Opinião Consultiva sobre as Obrigações dos Estados em relação às Mudanças Climáticas: A Relevância da Resolução da Assembleia Geral na Corte Internacional de Justiça

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A crise climática se apresenta como um dos maiores desafios globais contemporâneos, exigindo respostas coordenadas que combinem esforços políticos, científicos e jurídicos. Nesse cenário, a Assembleia Geral das Nações Unidas deu um passo significativo ao adotar, em 29 de março de 2023, a Resolução 77/276. Este marco solicita à Corte Internacional de Justiça, principal órgão judicial das Nações Unidas, uma opinião consultiva sobre as obrigações dos Estados em relação à proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente, em face das emissões antrópicas de gases de efeito estufa. A iniciativa reflete uma crescente demanda da comunidade internacional por instrumentos jurídicos que clarifiquem os direitos e deveres estatais no contexto das mudanças climáticas, bem como reforcem o compromisso coletivo com a sustentabilidade ambiental.

A resolução surge em um momento crítico. Conforme o próprio documento, a ciência tem evidenciado, de forma incontestável, que o aquecimento global é causado, predominantemente, pela ação humana. Conforme relatórios recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, os impactos adversos do clima já estão sendo sentidos em diversos setores e regiões, afetando de maneira desproporcional os países menos desenvolvidos e os pequenos Estados insulares. Estes são os mais vulneráveis, tanto devido às limitações econômicas quanto às suas condições geográficas, enfrentando ameaças existenciais como a elevação do nível do mar, a intensificação de eventos climáticos extremos e a degradação ambiental generalizada.

A proposta de solicitar uma opinião consultiva à CIJ não é uma medida isolada. Trata-se de uma iniciativa que integra um movimento mais amplo, baseado na necessidade de se adotar abordagens multissetoriais e interdisciplinares para enfrentar os desafios climáticos. A iniciativa busca complementar outros instrumentos internacionais, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris, reconhecendo os limites de seus atuais níveis de ambição e implementação. Além disso, o pedido também dialoga com princípios consolidados no direito internacional, como o dever de diligência e o princípio da prevenção de danos significativos ao meio ambiente, que são elementos essenciais na construção de uma governança climática mais robusta.

Objetivos da opinião consultiva

A solicitação de opinião consultiva à CIJ é uma tentativa de trazer maior clareza jurídica sobre as obrigações internacionais dos Estados em relação às mudanças climáticas. Essa clareza é fundamental não apenas para orientar as ações governamentais, mas também para fortalecer os mecanismos de responsabilização nos casos em que Estados, por ação ou omissão, contribuam significativamente para o agravamento da crise climática.

Um dos principais objetivos da opinião é esclarecer como os Estados devem interpretar e aplicar as normas existentes, à luz de tratados como o Acordo de Paris e convenções relacionadas, mas também considerando princípios do direito consuetudinário internacional. Isso inclui o princípio de equidade intergeracional, que enfatiza a obrigação de proteger o ambiente para as futuras gerações, e o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, que reconhece a disparidade histórica nas emissões de gases de efeito estufa entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Embora uma opinião consultiva não tenha caráter vinculativo, ela possui um peso jurídico e moral significativo. Historicamente, opiniões consultivas emitidas pela CIJ têm sido amplamente utilizadas como base para decisões políticas, legislativas e judiciais em nível internacional. No caso específico da crise climática, um parecer que defina claramente as obrigações estatais pode fortalecer negociações multilaterais, impulsionar a adoção de políticas públicas mais ambiciosas e servir como ferramenta de advocacy para organizações não governamentais e movimentos sociais.

Além disso, a relevância da opinião consultiva se estende para além das questões climáticas, envolvendo também dimensões de direitos humanos. A resolução reconhece explicitamente o vínculo entre as mudanças climáticas e a violação de direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, à água potável e a um ambiente limpo, saudável e sustentável. Isso reflete uma abordagem holística, que considera o impacto das mudanças climáticas não apenas como uma questão ambiental, mas também como um problema ético, social e econômico.

A elaboração multilateral da resolução

A Resolução 77/276 é fruto de um processo de construção multilateral que envolveu uma ampla gama de Estados-Membros e outras partes interessadas. A iniciativa foi liderada por Vanuatu, um pequeno Estado insular particularmente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, em colaboração com um grupo central de países de diferentes regiões e níveis de desenvolvimento. Este grupo trabalhou ativamente para elaborar um texto equilibrado, que reflete tanto as preocupações dos Estados mais vulneráveis quanto os interesses dos grandes emissores.

O processo de elaboração da resolução incluiu extensas consultas informais, que permitiram incorporar comentários e sugestões de diversos Estados-Membros. Esse diálogo foi fundamental para alcançar um consenso amplo e garantir o apoio necessário para a adoção da resolução sem votação, demonstrando o compromisso coletivo da comunidade internacional com a ação climática.

Um aspecto notável da construção da resolução é a inclusão de jovens e organizações da sociedade civil no processo. Movimentos como o “World Youth for Climate Justice” desempenharam um papel crucial ao trazer a questão à atenção de governos e organismos internacionais. Isso demonstra como o engajamento das novas gerações tem sido vital para impulsionar a agenda climática global e reafirma a importância de uma abordagem participativa e inclusiva na formulação de políticas públicas.

A adoção da Resolução 77/276 representa um marco importante, mas também inaugura uma nova fase de desafios. O impacto prático do parecer consultivo dependerá, em grande medida, da receptividade dos Estados e de sua disposição para traduzir as orientações da CIJ em ações concretas. Além disso, há o risco de que alguns Estados utilizem o caráter não vinculativo do parecer como justificativa para não implementar mudanças significativas.

Outro desafio reside na complexidade jurídica da questão climática. A determinação de obrigações específicas pode exigir a interpretação de uma série de tratados, princípios consuetudinários e precedentes jurídicos, bem como a consideração de evidências científicas sobre os impactos das mudanças climáticas. Isso coloca uma grande responsabilidade sobre a CIJ, que precisará equilibrar a necessidade de fornecer respostas claras e acessíveis com a profundidade e rigor técnico exigidos pelo tema.

Apesar desses desafios, a solicitação da opinião consultiva à CIJ tem o potencial de gerar impactos positivos duradouros, pois ao fornecer uma base jurídica mais sólida para a governança climática, a opinião pode contribuir para fortalecer a cooperação internacional, aumentar a ambição dos compromissos climáticos e promover maior justiça climática.

A medida jurídica e judicial, portanto, reflete a necessidade urgente de respostas globais coordenadas para enfrentar a crise climática e reafirma o papel central do direito internacional como instrumento para promover justiça e sustentabilidade. Embora o processo esteja apenas começando, a adoção da Resolução 77/276 já envia uma mensagem clara: a comunidade internacional está disposta a utilizar todos os instrumentos disponíveis para proteger o meio ambiente e assegurar um futuro sustentável para as próximas gerações, ao menos em seus formais discursos. A partir dessa iniciativa, espera-se que os Estados reforcem seu compromisso com ações climáticas mais ambiciosas, transformando a opinião consultiva da CIJ em um catalisador para mudanças efetivas em nível global, a começar pela contribuição brasileira.