Após períodos de guerra, reconstrução mental pode ser mais difícil que a material

 

Segundo Leila Salomão Cury Tardivo, acontecimentos durante um conflito sempre afetam a população de alguma forma, causando impactos sobretudo em crianças

Mesmo com certa capacidade da mente humana de se adaptar diante de adversidades da vida, mudanças drásticas e violentas em excesso causam efeitos terríveis – Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Cerca de 9% a 10% das populações civis que enfrentam situações de guerra, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), podem desenvolver algum transtorno de saúde mental de moderado a grave. Entre eles, está o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) ou Síndrome Pós-Traumática, que exigem um tratamento profissional.

Leila Salomão Cury Tardivo, professora do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo e integrante da Academia Paulista de Psicologia (APP), afirma que os acontecimentos durante um conflito sempre afetam a população de alguma forma. Além disso, há um impacto mais intenso na parcela das pessoas e das crianças que vivenciam essa situação com maior proximidade. “Nessa situação, todos sofrem, mas nem todos vão adoecer da mesma maneira”, explica.

Impactos psicológicos 

Mesmo com certa capacidade da mente humana de se adaptar diante de adversidades da vida, a professora explica que mudanças drásticas e violentas em excesso causam efeitos terríveis. “Na verdade, não tem como se adaptar, porque é algo que muda completamente a vida. Então, o que a gente observa é que quem vive nessas regiões já tem, nas casas ou nas ruas, bunkers para se proteger, mas um conflito de repente é um desastre”, analisa Leila.

Diante dessas situações, a especialista menciona a psicologia da urgência de emergência e do desastre, na medida em que se estabelece um excesso de adversidades que comprometem toda a sua segurança e das pessoas que você ama. Assim, podem dificultar e até mesmo impossibilitar a adaptabilidade.

O grande índice de quase 50% da população palestina com menos de 16 e 17 anos, principalmente na Faixa de Gaza, agrava ainda mais os impactos psicológicos e o desenvolvimento. Assim como o papel dos pais que tentam acolher e proteger, de alguma forma, seus filhos.

A professora também acrescenta que crianças e idosos com quadros anteriores de depressão ou ansiedade apresentam maior chance de desenvolver o transtorno. Outros fatores são as condições e estrutura em que o acontecimento foi vivenciado pelo indivíduo. Um exemplo brasileiro mencionado por Leila é o caso das enchentes e suas consequências, além dos casos de violência estrutural.

Tratamento e reconstrução 

Mesmo submetidas a situações de excesso, nem todas as pessoas desenvolvem e vivenciam na mesma intensidade o Transtorno de Estresse Pós-Traumático. “Na época da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, falava-se das neuroses de guerra: pessoas vivenciam a realidade mesmo após o conflito, então, escutam os barulhos, têm sintomas somáticos, psicológicos – como uma ansiedade e medo exagerado – e físicos de dor no corpo”, exemplifica Leila.

Com um sentimento de insegurança e medo generalizado, o processo de reconstrução da saúde mental, por vezes, é mais trabalhoso que a material. “Esse processo de reconstrução vai requerer um esforço muito grande de política pública mesmo, envolvendo profissionais, inclusive, de outros países”, considera a especialista.

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