ANTÍGUA E BARBUDA

ANTÍGUA E BARBUDA

Por Rafael Affonso de Miranda Alonso

Nome oficial Antigua and Barbuda
Localização Caribe
Estado Monarquia constitucional tendo como chefe
de Estado a rainha da Inglaterra, com sistema parlamentarista de governo
Idiomas Inglês (oficial) e crioulo antiguano
Moeda Dólar do Caribe oriental
Capital¹ Saint John’s 
(22 mil hab. em 2014)
Superfície¹ 442,6 km²
População² 87,2 mil (2010)
Densidade demográfica² 197 hab./km² (2010)
Distribuição 
da população³
Urbana (26,24%), 
rural (73,76%) (2010)
Analfabetismo  18% (2000)
Composição étnica¹ Negros (87,3%), mestiços (4,7%),
hispânicos (2,7%), brancos (1,6%), outros (2,7%), não especificada (0,9%) (2011)
Religiões¹ Protestantes (68,3%), católico romana (8,2%), outras (12,2%), não especificada (5,5%),
nenhuma (5,9%) (2011)
PIB (a preços constantes de 2010)⁴ US$ 1,159 bilhão (2013)
PIB per capita (a preços constantes de 2010)⁴ US$ 12.881 (2013)
IDH⁵ 0,774 (2013)
IDH no mundo  e na AL⁵ 61° e 7°
Eleições¹ Governo-geral nomeado pela rainha da Inglaterra. O Parlamento bicameral, no estilo britânico, está integrado por 17 membros designados pelo governador-geral e 17 membros eleitos pelo sufrágio universal (Câmara dos Deputados), para um mandato de 5 anos.

Fontes:
¹ Cia. World Factbook.
² ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Population Database.
³ ONU. World Urbanization Prospects: The 2014 Revision
⁴ CEPALSTAT
⁵ ONU/PNUD. Human Development Report, 2014.

As ilhas de Antígua e Barbuda estão situadas no oceano Atlântico Norte ao lado do mar do Caribe e pertencem às Pequenas Antilhas. Com área total de 442,6 km², a nação é formada pela ilha de Antígua (280 km²) e suas duas dependências Barbuda (160 km²) e Redonda (2 km²). Seus vizinhos mais próximos são as Antilhas Holandesas a noroeste, São Cristóvão e Névis a oeste, Montserrat a sudoeste e Guadalupe ao sul. A população do país é estimada em cerca de 87,2 mil pessoas (2010), das quais 22 mil concentram-se na capital Saint John’s. Quase 90% da população é afrodescendente, e as principais minorias são de mestiços, brancos, indianos e ameríndios. O idioma oficial do país é o inglês.

Colonização

Antígua, a principal ilha que forma a nação – já habitada pelos povos indígenas siboney (2400 a.C. – 35 d.C.), aruaques (35 – 1100 d.C.) e caribes – foi assim chamada pelo navegador Cristóvão Colombo. Ele a avistou durante sua segunda viagem, em 1493, e escolheu o nome em homenagem à igreja Santa Maria de la Antígua de Sevilha, na Espanha.

Apenas em 1632, colonizadores britânicos oriundos da vizinha Saint Kitts reivindicaram a posse desses territórios para a Coroa britânica. O protagonista desse primeiro impulso por uma colonização sistemática das ilhas foi Thomas Warner.

O primeiro produto a ser cultivado com fins comerciais foi o tabaco, substituído progressivamente pela cana-de-açúcar a partir da metade do século XVII. O principal responsável pela introdução do açúcar foi Christopher Codrington, que chegou ao local em 1684, em busca de novas terras para repetir o empreendimento açucareiro, que já se mostrara exitoso e muito lucrativo em outros pontos da região. Profundo conhecedor das novas técnicas de produção, Codrington trouxe essas inovações baseado no que ocorria em Barbados, a mais antiga e lucrativa colônia açucareira britânica.

A produção de açúcar atingiu seu ápice em meados do século XVIII. A paisagem das ilhas foi tomada por plantações e moinhos de vento que serviam para processar a cana – muitos ainda existem e têm sido restaurados para fins turísticos. Como em todo o Caribe, ao longo desses anos, as ilhas também receberam milhares de escravos africanos para trabalhar nas grandes plantações.

