Violência não deve ter lugar na escola

Imagem 1: Elisabeth Tenreiro (1951-2023), foi brutalmente assassinada a facadas por um aluno de 13 anos dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na zona oeste da cidade de São Paulo - Foto: Reprodução-Arquivo Pessoal

A professora Elisabeth Tenreiro é homenageada no número 6 da Revista BALBÚRDIA.

25 de setembro de 2023 | 10:00

In memorian a Elisabeth Tenreiro

35 vítimas fatais, 72 pessoas feridas: esses são os resultados dos 16 ataques na escola em nosso país entre 2002 e 2022. Tais dados foram apresentados ao governo de transição no relatório entitulado O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental” elaborado por pesquisadores e ativistas dedicados à educação pública e à prevenção do extremismo de direita no país.

Já nos primeiros seis meses, 2023 conta o maior número de ataques em escolas brasileiras: 7 até o momento. O mais recente até o fechamento desta edição e esperamos que não tenha mais aconteceu em Cambé (PR) onde uma adolescente de 17 anos morreu baleada no Colégio Estadual Professora Helena Kolody. O primeiro caso, de 2023, aconteceu na capital paulista quando um adolescente de 13 anos matou uma professora de Ciências, Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, em ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro em 27 de março.

O relatório, acima mencionado, entregue ao governo Lula indica que os massacres em escolas estão relacionados a um contexto de escalada do ultraconservadorismo e do extremismo de direita no país e à falta de controle e criminalização desses discursos e práticas. O relatório também alerta para a necessidade de regulação das mídias sociais, pois nesses veículos esses discursos extremistas e incentivos a ataques circulam livremente.

A onda crescente de ataques à escola levou os Estados e Municípios a providenciarem o aumento da ronda escolar. Em paralelo, multiplicaram-se no país projetos que prevêem detector de metais e até segurança armada nas escolas. Como exemplo, o projeto de lei 447/2023 enviado à Assembleia Legislativa de São Paulo por um deputado estadual do União Brasil, integrante do MBL que chega ao absurdo de propor que policiais militares de folga façam a segurança armada de colégios públicos. O projeto ainda propõe que recursos da própria Secretaria de Educação, que deveriam ser utilizados exclusivamente para a melhoria da qualidade de ensino, sejam desviados para tal finalidade. 

Por outro lado, pesquisadores em Educação compreendem que a violência na escola não deve ser tratada com medidas pontuais, mas ser um debate inserido no currículo e na formação de professores. Isso porque, os pesquisadores descrevem que os alvos de cooptação desse discurso são majoritariamente homens brancos e heterossexuais, que têm as mulheres como alvos preferenciais. Por conta disso, o relatório indica entre as ações, por exemplo, que as escolas sejam preparadas para debater questões como armas, discurso de ódio, masculinidade, sexualidade, racismo, homofobia, entre outras discriminações. O documento também sugere ações de formação de professores e servidores para identificar alterações de comportamentos nos jovens, como interesse incomum por assuntos violentos e atitudes agressivas, recusa de falar com professoras e gestoras mulheres, uso de expressões discriminatórias e exaltação de ataques violentos.

Em maio, em ação interministerial, o governo federal anunciou R$3,1 bilhões para prevenção à violência nas escolas envolvendo: repasses da Assistência Primária à Saúde aos municípios que aderiram ao Saúde na escola; a finalização de obras paradas e inacabadas de creches e escolas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); e o monitoramento de perfis de redes sociais que incitam violência e crimes pelas forças de Segurança Pública. A sociedade civil organizada também apresentou algumas ações como o caso do Guia sobre Prevenção e Resposta à Violência às Escolas disponibilizado gratuitamente pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

FALA PROFESSOR DE CIÊNCIAS

Em relação à onda crescente de violência nas escolas, a queixa maior é a fragilidade das escolas e dos alunos. Os professores se encontram na linha de frente para lidar com os estudantes em conflito, seja em sala de aula ou no ambiente escolar. Muitos se queixam da falta de preparo das escolas para mediar essas desavenças, o que, consequentemente, fragiliza a comunidade escolar. 

