Karim Khan toma posse como Procurador do Tribunal Penal Internacional. O que o espera?

Greger Ravik 30 June 2019 https://www.flickr.com/photos/gregerravik/48506086436/in/photostream/

Na quarta-feira, 16 de junho, um novo Procurador tomou posse no Tribunal Penal Internacional (TPI). Karim Asad Ahmad Khan QC foi eleito para este cargo pela Assembleia dos Estados Partes do Estatuto de Roma em 12 de fevereiro de 2021 na décima nona sessão reiniciada. A primeira parte da sessão, realizada em dezembro de 2020, não elegeu o novo Procurador do TPI.

Seguindo Luis Moreno Ocampo (2003-2012) e Fatou Bensouda (2012-2021) – que atuou como Vice-Procuradora durante o mandato de Ocampo –, Khan é o terceiro Procurador do TPI.

Enquanto Bensouda representou uma continuação da administração anterior do Gabinete do Procurador (OTP), Karim Khan nos dá a esperança de uma nova orientação muito necessária. Khan é advogado criminal internacional e trabalhou nos últimos anos como conselheiro especial e chefe da equipe de investigação da ONU para promover a responsabilização por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos pelo Estado Islâmico no Iraque (UNITAD). Ele atuou como advogado no Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (ICTY), no Tribunal Penal Internacional para Ruanda (ICTR), no Tribunal Penal Internacional (ICC), nas Câmaras Extraordinárias nas Cortes do Camboja (ECCC) e no Tribunal Especial para o Líbano (STL). No ICTY e no ICTR, Khan também atuou como conselheiro jurídico do OTP.

O trabalho que se espera de Karim Khan não é fácil. Só neste ano, Bensouda concluiu exames preliminares e solicitou investigações sobre duas situações que serão desafiadoras para o TPI: a primeira é da Palestina, que se refere a ações perpetradas por Israel, Hamas e outros grupos armados palestinos; e a segunda é a das Filipinas, aberta por Bensouda dois dias antes de ela deixar o cargo, que tem como alvo a campanha do governo filipino de “guerra às drogas”. Isso sem falar na investigação do Afeganistão, que já tem se provado difícil para o TPI.

Vejamos as atividades do OTP[1] que estão pela frente para Karim Khan:

Exames preliminares

Em cinza escuro estão as situações encerradas na fase de exame preliminares. Em azul estão as situações em andamento. Fonte: https://www.icc-cpi.int/pages/pe.aspx

 

Existem atualmente nove situações nas fases dois e três dos exames preliminares.

A Fase 1 compreende a avaliação inicial das denúncias recebidas por meio de comunicações nos termos do artigo 15 do Estatuto de Roma. Nesta fase, o OTP verifica as informações, filtra os crimes que não estão sob a jurisdição do Tribunal, ao mesmo tempo que verifica se existem crimes que se enquadram na sua jurisdição. Mesmo que o foco da Fase 1 seja na jurisdição relativa à matéria, sua “avaliação também pode considerar questões de gravidade e complementaridade onde parecem relevantes”.[2]

A Fase 2 marca formalmente o início dos exames preliminares. Para situações não desencadeadas pelas comunicações feitas sob o artigo 15, que envolvem as informações encaminadas por um Estado Parte ou pelo Conselho de Segurança, declarações apresentadas nos termos do artigo 12(3) e depoimentos realizados no Tribunal –, esta é a primeira etapa do processo. Nela, o OTP analisa “se as condições prévias para o exercício da jurisdição nos termos do artigo 12 foram satisfeitas e se há uma base razoável para acreditar que os alegados crimes se enquadram na jurisdição do Tribunal.”[3]

Duas situações estão na Fase 2: Venezuela II e o Estado Plurinacional da Bolívia.

Uma vez analisado se os crimes em questão são da competência do Tribunal, na Fase 3, é realizado o exame de admissibilidade. Durante este processo, dois critérios estão sob escrutínio: a complementaridade (artigo 17 (1) (a-c)) e a gravidade (artigo 17 (1) (d)).[4]

A ideia de complementaridade é a de que os Estados têm a responsabilidade primária de exercer a jurisdição criminal. A complementaridade é um aspecto da admissibilidade que às vezes causa confusão. A noção de complementaridade não implica o esgotamento dos recursos internos, critério geralmente utilizado pelos tribunais internacionais de direitos humanos. A complementaridade pressupõe verificar se existe (ou existiu) um julgamento da situação em questão no nível nacional. Caso exista, a análise do OTP visa verificar se algum dos cenários previstos no artigo 17(1) está presente.