Antígua também ganhou relevância no quadro colonial britânico no Caribe graças à sua localização estratégica. Era considerada “portão de entrada” para a região e essencial para o controle das rotas de comércio da área; essa importância é testemunhada pelas fortificações erguidas em diversos pontos, algumas das quais existem até os dias atuais, em English Harbour Town, no sul da ilha.

Em 1834, a Coroa britânica aboliu a   escravidão em todas as suas colônias e estipulou um prazo de quatro anos de transição ou “aprendizado”, como foi chamado à época.

Vista proporcionada pela colina de Shirley’s Heights (Andrew Moore/Creative Commons)

Em Antígua, a abolição foi decretada imediatamente, sendo um dos territórios pioneiros, portanto, a colocar em prática o decreto da Coroa. No entanto, a condição de vida dos trabalhadores africanos e seus descendentes não se alterou substancialmente. Por muitos anos, ainda permaneceram vinculados a outras formas de dependência em relação aos seus patrões, os grandes plantadores de cana-de-açúcar. De 1871 até 1956, os territórios de Antígua e Barbuda foram governados pela Federação das Ilhas Sotavento e, de 1958 a 1962, pela Federação das Índias Ocidentais.

 

Governabilidade

O centro comercial da capital St. John’s (Wolfgang Meinhart/Wikimedia Commons)

O Partido Trabalhista de Antígua (PTA), o primeiro do país, surgiu como desdobramento da organização sindical dos trabalhadores (ATLU – Antigua Trades and Labor Union), iniciada em 1940. O principal líder era Vere Cornwall Bird, fundador da associação sindical e do PTA, em 1946. No começo, formalmente subordinado ao sindicato, o partido aos poucos ganhou autonomia. O sufrágio universal adulto foi introduzido em 1951.

Em 1958, as ilhas passaram a fazer parte da Federação das Índias Ocidentais, criada pela Grã-Bretanha. Dois anos mais tarde, uma nova Constituição concedeu mais autonomia ao governo local e, nas eleições do mesmo ano, o PTA saiu vitorioso. Bird tornou-se primeiro-ministro em 1966. Antígua veio a ser o primeiro Estado do Caribe oriental a ganhar a condição de Estado associado à comunidade britânica, em 1967, condição que lhe deu o direito ao autogoverno interno e à eleição de um Parlamento por meio do voto da população autóctone. As ilhas tornaram-se membros da British Commonwealth, ficando a cargo dos britânicos a direção da política externa e a defesa do país.

O governo local mudou de mãos apenas em 1971, quando o Partido Trabalhista Progressista (PLM – sigla em inglês), liderado por George Walter, conseguiu derrotar pela primeira vez o PTA, ocupante do poder desde 1946. Cinco anos mais tarde, Bird retornou ao governo e iniciou as negociações com a metrópole britânica para a independência do país.

Políticos de oposição temiam que, com o fim dos laços que uniam as ilhas à Coroa britânica, a figura de Bird se tornasse ainda mais poderosa e autoritária.

A independência foi conquistada em 1° de novembro de 1981, e Vere Bird, confirmando as expectativas da oposição, manteve-se no poder até 1994, quando abandonou a vida pública. O governo passou para Lester Bird, filho do ex-primeiro-ministro.

A dinastia Bird seguiu inabalável no comando do país até 2004, sob acusações de corrupção e abuso de autoridade levantadas, obstinadamente, pela oposição. Em 1999, o país foi acusado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos de ser um dos principais centros de lavagem de dinheiro do Caribe. Nesse mesmo ano, Vere Bird faleceu.

Em março de 2004, Baldwin Spencer e o seu Partido Progressista Unido (UPP– sigla em inglês), saíram vitoriosos nas eleições nacionais, encerrando cerca de sessenta anos de domínio da dinastia Bird. Também de origem operária, o novo primeiro-ministro prometeu lutar contra a corrupção e os “crimes cometidos contra o povo” durante os governos de seus predecessores. Em outubro do mesmo ano, o Parlamento aprovou uma lei anticorrupção que previa multas e prisão aos ministros e funcionários envolvidos em corrupção. Em junho de 2014, Gaston Browne, do Partido Trabalhista de Antígua (PTA), sucedeu Spencer no cargo de primeiro-ministro.