P3: Incompetência administrativa do Estado em gerir seus municípios. Falta de ampliação da rede de ensino. Segregação do ensino público do privado. Falta de assistência aos docentes em áreas de risco. Falta de projetos ligados aos assuntos psicológicos das famílias brasileiras. Isso tudo desencadeia uma onda de violência muito grande. São docentes agredidos, funcionários ameaçados, jovens degradando o patrimônio público. Esse fator violência nas escolas vem com o fracasso administrativo do Estado.

P4: Acredito que refletir sobre como remediar, não ausenta o ato violento. Tudo se inicia na má gestão das emoções, no olhar desatento às necessidades e reações dos outros, na desconexão entre atitude e consequência, no despreparo de contenção da violência, na validação de exemplos e contra exemplos. Os professores estão desequilibrados, e os alunos com estruturas familiares em geral também deslocadas. É preciso olhar o ser humano. Preparar gestores, professores e alunos ao olhar socioemocional de maneira transversal. Mais práticas do que teoria, a fim de tomar conhecimentos de realidades diversas, para depreender que não sofre com exclusividade.

P5: Escolas vulneráveis, professores aterrorizados e estudantes sem noção da gravidade do assunto.

P6: A violência nas escolas é fruto de desinteresse pelo aprendizado concreto. Isso gera alunos desmotivados, gera incivilidades que não são sanadas. Muitos de nossos alunos e seus familiares não conseguem manter relações tranquilas, não se respeitam, tudo é motivo de conflito. Vivemos diariamente em situações de conflito dentro da sala de aula tentando mediar. Estamos à mercê dessa violência diariamente. 

Os professores que se posicionaram sobre o tema "violência" à BALBÚRDIA, ressaltam que o fator psicológico de estudantes, suas famílias e dos próprios profissionais da educação devem ser cuidados com mais atenção. Dessa forma, o clima de insegurança e de conflito permanentes no ambiente educacional exige uma abordagem que se apoia na formação humanizada e que envolve diversos grupos e frentes de trabalho. Cabe à administração pública o investimento em ações educativas de prevenção e de acolhimento, para, assim, criarmos ambientes saudáveis para a aprendizagem nas escolas de educação básica de todo o país.

Elisabeth Tenreiro (1951-2023), conhecida como Beth, foi uma professora da escola básica e uma defensora aguerrida das causas da classe dos professores e da ciência, matéria que lecionava na rede estadual. Formada em Biologia pela PUC, nos anos 70, Beth ingressou como analista de alimentos no Instituto Adolfo Lutz e se aposentou para se dedicar à sala de aula, vista como missão de vida. Corinthiana, sambista de carteirinha, fã de programas de esporte e de filmes de comédia, Beth também usava suas redes sociais para apoiar campanhas de melhoria salarial dos professores e a favor de campanhas de distribuição de absorventes, bandeira da luta feminista pela dignidade menstrual. Querida dentro e fora das salas e conhecida por sua alegria, seus alunos costumavam mandar mensagens para ela quando tinham uma conquista, segundo relato da filha. No dia 27 de março de 2023, Elisabeth Tenreiro foi brutalmente assassinada a facadas por um aluno de 13 anos dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na zona oeste da cidade de São Paulo. Ela tinha 71 anos e deixou três filhos e quatro netos. No dia 17 de maio de 2023, a Estação Vila Sônia, da linha amarela do metrô de São Paulo, foi rebatizada incluindo seu nome, em homenagem à educadora.

Imagem 2: O governo do Estado de São Paulo decidiu mudar o nome da estação Vila Sônia da Linha 4-Amarela do Metrô, administrada pela Via Quatro. Ela passará a se chamar Vila Sônia-Professora Elizabeth Tenreiro. — Foto: RONALDO SILVA/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO