasto e produção de grãos para ração.

 Uma das informações que impactou o grupo foi a de que a pecuária seria responsável por 18% do consumo de água no mundo. Em mais detalhes, um slide informava que, segundo um documento do Programa da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Meio Ambiente, a produção de 1kg de carne demanda mais de quatro vezes a quantidade de água necessária para produzir 1kg de arroz (15000 litros contra 3500 litros, em média). Esse espanto ficou visível na fala de um dos estudantes: “Tudo começa na alimentação desses animais porque acabam com a floresta para plantar soja para eles, e para o tanto de água que gasta para plantar a soja. [sic]”

A discussão sobre os dados apresentados foi acompanhada em sala de aula e com a aplicação de forma individual de um questionário com 4 questões abertas referentes ao tema. Os resultados apresentados identificaram, pela transição da linguagem geradora dos discursos socioambientais, que os alunos têm a percepção da ausência de problematização nas aulas de Ciências. As propostas elaboradas pelos estudantes demonstram sua conscientização da necessidade de ampliar a participação da sociedade nesse problema que é de todos.

Temas controversos no Ensino

Todo o levantamento de informações e os debates promovidos nas atividades levaram à formulação pelos discentes de uma lista de sugestões de atividades de conscientização a serem realizadas tanto no ambiente escolar quanto com a sociedade em geral. Nesse sentido, novas atividades sobre esse tema mostram-se pertinentes e urgentes, uma vez que órgãos nacionais e internacionais têm divulgado novos números inquietantes sobre o avanço do desmatamento e das emissões de gases do efeito estufa.

A exploração pedagógica desses temas polêmicos é ainda mais necessária considerando as divergências entre os dados oficiais divulgados e os pronunciamentos de alguns governantes. A escola deve abraçar o papel de ensinar a população a avaliar criticamente as informações que recebe para formar cidadãos capazes de se posicionar e atuar com consciência. 

 

Quer saber mais? Leia o artigo original:

DE-CARVALHO, Roberth; MATEI, Ana Paula. Transversalizando conteúdos de Física no ensino médio: o efeito estufa causado pela pecuária. Ciência & Educação (Bauru),  Bauru, v. 25, n. 1, p. 255-266, Jan. 2019.
Disponível:

 <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-73132019000100255&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 22 nov. 2020.