Feuerbach – Anti-Hobbes

FEUERBACH. Paul Johann Anselm Ritter von. Anti-Hobbes. O sobre los límites del poder supremo y el derecho de coacción del ciudadano contra el soberano. Trad. Leonardo G. Brond. Buenos Aires: Hammurabi, 2010.

Como o título da obra indica, Feuerbach trata da questão acerca do limite do poder do soberano. Mais especificamente, o autor discute se há um direito de resistência por parte do súdito, ou se, como entende Hobbes, a obediência perante o soberano deve ser incondicional.

Feuerbach explica a saída do estado de natureza a partir da constatação de que o ser humano é um ser racional e sensível: como ser racional, quer o bem; como ser sensível, quer o agradável; como ser racional, quer a liberdade de todos; como ser sensível, quer unicamente a própria liberdade. Dado que nem todos têm a mesma força e que há uma inclinação a causar danos mútuos, todos esperam ofensas a seus direitos cometidas por alguém mais forte. Por isso, deve-se sair do estado de natureza. Deve-se encontrar um estado no qual a liberdade do ser humano esteja garantida; um estado de segurança, no qual o ser humano seja tão livre como deva ser em face à sua natureza racional.

A condição mais próxima para a existência de um estado jurídico é a sociedade cujos membros se tenham unido para assegurar a liberdade e tenham submetido suas forças para a proteção recíproca. A sociedade civil se organiza na medida em que os cidadãos garantem a liberdade de todos perante todos. A sociedade civil, portanto, é uma instituição que possibilita a segurança. Contudo, por si só não possibilita a plena existência do estado jurídico. Todos se uniram, é verdade, para assegurar a liberdade recíproca mediante a razão. Mas não está presente ainda um poder juridicamente constituído, que possa dirigir as forças vinculantes em face do objetivo da sociedade e determinar seu bem-estar. Cada indivíduo segue sendo o intérprete de seu contrato civil, cada um determina por si mesmo o que deve fazer ou omitir para o bem da sociedade. Mostra-se, assim, necessária uma vontade organizadora que seja intérprete do contrato social, fazendo com que as vontades privadas fiquem submetidas à vontade geral.

Nesse sentido, o soberano é o órgão da vontade geral, isto é, a pessoa que deve realizar a vontade geral escolhendo os meios para alcançar o objetivo do Estado. Sem um soberano a sociedade civil não pode alcançar seu fim, que é a construção de um estado jurídico, visto que sem um soberano não é possível qualquer acordo de forças sociais, nenhuma vontade unitária. Desta exigência de vontade unitária se deduz que somente um pode ser soberano (o que não quer dizer que o soberano tenha que ser necessariamente uma única pessoa física).

Feuerbach compreende o “pacto de submissão” como um contrato bilateral, ou seja, um acordo em que cada parte é tanto promitente como receptor de uma promessa, e que fundamenta para as duas partes direitos e obrigações. O soberano promete governar o Estado de acordo com a vontade geral; os súditos prometem obedecer a suas leis e disposições. Se cada promessa aceita fundamenta obrigações plenas, e se a cada obrigação plena corresponde um direito de coação, então o pacto de sujeição fundamentará: (I) um dever pleno de obediência ao órgão da vontade geral, junto a um direito pleno por parte do soberano a coagir seus súditos para o cumprimento de sua promessa; (II) um dever pleno do soberano de atuar conforme ao pacto de submissão e para um direito pleno de seus súditos de afirmar seus direitos – provenientes do contrato – mediante a coação contra o soberano.

O autor distingue a pessoa privada da pessoa pública do soberano. Dessa forma, pode afirmar que o soberano, ao agir como mera pessoa privada (isto é, quando suas ações não sejam em absoluto públicas) não é inviolável. Feuerbach vai além. Distingue duas formas de resistência: (I) a positiva, consistente em coagir o soberano a agir ou a omitir algum ato para manter ou recuperar alguma liberdade; e (II) a negativa, consistente em defender a liberdade com uso da força contra um ataque ainda não consumado. De acordo com Feuerbach, o súdito não está autorizado a resistir positivamente ao soberano; porém, é justificável a resistência negativa, mediante coação do soberano, quando este viola os contratos civis básicos. Dessa forma, diante de uma lei injusta, por exemplo, o súdito não pode resistir positivamente, procurando obrigar o soberano a derrogar o ato; todavia, estará o súdito legitimado a resistir negativamente ao ato público que lesiona o pacto de sujeição. Com efeito, a coação positiva é injusta porque o súdito não pode converter-se em soberano e submeter o verdadeiro soberano em um assunto de governo; a negativa é justa porque o súdito não tem que obedecer ao que é injusto e porque a coação pela qual afirma seu direito – isto é, a desobediência – não implica uma agressão aos direitos do poder supremo.

Em síntese, a tese de Feuerbach pode ser apresentada da seguinte forma: dado que o soberano assume uma obrigação plena mediante o pacto de sujeição; dado que esta obrigação lhe impõe que governe segundo a vontade geral; dado que, se o soberano viola esta obrigação, em relação ao caso específico da lesão não existe soberano; e dado que a obrigação de obediência civil se limita aos casos para os quais o súdito a tenha prometido; então, o soberano pode ser coagido se não cumpre os contratos básicos da união civil.

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