Política externa e economia

A política externa de Bird sempre foi marcada por uma adesão entusiasmada à visão defendida pelos Estados Unidos na região. O líder radical da juventude passou, com o tempo, a defender abertamente posições identificadas com a direita. Isso incluía a aceitação integral da doutrina Reagan e seu corolário de combate aos governos ou às organizações políticas esquerdistas em toda a América Central e no Caribe.

Essa relação tornou-se ainda mais estreita depois do arrendamento de uma porção do território de Antígua aos Estados Unidos, para fins militares e propagandísticos. Nesse local, instalaram-se as antenas que transmitem para toda a região a “Voz da América”, veículo de propaganda do Departamento de Estado dos EUA.

economia do país seguiu a regra da maior parte das outras nações caribenhas, submetida à dependência de um produto agrícola até a década de 1960 – no caso de Antígua, a cana-de-açúcar. A década seguinte marcou o declínio final das grandes culturas de cana. Iniciativas para recuperar a indústria açucareira no início dos anos 1980 acabaram interrompidas, em 1985, por inviabilidade financeira.

A dependência em relação a cana-de-açúcar foi substituída pela indústria do turismo, que responde por cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Essa nova dependência torna o país extremamente sensível a mudanças no quadro da economia mundial e a catástrofes naturais, como os furacões, que constantemente assolam a região.

A agricultura representa apenas 12% das riquezas produzidas pelo país, o que o obriga a importar alimentos, principalmente para satisfazer as sofisticadas exigências da indústria do turismo. Antígua tem procurado diversificar suas fontes de renda como centro de serviços financeiros offshore, atraindo investidores estrangeiros. Outras iniciativas visam estimular as atividades de cassinos virtuais (internet) e do ramo de transportes e comunicações.

Indicadores socioeconômicos de Antígua e Barbuda

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020*
População 
(em mil habitantes)
46 55 65 70 62 78 87 96
Densidade demográfica
(hab./km²)
105 124 148 159 140 176 197
Matrículas no 
ciclo primário¹
9.668 13.025 11.254
População urbana (%)² 30,07 39,66 33,82 34,62 35,43 32,13 26,24 22,21
População rural (%)² 69,94 60,34 66,18 65,38 64,57 67,87 73,76 77,79
Participação na população
latino-americana (%)**
0,03 0,02 0,02 0,02 0,01 0,01 0,01 0,01
Participação na 
população mundial (%)
0,002 0,002 0,002 0,002 0,001 0,001 0,001 0,001
PIB (em milhões de US$ a
preços constantes de 2010)
695,6 949,4 1.135,5
Participação no PIB
 latino-americano (%)
0,026 0,027 0,023
PIB per capita (em US$ a
preços constantes de 2010)
11.236,3 12.227,0 13.017,3
Exportações anuais 
(em milhões de US$)
59,5 33,4 76,8 45,7
Importações anuais 
(em milhões de US$)
114,7 235,4 342,4 453,9
Exportaçõe-importações 
(em milhões de US$)
-55,2 -202,0 -265,6 -408,2
Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH)³
0,778

Fontes: CEPALSTAT | ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Population Database.
¹UNESCO Institute for Statistcs. ² Dados sobre a população urbana e rural retirados de ONU.World Urbanization Prospects, the 2014 Revision. ³ UNDP. Countries Profiles.
* Projeções. | ** Inclui o Caribe.

Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dado indicadas. 

MAPAS

,

 

 

 

Bibliografia

  • HEFFINGTON, Douglas. Antiguan sugar mills: an adaptive use of relic geography. Focus. v. 43. n. 3. 1993.
  • WHEATCROFT, Geoffrey. Oh, to be in Antigua: this Caribbean island makes an englishman feel right at home. The Atlantic Monthly. v. 274. n. 4. Oct. 1994.

