O efeito multiplicador da formação de professores

Atividades envolvendo temas e questões sociocientíficas ajudam a desenvolver a argumentação dos estudantes, uma contribuição de professoras e professores de ciências para além dos conteúdos conceituais. Créditos: studiogstock. Fonte: freepik.com

BALBÚRDIA retrô: estamos publicando no site textos divulgados exclusivamente nos nossos números digitais anteriores. No texto abaixo, divulgado no número 3, o egresso do PIEC José Otávio Baldinato apresenta reflexões realizadas a partir de sua atuação como formador de professores.

José Otavio Baldinato nasceu em Carapicuíba/SP em 1983 e frequentou escolas públicas ao longo de toda a vida. É licenciado em Química pela USP, mestre e doutor em Ensino de Ciências pela mesma Universidade. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (campus São Paulo) e coordenador do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática (ENCiMA). Tem experiência na interface entre história da ciência e ensino, tratando também do uso de questões sociocientíficas como estratégia para a revisão dos conteúdos de ensino de ciências. Orienta trabalhos de Mestrado e Iniciação Científica junto ao Grupo Faraday de Pesquisa em História da Ciência. É pai da Sofia, 7, e do Heitor, 4, e se orgulha de ter contribuído na formação de quase uma dezena de professoras que hoje são discentes ou egressas do PIEC.

4 de julho de 2022|10:00

Fiquei muito contente com o convite para inaugurar essa coluna de egressos do PIEC na BALBÚRDIA.

A ideia de dar visibilidade aos projetos tocados por ex-alunos(as) deve trazer ótimos frutos, revelando a influência do Programa numa comunidade cada vez mais engajada de professores/pesquisadores do Ensino de Ciências.

Fiz mestrado no PIEC entre 2006 e 2009 e doutorado entre 2011 e 2015, sempre contando com a orientação do Prof. Paulo Porto. Trabalhei na interface entre História da Ciência e Ensino, pesquisando a atuação de Michael Faraday e outras iniciativas de divulgação da Química na Inglaterra de 1800. A conclusão do mestrado me permitiu ingressar como docente no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), para atuar na formação de professores em paralelo às aulas que continuei ministrando no Ensino Médio.

A experiência de orientar estágios e de ter contato com mais escolas foi me convencendo que, em muitos casos, não é ensinando conteúdos conceituais que as professoras e professores de ciências darão sua melhor contribuição à educação escolar. Seria melhor investirmos em compromissos compartilhados com colegas das demais áreas. Falo de compromissos como:

  • - formar melhores leitores, de palavras, notícias, livros e do mundo;
  • - desenvolver a argumentação dos estudantes, aprendendo a ouvir, criticar, buscar dados e fundamentar nossas ideias;
  • - estimular a criticidade, questionando fontes de informação e buscando entendimentos amplos sobre questões de interesse;
  • - valorizar a diversidade cultural, reconhecendo também as ciências naturais como elemento da cultura, que pode ser apreciado com senso estético.

Acredito que essas e outras metas educacionais compartilhadas podem ajudar a combater o negacionismo científico, sobre o qual há muito para ler nesta edição (número 3) da BALBÚRDIA.

De minha parte, tenho orientado pesquisas de mestrado e iniciação científica no IFSP que exploram esses compromissos, e o artifício que usamos são as questões sociocientíficas (QSC).

A ideia básica é organizar o ensino partindo não dos conceitos científicos, mas de um problema, notícia, tema ou acontecimento que seja socialmente relevante para os alunos e que possa ser melhor entendido mediante o estudo de aspectos científicos. 

Essa ideia não é nova, mas ainda não foi incorporada ao senso comum de professores e alunos. Por isso requer estudo, paciência e perseverança. Ainda bem que os resultados são animadores!

O primeiro projeto de mestrado que orientei nessa linha foi o do Prof. Rodrigo dos Santos, que explorou o uso de charges para levar QSC aos seus alunos do 9º ano de uma escola municipal. Estimulando a interpretação das charges e notícias vinculadas, o Rodrigo conseguiu aliar o desenvolvimento da competência leitora dos estudantes a uma aprendizagem contextualizada de ciências. Ele testou a proposta com episódios sobre adulteração de leite e a tensão ligada às armas nucleares, depois compilou um catálogo de charges que permite explorar diversas outras questões. O relato dessa experiência compõe a dissertação intitulada “O uso de Charges no Ensino de Ciências nas Séries Finais do Ensino Fundamental” e a coletânea de charges é um dos anexos dessa dissertação. 

Já no contexto do projeto Inova, da Secretaria de Educação de São Paulo, a mestranda Luzia Aguiar propôs uma disciplina eletiva sobre “Efeitos Sociocientíficos das Drogas”, coordenando atividades de pesquisa e debates que visavam, explicitamente, conciliar a aprendizagem de ciências com o desenvolvimento de habilidades argumentativas. Além da dificuldade de encerrar as aulas devido ao forte engajamento dos alunos e alunas, ao final eles demonstraram perceber que estavam melhor informados e mais dispostos ao diálogo, respeitando opiniões divergentes, mas buscando argumentar de maneira sustentada em fatos e evidências. Isso é coisa rara hoje em dia, não?

Outras pesquisas em andamento exploram a controversa indústria de plásticos e o potencial desse modelo de abordagem na EJA (Educação de Jovens e Adultos) e na Educação Profissional de Nível Médio.

Nesse projeto de formação de professores, o essencial é aceitar que a apropriação dos temas e questões sociocientíficas é mais importante que o domínio técnico dos conceitos científicos. Os conteúdos das ciências se tornam subordinados aos temas sociais e são esses últimos que organizam o currículo. Isso é parte da noção de “contextualização” que aprendi com a Profa. Maria Eunice Ribeiro Marcondes no PIEC, e que estou tentando levar adiante.

Agradeço aos colegas da Editoria da BALBÚRDIA pela oportunidade de compartilhar essas ideias.

Abraços e fiquem bem,

Zé Otavio.