O atraso de bolsas dos programas PIBID e RP e o impacto na formação de professores: há razões para se preocupar?

Protesto de manifestantes, análogo ao realizado em outubro de 2021 pelos integrantes da UNE com o objetivo de cobrar do Governo os pagamentos atrasados de bolsas dos estudantes. Fonte: nappy. Crédito: Brea Soul @breasoul, Domínio Público.

O atraso no pagamento das bolsas dos estudantes não é de hoje. Mas qual o impacto que estes atrasos podem gerar na formação profissional?

30 de março de 2020 | 11:00

Mikaella Rocchigiani Magnavita dos Santos é licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), mestranda do curso de Pós-Graduação em Educação de Ciências e Matemática - UESC, especificamente na linha de pesquisa voltada para Formação de Professores, com ênfase no Ensino de Ciências. É bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e vem se debruçando sobre a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica, a fim de contribuir com as discussões e a melhoria dos programas que integram tal Política.

Como um reflexo assombroso dos últimos tempos, o ano de 2021 foi palco de sucessivos e violentos cortes nas verbas destinadas não só a Ciências e Tecnologia, mas à educação como um todo. Esse movimento orquestrado por um governo que flerta cada vez mais com a privatização da educação e que possui posicionamentos negacionistas e antidemocráticos atingiu desde as escolas de nível básico até as instituições de nível superior, provocando prejuízos nos mais variados níveis de Ensino e propagando um sentimento inquietante de desmonte a um serviço dito essencial. 

No que tange o nível superior, especificamente os cursos de formação de professores, esses cortes tiveram impacto direto nas bolsas destinadas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e ao Programa de Residência Pedagógica (RP), os quais são fomentados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ao promover uma parceria entre universidade e escolas e o intercâmbio de saberes, estes programas atuam na melhoria do processo formativo dos futuros docentes e, consequentemente, da qualidade da educação básica.

Ambos os programas oferecem bolsas no valor de R$ 400,00 aos estudantes dos cursos de licenciatura, sendo que este valor irrisório não é ajustado desde a sua criação. Logo, mesmo com este auxílio o valor da bolsa concedida ainda representa um desafio à permanência dos discentes em seus respectivos cursos, visto que muitos se utilizam de tal valor para custear o deslocamento, alimentação, materiais de estudo, entre outros serviços básicos relacionados às suas atividades acadêmicas e à esfera da vida pessoal.

Como se não bastasse, como manobra de um projeto cada vez mais claro e acentuado de sucateamento e desmonte da educação superior no Brasil, os recursos destinados ao pagamento das bolsas referente ao mês de setembro de 2021 não foram suficientes, fazendo com que os cerca de 60 mil estudantes ficassem sem remuneração pelas atividades realizadas. O “calote” sofrido em tempo de crise sanitária pelos estudantes se estendeu à medida que o tempo transcorreu. E isto em um contexto pandêmico da Covid-19, no qual os estudantes bolsistas não tiveram direito ao recebimento do Auxílio Emergencial oferecido pelo Governo, resultado de muita luta da população, para minimizar as consequências do afastamento emergencial.  

Neste caos, com o Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) nº 17, de 2021[1], que propunha a concessão de crédito suplementar para o pagamento das bolsas de setembro, esperançou-se acerca da solução para tal impasse. Porém, a aprovação da mesma ocorreu a passos lentos, sendo homologada apenas no mês de novembro, após uma grande pressão estudantil. 

Contudo, ainda assim a conta não fechava, visto que apenas as bolsas de setembro estavam garantidas pela PLN nº 17, provocando um amontoado de negligências que culminaram no aumento das dívidas para com os estudantes bolsistas. Como iniciativa para tentar amenizar o impacto gerado pelo atraso, algumas instituições como a Universidade Estadual Paulista (UNESP) e a Universidade Federal de Sergipe (UFS), por meio de recursos internos, ofereceram aos discentes que faziam parte dos respectivos programas afetados, o pagamento do valor da bolsa sem exigir devolução quando o pagamento realizado pela CAPES retornasse. Porém, essas iniciativas apesar de serem válidas, foram pontuais e, portanto, não supriram a necessidade de todos os bolsistas a nível nacional. 

Logo, fez-se necessário uma nova ampliação de verbas para garantir, no mínimo, o pagamento até o fim do ano de 2021. Para isso, a PLN nº 31 de 2021[2], que propôs uma nova abertura de crédito suplementar, foi aprovada no Congresso Nacional, juntamente com a PLN nº 17 em 11 de novembro. Diante desse cenário, é possível dimensionar o quão frágil se encontra a carreira docente no Brasil, pois se desde a base formativa os futuros profissionais já se deparam com diversos percalços, o que esperar ao longo da carreira? 

Sendo assim, tanto o silêncio diante dos sucessivos cortes e congelamentos das verbas da educação quanto às ameaças aos poucos programas que se debruçam sobre a formação docente se refletem nas formas de coação mais agudas do atual (des)Governo. Visto que esse insiste em reiterar, por meio de atitudes não mais veladas, seu projeto de controle do que se ensina e como se ensina, bem como seu propósito de desvalorizar os cursos de licenciatura e precarizar a atividade docente. Essa conduta acentua o esvaziamento nas instituições públicas de Ensino Superior e, consequentemente, fortalece os cursos em instituições de esfera privada, contribuindo para aumentar o fosso da desigualdade brasileira, pois aqueles que podem pagar continuarão com os seus estudos nas instituições de esfera privada, mas e aqueles que não podem arcar com esta etapa formativa?

Por isso, ser resistência não pode virar um jargão apenas teórico, mas esse deve ser convertido em ações, mobilizações e constante pauta de debates, cada vez mais amplos, para que possamos esperançar sobre dias melhores. Também é preciso disputar a parcela que ainda não foi sugada pelas convicções conservadoras, autoritárias e genocidas para esse papel essencial de defender os nossos direitos essenciais, sendo que a educação pública e de qualidade faz parte do rol desses direitos. Logo, faz-se necessário a organização em coletivos dos cursos, das universidades e das organizações, como exemplo realizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), para defender a continuidade com qualidade do PIBID e da RP.


[1] Propôs a abertura de crédito suplementar no valor de R$ 4.113.646.125,00, para reforço de dotações constantes da Lei Orçamentária. Disponível em <https://www.congressonacional.leg.br/materias/pesquisa/-/materia/149591>. Acesso em 23 fev. 2022.

[2] Propôs a abertura de crédito suplementar no valor de R$ 859.592.565,00, para reforço de dotações constantes da Lei Orçamentária. Disponível em <https://www.congressonacional.leg.br/materias/pesquisa/-/materia/150578>. Acesso em 23 fev. 2022.