 

ABYA YALA

ABYA YALA

Por Carlos Walter Porto-Gonçalves

 

Abya Yala na língua do povo Kuna significa “Terra madura”, “Terra Viva” ou “Terra em
florescimento” e é sinônimo de América. O povo Kuna é originário da Serra Nevada no
norte da Colômbia tendo habitado a região do Golfo de Urabá e das montanhas de
Darien e vive atualmente na costa caribenha do Panamá na Comarca de Kuna Yala
(San Blas).

Abya Yala vem sendo usado como uma autodesignação dos povos originários do
continente como contraponto a América expressão que, embora usada pela primeira
vez em 1507 pelo cosmólogo Martin Wakdseemüller, só se consagra a partir de finais
do século XVIII e inícios do século XIX por meio das elites crioulas para se afirmarem
em contraponto aos conquistadores europeus no bojo do processo de independência.
Muito embora os diferentes povos originários que habitam o continente atribuíssem
nomes próprios às regiões que ocupavam – Tawantinsuyu, Anauhuac, Pindorama – a
expressão Abya Yala vem sendo cada vez mais usada pelos povos originários do
continente objetivando construir um sentimento de unidade e pertencimento.

Embora alguns intelectuais, como o sociólogo catalão-boliviano Xavier Albó, já
houvessem utilizado a expressão Abya Yala como contraponto à designação
consagrada de América, a primeira vez que a expressão foi explicitamente usada com
esse sentido político foi na II Cumbre Continental de los Pueblos y Nacionalidades
Indígenas de Abya Yala realizada em Quito, em 2004. Note-se que na I
Cumbre, realizada no México no ano 2000, a expressão Abya Yala ainda não fora
invocada como se pode ler na Declaracion de Teotihuacan quando se apresentam
como “los Pueblos Indígenas de América reafirmamos nuestros principios de
espiritualidad comunitaria y el inalienable derecho a la Autodeterminación como
Pueblos Originarios de este continente”.

A partir de 2007, no entanto, na III Cumbre Continental de los Pueblos y
Nacionalidades Indígenas de Abya Yala realizada em Iximche, Guatemala, não só se
autoconvocam como Abya Yala como ainda resolvem constituir uma Coordenação
Continental das Nacionalidades e Povos Indígenas de Abya Yala,como espaço permanente de enlace e intercâmbio, onde possam convergir
experiências e propostas, para que juntos enfrentemos as políticas de globalização
neoliberal e lutemos pela liberação definitiva de nossos povos irmãos, da mãe terra, do
território, da água e de todo patrimônio natural para viver bem”.

Pouco a pouco, nos diferentes encontros do movimento dos povos originários o nome América vem sendo substituído por Abya Yala indicando assim não só outro nome, mas também apresença de outro sujeito enunciador de discurso até aqui calado e subalternizado em termos políticos: os povos originários. A ideia de um nome próprio que abarcasse todo o continente se impôs a esses diferentes povos e nacionalidades no momento em que começaram a superar o longo processo de isolamento político a que se viram submetidos depois da invasão de seus territórios em 1492 com a chegada dos europeus.

Junto com Abya Yala há todo um novo léxico político que também vem sendo
construído onde a própria expressão povos originários ganha sentido. Essa expressão
afirmativa foi a que esses povos em luta encontraram para se auto-designarem e
superarem a generalização eurocêntrica de povos indígenas. Afinal, antes da chegada
dos invasores europeus havia no continente uma população estimada entre 57 e 90
milhões de habitantes que se distinguiam como maia, kuna, chibcha, mixteca,
zapoteca, ashuar, huaraoni, guarani, tupinikin, kaiapó, aymara, ashaninka, kaxinawa,
tikuna, terena, quéchua, karajás, krenak, araucanos/mapuche, yanomami, xavante
entre tantos e tantas nacionalidades e povos originários desse continente.

A tomada dessa cidade pelos turcos, em 1453, engendrou a busca de caminhos
alternativos, sobretudo por parte dos grandes negociantes genoveses e que
encontraram apoio político entre as monarquias ibéricas e na Igreja Católica Romana.
Desde então, circuitos mercantis relativamente independentes no mundo passam a ser
integrado, inclusive constituindo o circuito Atlântico com a incorporação do
Tawantinsuyu (região do atual Peru, Equador e Bolívia, principalmente), do Anahuac
(região do atual México e Guatemala, principalmente), das terras guarani (envolvendo
parte da Argentina, do Paraguai, sul do Brasil e Bolívia, principalmente) e Pindorama
(nome com que os tupi designavam o Brasil). O caráter periférico e marginal da
Europa era tal que a expressão orientar-se (ir para o Oriente) indicava a relevância do
Oriente à época.

