Ataques nas escolas reproduz violência social e desigualdades históricas

 

Foto: Anderson Coelho / AFP

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”.A frase de Paulo Freire, patrono da educação brasileira, poderia ser usada para explicar o fenômeno da violência dentro das escolas, que explodiu nas últimas semanas com atentados e mortes em São Paulo (SP) e Blumenau (SC), mas até as palavras de um dos principais nomes da educação mundial parecessem insuficientes para compreender como vítimas da violência social encontram na escola, o ambiente para reprodução de agressões vividas, fora dos muros dos colégios e creches, com atos extremos contra professores e crianças inocentes.

A tentativa de encontrar uma causalidade única para um fenômeno tão impactante é inútil e perigosa. Relacionamentos, conversas com os pais ou as redes sociais, a problemática que envolve a violência inesperada dentro do ambiente escolar, supostamente seguro, é um tema extremamente complexo tanto no campo racional como na área emocional, onde explodem os sentimentos da insegurança de pais e filhos sobre o dia de amanhã.

“Eleger um elemento da realidade como causa seria encobridor a multiplicidade que produz um fenômeno. Essa é uma ideia central para pensarmos nas situações que estão acontecendo. Necessariamente, isso tem relação com muitos elementos da história e do presente”, comentou a psicóloga e professora Carolina Terruggi Martinez, mestre em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo).

Martinez avalia que casos de ameaças e ataques nas escolas têm relação com a maneira como lidamos com vários tipos de violência, de maneira precária, inclusive “reforçando e reverberando” os diferentes tipos de agressões, como racismo, LGBTfobia, capacitismo e machismo.

“Para enfrentar anos de produção histórica de violências constitutivas da sociedade brasileira, nós precisamos de recursos, de prática e de tempo. É urgente, mas não é simples. Precisamos lidar com isso no campo jurídico, com diálogo e com políticas mais inclusivas nos espaços que frequentamos”, completou.

Questionada sobre “bullying”, a psicóloga alertou que a expressão se tornou comum na educação e pode ser usada para encobrir outros tipos de violência e preconceito.“Precisa ter cuidado para não colocar tudo no pacote do bullying, pois se não o enfrentamento será superficial de violências que são estruturantes na nossa sociedade e que precisam ser nomeadas para ter enfrentamento específico. O bullying é uma das violências que se estabelecem no ambiente escolar, mas não a única.”

FAMÍLIA

Martinez ponderou que a família é um dos espaços importantes para o processo de escuta e construção dos sujeitos, mas lembrou que não são todas as crianças que contam com esse ambiente e outras que convivem em locais que reproduzem a violência.

“No mundo ideal, a gente pensa na família como lugar onde possa ter diálogo, vínculos fortalecidos e não pautados pela violência. Mas, para isso, é necessário pensar em políticas sociais mais amplas, pois a família não está apartada das problemáticas que vivemos. Por exemplo, precisamos enfrentar a violência de gênero para que isso possa mudar a cultura da violência contra mulher e diminuir os casos no âmbito doméstico”, analisou.

Ela ainda destacou a necessidade de participação dos pais neste processo. “Para os pais que vieram de relações violentas, se relacionam de forma violenta, não adianta a gente exigir a construção de outro tipo de relação com filhos. Isso é trabalhoso e pede suporte, rede, acolhimento, espaço de convivência e de reflexão sobre as relações que se estabelecem no ambiente domiciliar. A família precisa ser um ambiente acolhedor, claro que entendemos dessa forma, mas como é que a gente chega lá? Isso vai levar a problemática para o campo social”, comentou.

A psicóloga ressaltou que os sofrimentos e angústia dos adolescentes e jovens aparecem, primeiro, nas escolas, por isso é fundamental a escuta dos estudantes e diálogos sobre questões do contemporâneas nos colégios, como ansiedade, a sociedade acelerada, competitiva, a cultura armamentista e as redes sociais.

“Defendemos o fortalecimento da rede de saúde mental e ampliação do acesso ao atendimento psicológico, mas não de maneira isolada, pois precisamos discutir o que está produzindo esse sofrimento nos jovens e conversar sobre as problemáticas da sociedade e o futuro desses jovens, quais as perspectivas profissionais, acadêmicas e de vida.”

“Não adianta colocar policial fardado na porta da escola”, diz diretora da APP

A secretária educacional da direção estadual da APP-Sindicato, Vanda Bandeira Santana, afirmou que a onda de violência nas escolas merece reflexão coletiva, com participação do governo e de representantes de áreas como saúde e assistência social.

Ela ressaltou que a escola não é um ambiente violento, mas um espaço de convivência e respeito às diferenças, mas quando as agressões passam a fazer parte dos colégios por pessoas externas ou internas, é necessário um trabalho em conjunto e especializado com rede multidisciplinar para atendimento das vítimas e dos responsáveis pela violência

“Não é simples. Não adianta colocar um policial fardado na porta da escola. Não dá para jogar na polícia essa responsabilidade”, afirmou a diretora do sindicato que representa os professores estaduais.

Na avaliação dela, a sociedade atual cria comportamentos violentos por meio da concorrência e disputa. Ao contrário disso, a escola pode mostrar que é possível produzir e ter sucesso com bases no respeito e na solidariedade.

“Para que a escola seja efetivamente humanizada e humanizadora com qualidade social é necessário ter organização do tempo e do currículo para promover respeito mútuo entre os alunos. Somado ao conhecimento científico, aprender a conviver, trocar experiências e adquirir saberes da vida. Não dá pra ter conteúdos que promovam a concorrência e metas, sem levar em conta as condições sociais do aluno”, criticou.

REDES SOCIAIS

Santana lembrou que as redes sociais preocupam pais, responsáveis e educadores, mas pondera que o controle sobre o mundo virtual é praticamente impossível. Por isso, ela faz um alerta sobre os desafios nas redes sociais entre os jovens e recorda do caso da Baleia Azul, que assustou a comunidade escolar por conta da “brincadeira” de automutilação entre crianças e adolescentes.

Pelas redes sociais e aplicativos de mensagens, alunos envolvidos em ameaças e ataques também teriam tido contato com conteúdos nazistas e de grupos de extrema direita, de acordo com a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), o que teria relação com o aumento no número de casos de ameaças e atentados nas escolas.

“No Brasil, são mais de mil células nazistas que propagam discursos de ódio pelo extermínio do diferente, como negro, nordestinos, gays e mulheres”, alertou a diretora da APP.

Por: Rafael Fantin, para Folha de Londrina, 05/04/2023