Universidade sob ataque: a nova onda da direita brasileira

Obra resenhada: LEHER, Roberto. Autoritarismo contra a universidade: o desafio de popularizar a defesa da Educação pública. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, Expressão Popular, 2019.

24 de fevereiro de 2022 | 18:00

Caian Cremasco Receputi

Olá pessoal. Meu nome é Caian Cremasco Receputi. Sou Licenciado em Química pela UFES e mestre em Ensino de Ciências PIEC-USP. Durante a graduação foi bolsista de Iniciação à Docência no PIBID e, posteriormente, atuei como professor substituto na universidade em que me formei. Atualmente curso o Doutorado no PIEC-USP. Tenho interesse pelos temas de Educação e Política. Tenho grande admiração pelas lutas travadas por Paulo Freire e Florestan Fernandes. Nas horas livres gosto de ler um livro ou assistir a um filme. Sigo lutando para que um dia a Educação se torne um projeto que vise à emancipação do povo em nosso país.

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Nos últimos anos temos presenciado a ascensão de governos de extrema direita em diversos países (por exemplo, EUA, Alemanha, Suécia, Bolívia...). No Brasil não foi diferente. Desde o golpe perpetrado pelos velhos setores dominantes, que desencadeou no impedimento da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, passamos pelo Governo interino de Michel Temer (2016 - 2018) e a eleição de Jair Bolsonaro (em 2018). Algo comum a estes Governos é a adesão ao sistema econômico neoliberal[1]. A lógica inerente a esse sistema preza pela privatização do sistema público de ensino. Não é à toa que tanto o Governo Temer quanto o Governo Bolsonaro realizaram ataques à Educação. Dentre os inúmeros ataques podemos citar a Lei nº 13.415 aprovada em 2017[2]. Em síntese, essa lei estabelece alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no que diz respeito à estrutura do ensino médio.

Em um primeiro olhar, esses ataques à Educação, Ciência e Tecnologia parecem contraditórios com o consenso disseminado nas sociedades sobre a importância estratégica do conhecimento para o desenvolvimento das nações e bem-estar da população. Mesmo na ditadura empresarial-militar (1964-1985) houve um amplo investimento em setores estratégicos como energia nuclear, satélites, petróleo, engenharia, aviação, metalurgia entre outros que acabaram por ampliar o sistema brasileiro de pós-graduação.

Nesse sentido, o que levou o Governo Bolsonaro a privilegiar como uma das primeiras arenas de conflito a Educação, a Ciência e a Cultura? É a essa pergunta que Roberto Leher, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tentou responder no livro Autoritarismo contra a universidade: o desafio de popularizar a defesa da Educação pública, publicado em 2019, em uma parceria entre a Fundação Rosa Luxemburgo e a Editora Expressão Popular[3].

O livro é organizado em cinco capítulos. No primeiro capítulo, Leher analisa a formação do Governo Bolsonaro e suas relações com a Educação. Esse governo é constituído de representantes de bancos, de organizações financeiras, do agronegócio exportador, de atacadistas, além de grupos fundamentalistas (pentecostais e neopentecostais). Os ataques ao Ensino Superior normalmente são justificados por uma série de ideologias (por exemplo, o globalismo, a ideologia de gênero, o marxismo cultural) que, em síntese, visam combater uma suposta conspiração comunista contra os valores e os bons costumes da sociedade brasileira. É possível caracterizar os ataques em dois eixos, os de tipo orçamentário[4] e os de tipo simbólico[5]

Nos capítulos 2 e 3, o autor analisa o papel da universidade dentro do atual sistema econômico nacional e internacional, e as mediações requeridas entre a Ciência e a Tecnologia. Leher argumenta que a classe dominante brasileira aceitou desempenhar um papel submisso aos países centrais do sistema capitalista. Nessa nova relação entre capital nacional e estrangeiro, as universidades perderiam sua função de pensamento crítico, de construção de conhecimentos para assumir uma função utilitarista de desenvolvimento de produtos e tecnologias, relacionada ao modelo de universidade como prestadora de serviços à ‘sociedade’. 

Decorre desse novo tipo de universidade a ‘possibilidade’ de se destinar uma quantidade menor de verbas, inclusive para forçar a realização de parcerias público-privado entre as universidades e as empresas. A diminuição de verbas para o ensino público é, inclusive, uma das exigências do mercado, que veem como uma possibilidade de investimento, principalmente com o desenvolvimento do Ensino à Distância. Entretanto, as parcerias anteriormente mencionadas ferem a autonomia universitária, além de enviesar a pesquisa aos interesses privados do mercado, em contraposição aos interesses coletivos da sociedade, aspecto tratado no capítulo 4 do livro.

No último capítulo, Leher argumenta que só será possível superar esses ataques por meio da luta antimercantil da Educação, que para além da universidade deve agregar a mobilização dos trabalhadores, organizados em movimentos sociais, partidos e sindicatos. Propõe uma pedagogia crítica para transformar as relações entre empresa, universidade e movimentos sociais, resgatando as experiências baseadas na secularização da vida, na laicidade e no uso crítico da razão para superar a atual barbárie que se instala na sociedade brasileira.

Portanto, este é um livro indispensável para aqueles que buscam refletir sobre o papel da universidade, do conhecimento científico e suas relações com a sociedade, além de dar importantes contribuições para entendermos o atual cenário de desmonte da Educação.


[1] Um Governo neoliberal tende a privilegiar ações de privatização, de austeridade fiscal e de corte de despesas governamentais a fim de reforçar o papel do setor privado na economia, o que acaba intensificando a precarização da maior parte da população. Nas últimas décadas, os sistemas de Educação e a Saúde têm sido cada vez mais empurrados para a lógica da privatização.

[2] O novo Ensino Médio será implementado nas escolas públicas e privadas do país a partir de 2022, de forma progressiva, inicialmente com as 1ª séries do Ensino Médio e, posteriormente, com as demais séries. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm>.

[3] Este livro faz parte da Coleção Emergências, uma série de livros que visa discutir os problemas candentes ao povo brasileiro.

[4] Com os cortes realizados em 2019 e 2020 e, na tentativa de se implementar o Programa “Future-se”, que acarretaria, entre outras coisas, na privatização do Ensino Superior.

[5] Desrespeito às escolhas das comunidades universitárias em relação aos seus dirigentes, acusações de que as universidades gastam demais e não realizam pesquisas, de que é um lugar de doutrinação ideológica, de fomento ao comportamento sexual fora dos padrões tidos como compatíveis à moralidade cristã.