Assim, é com a incorporação dos povos de Abya Yala e o seu subjugo político,
juntamente com o tráfico e a escravidão dos negros africanos trazidos para este
continente, que se ensejará a centralidade da Europa. Enfim, o surgimento do sistema
mundo moderno se dá junto com a construção da colonialidade. É de um sistema
mundo moderno-colonial que se trata, portanto. E é esse caráter contraditório inscrito
no sistema mundo moderno, que procura olvidar o seu caráter também colonial, que
os povos originários de Abya Yala vêm procurando explicitar na luta “pela liberação
definitiva de nossos povos irmãos, da mãe terra, do território, da água e de todo
patrimônio natural para viver bem”. Deste modo, a descolonização do pensamento se coloca como central para os povos originários de Abya Yala. Como bem assinalou LuisMacas, da CONAIE – Coordinadora de las Nacionalidades Indígenas del Ecuador –
“nuestra lucha es epistémica y política” onde o poder de designar o que é o mundo
cumpre um papel fundamental. Vários intelectuais ligados às lutas dos povos de Abya
Yala têm assinalado o caráter etnocêntrico inscrito nas próprias instituições, inclusive
no Estado Territorial, cujo eixo estruturante está na propriedade privada e que
encontra no Direito Romano seu fundamento.

Apesar de sua origem regional européia, os fundamentos do Estado Territorial,
inclusive a ideia de espaços mutuamente excludentes, como a propriedade privada,
tem sido imposto ao resto do mundo como se fossem universais, ignorando as
diferentes formas de apropriação dos recursos naturais que predominavam na maior
parte do mundo, quase sempre comunitárias e não mutuamente excludentes. Na
América Latina, o fim do colonialismo não significou o fim da colonialidade, como
afirmou o sociólogo peruano Aníbal Quijano, explicitando o caráter colonial das
instituições que sobreviveram após a independência e que ilumina a declaração
de Evo Morales Ayma quando de sua posse na Presidência da República da Bolívia,
em 2006, quando afirmara que “é preciso descolonizar o estado”.

Para que não se pense que se trata de uma afirmação abstrata, registre-se que os
concursos para servidores públicos naquele país eram feitos exclusivamente em
língua espanhola, quando aproximadamente 62% da população pensam
em quechua, aymara e guarani línguas que falam predominantemente no seu
cotidiano. Em países como a Guatemala, Bolívia, Peru, México, Equador e Paraguai,
assim como em certas regiões do Chile (no sul, onde vivem aproximadamente um
milhão de Araucanos/Mapuches), da Argentina (Chaco norteño) e
da Amazônia (brasileira, colombiana e venezuelana) o caráter colonial do Estado se
faz presente com todo seu peso.

O “colonialismo interno”, expressão consagrada por Pablo Gonzalez Casanova, se
mostra atual, enquanto história de longa duração atualizada. Não raro essas regiões
são objeto de programas de desenvolvimento, quase sempre de (des)envolvimento, de
modernização, quase sempre de colonização (aliás, essas expressões, quase sempre,
são sinônimas). A escolha do nome Abya Yala dos kuna recupera a luta por afirmação dos seus territórios de que os Kuna foram pioneiros com sua revolução de 1925, consagrada em 1930 no direito de autonomia da Comarca de Kuna Yala com seus 320 mil e 600 hectares de terras mais as águas vizinhas do arquipélago de San Blas.

A luta pelo território configura-se como uma das mais relevantes no novo ciclo de lutas do movimento dos povos originários que se delineia a partir dos anos oitenta do século
passado e que ganha sua maior expressão nos anos noventa e inícios do novo século,
revelando mudanças profundas tanto do ponto de vista epistêmico como político.
Nesse novo ciclo de lutas, ocorre um deslocamento da luta pela terra enquanto um
meio de produção, característico de um movimento que se construiu em torno da
identidade camponesa, para uma luta em torno do território. As grandes Marchas pela
Dignidade e pelo Território de 1990 que foram mobilizadas na Bolívia e no Equador
com estruturas organizacionais independentes são marcos desse novo momento.
“Não queremos terra, queremos território”, eis a síntese expressa num cartaz
boliviano.

