Jogos violentos podem dessensibilizar a noção de violência

A determinação do impacto do consumo de jogos violentos ainda precisa de muita pesquisa – Foto: Freepik

Filmes violentos foram alvos de longa data de um questionamento: eles podem influenciar numa maior agressividade do espectador? Até hoje, existem estudos que pendem para ambos os lados, mas o alvo é outro: os videogames. “O consumo da violência via televisão é passivo, enquanto o consumo da violência no videogame é ativo. Então, quando você está jogando um jogo violento, você está praticando a violência, ainda que nesse universo simulado”, coloca a pesquisadora Luiza Chagas Brandão, doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP.

Um relatório de 2015 da Associação Americana de Psicologia havia encontrado uma “relação consistente entre o uso de videogames violentos e o aumento de comportamentos e afetos agressivos”. Porém, a mesma instituição, em 2020, retificou a problemática, colocando que as evidências científicas eram insuficientes para comprovar tal ligação.“No videogame, ela canaliza uma violência que ela não consegue usar no mundo real e, de fato, é muito menos danoso do que fazer isso no mundo real. Mas, independentemente dessa contenção de danos, a pessoa ainda vai ter um impacto direto do jogo violento de videogame”, complementa Luiza.

Caráter violento

A especialista aponta, em primeiro lugar, para o caráter complexo e multifacetado da violência: “É importante ressaltar que a violência é um fenômeno complexo e multideterminado. A gente não consegue dizer que este evento específico é o único responsável pela violência. A violência é um construto que vai depender de diversos fatores”. Por essa razão, é difícil apontar um fator específico para o ocasionamento do comportamento agressivo.

Além disso, outro ponto importante é a presença da cultura nessa situação. Ela serve como mediadora, determinando, em partes, o que seria correto ou não. Porém, como se trata de um fenômeno dependente de diversas variáveis, leva-se em conta fatores de dois grupos: “Quanto mais fatores de risco, mais suscetível essa pessoa está para esses impactos do jogo violento, e quanto mais fatores de proteção, mais essa pessoa vai se protegendo desses fatores de risco. Por isso que a gente não consegue fazer associações diretas de ‘tal jogo leva as pessoas a cometerem atos violentos’ ”, diz a pesquisadora.

Dessensibilização

Uma das consequências colocadas é que, além da possível influência da temática violenta no aumento do comportamento agressivo, também há a possibilidade de uma dessensibilização. “O outro ponto que também se relaciona com o consumo de mídia violenta via televisão ou até via esportes violentos é o fenômeno chamado dessensibilização para a violência. Dessensibilização é quando você é exposto a um determinado estímulo com frequência e ele vai perdendo o impacto que tem sobre si. A violência, num primeiro momento, costuma causar algum tipo de reação, a gente costuma querer se afastar dela na medida em que eu vou consumindo violência, mas, desse jeito, eu vou normalizando a presença da violência no dia a dia”, explica Luiza.

A determinação do impacto do consumo de jogos violentos ainda precisa de muita pesquisa devido à presença de diversos fatores que influenciam diretamente no indivíduo. “Essas associações são falsas porque elas são simplistas. É uma série de fatores de risco e de elementos que vão se somando num nível inconsciente: absolutamente qualquer pessoa pode ser influenciada pelo consumo de mídias violentas, independentemente dela estar raciocinando ou não sobre isso”, comenta a doutora.

Por Alessandra Ueno, para Jornal da USP, 11/04/2023