O critério de gravidade é um limite para excluir casos considerados de menor significância. No entanto, não há um número determinado de vítimas para estabelecer se o limite de gravidade foi atingido. Na  decisão sobre o desafio de admissibilidade pelo critério de gravidade relativo ao Caso Al Hassan, a Câmara de Apelações afirmou que, embora o aspecto quantitativo seja relevante, ele não pode ser determinante para estabelecer a gravidade da situação. Portanto, essa avaliação deve ser holística, incorporando elementos quantitativos e qualitativos. Por outro lado, os componentes qualitativos estariam relacionados com a natureza dos crimes, o grau de responsabilidade do autor, os motivos etc. Assim, após avaliar a gravidade em seus aspectos quantitativo e qualitativo, a Corte, apesar de ter jurisdição sobre o caso e de este cumprir os critérios de admissibilidade, pode não lhe dar prosseguimento por entendê-lo de menor gravidade. A avaliação da gravidade talvez seja a chave para nos ajudar a compreender que nem toda violação em massa de direitos humanos será julgada no TPI.

Três situações estão na Fase 3: Colômbia, Guiné, Venezuela I.

A fase final dos exames preliminares é a Fase 4, na qual o OTP avalia os interesses da justiça. Esta avaliação fornece a base para o Promotor determinar se deve iniciar uma investigação de acordo com o artigo 53(1).

O artigo 53(1)(c) do Estatuto de Roma apresenta um último parâmetro para a conclusão dos exames preliminares: os interesses da justiça. Essa consideração já foi discutida em um policy paper de 2007 e pressupõe o exercício da discricionariedade do OTP para prosseguir ou não com a investigação com base nos fatos e circunstâncias da situação, mesmo que todos os outros critérios tenham sido atendidos.

Uma situação está na Fase 4: Nigéria.

Os exames preliminares das situações da Ucrânia e da República das Filipinas já foram concluídos. O OTP solicitou à Câmara de Pré-Julgamento para abrir investigações para ambas as situações, respectivamente em 11 de dezembro de 2020 e 14 de junho de 2021.

Investigações

Fonte: https://www.icc-cpi.int/pages/situation.aspx

 

Durante a fase de investigação, diferente dos exames preliminares, o Procurador goza de toda a gama de poderes conferidos pelo artigo 54 do Estatuto de Roma. É nesta fase que o OTP faz uma análise aprofundada procurando identificar todos os crimes cometidos e os indivíduos a eles associados. “Uma vez que o OTP considere que tem evidências suficientes para provar perante os juízes que um indivíduo é responsável por um crime na jurisdição do Tribunal, o Gabinete [do Procurador] solicitará que os juízes emitam um mandado de prisão ou uma intimação para comparecer.”[5]

Existem atualmente 14 situações sob investigação:

Casos

Atualmente, o número de casos do TPI consiste em 14 na fase de pré-julgamento, 3 em julgamento e 1 no estágio de apelação.

Os casos em pré-julgamento estão em preparação para o início do julgamento ou aguardando que um réu apareça ou seja preso e entregue ao TPI.

Pré-Julgamento

Costa do MarfimCaso Gbagbo
República Centro Africana IICaso Said Abdel Kani (sob custódia)
República Democrática do CongoCaso Mudacumura
LíbiaCaso Al-Werfalli
Caso Gaddafi
Caso Khaled
QuêniaCaso Barasa
Caso Bett
Caso Gicheru (sob custódia)
Darfur, SudãoCaso Al Bashir
Caso Ali Abd-Al-Rahman (sob custódia)
Caso Harun
Caso Hussein
UgandaCaso Kony et al

Julgamento

República Centro Africana IICaso Yekatom e Ngaïssona
MaliCaso Al Hassan
Darfur, SudãoCaso Banda

Apelação

Uganda

Caso Ongwen


[1] A informação que segue está baseada no relatório de exames preliminares de 2020 do Gabinete do Procurador, publicado em dezembro de 2020 e atualizado conforme os documentos e informações publicadas no site do TPI.

[2] Relatório de 2020 sobre os Exames Preliminares do Gabinte do Procurador, para. 27.

[3] Policy Paper do Gabinte do Procurador sobre Exames Preliminares, para. 80.

[4] Policy Paper do Gabinte do Procurador sobre Exames Preliminares, para. 42.

[5] https://www.icc-cpi.int/about/otp.