Assim, mais do que uma classe social, o que se vê em construção é uma comunidade
etnopolítica, enfim, é o indigenato (Darcy Ribeiro) se constituindo como sujeito político.
Considere-se que foi fundamental para essa emergência a tensa luta dos misquitos no
interior da Revolução Sandinista na Nicarágua (1979-1989) pela afirmação de seu
direito à diferença e à demarcação de seus territórios que, apesar de todo o desgaste
que trouxe àquela experiência revolucionária, em grande parte pela colonialidade
presente entre as correntes políticas e ideológicas que a lideraram, nos legou uma das
mais avançadas legislações sobre os direitos de autonomia dos povos originários,
conforme nos informa Héctor Diaz-Polanco.

O levantamento zapatista de 1º de janeiro de 1994 daria grande visibilidade a esse
movimento que, ainda que de modo desigual, se espraia por todo o continente ao
mostrar, pela primeira vez na história, que os povos originários começam a dar
respostas mais que locais/regionais a suas demandas. O protagonismo desse
movimento tem sido importante na luta pela reapropriação dos seus recursos naturais
como se pode ver em 2000, em Cochabamba, na Guerra del Água e, em 2005, na
Guerra do Gás, ambas na Bolívia, mas também entre os araucanos/mapuche,
no Chile, na luta pela reapropriação do rio Bio Bio ameaçado pela construção de
hidrelétricas, ou ainda na luta contra a exploração petroleira no Parque Nacional de
Yasuny, na Amazônia equatoriana, ou na fronteira colombio-venezuelana também na
luta contra a exploração petroleira, entre tantos outros exemplos.


Menina cayapó brincando com uma boneca durante uma cerimônia em Belém do Pará
(Leila Jinkings)

Esse movimento tem sido fundamental ainda na luta pela preservação da diversidade
biológica, em grande parte associada à diversidade cultural e linguística. A dimensão
territorial desse movimento se mostra também no seu protagonismo diante das novas
estratégias supranacionais de territorialização do capital, como no caso do NAFTA,
da ALCA e dos TLCs. O movimento zapatista explicitou melhor que qualquer outro
esse sentido, ao fazer emergir o México Profundo, poder-se-ia dizer a América
Profunda, exatamente no dia em que se assinava o NAFTA.
O protagonismo do movimento dos povos originários também foi importante na luta
contra a Alca e aos Tratados de Livre Comércio que se seguiu à derrota da Alca.
Como se vê, a luta pelo território assume um caráter central e numa perspectiva
teórico-política inovadora na medida em que a dimensão subjetiva, cultural, se vê
aliada à dimensão material – água, biodiversidade, terra.

Território é, assim, natureza + cultura, como insistem o antropólogo colombiano Arturo
Escobar e o epistemólogo mexicano Enrique Leff, e a luta pelo território se mostra com
todas as suas implicações epistêmicas e políticas. Quando observamos as regiões de
nosso continente que abrigam a maior riqueza em biodiversidade e em água podemos
ver o quão estratégicos esses povos são e tendem cada vez mais a ser diante das
novas fronteiras de expansão do capital (Diaz-Polanco, Ceceña e Ornelas).

Abya Yala se coloca assim como um atrator (Prigogine) em torno do que outro sistema
pode se configurar. É isso que os povos originários estão propondo com esse outro
léxico político. Não olvidemos que dar nome próprio é se apropriar. É tornar próprio um
espaço pelos nomes que se atribui aos rios, às montanhas, aos bosques, aos lagos,
aos animais, às plantas e por esse meio um grupo social se constitui como tal
constituindo seus mundos de vida, seus mundos de significação e tornando um
espaço seu espaço – um território. A linguagem territorializa e, assim,
entre América e Abya Yala se revela uma tensão de territorialidades.

Bibliografia
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