A abordagem da Natureza da Ciência e da Tecnologia e de Questões Sociocientíficas podem atenuar o Negacionismo Científico

Intervenções no contexto do Ensino de Ciências podem ser formas de contribuir para o enfrentamento da crescente onda de desinformações em relação à pandemia. (Fonte: próprio autor via Canva)

Negacionismo no Brasil durante a pandemia reforça a importância do Ensino de Ciências.

 

10 de agosto de 2021 | 10:00

Fábio Luiz Seribeli é licenciado em Química e leciona a disciplina de Química para as turmas de Ensino Médio da rede federal. Fez mestrado no Programa de Pós-Graduação em Química IBILCE/Unesp de São José do Rio Preto-SP. É doutorando do Programa de Pós-Graduação em Química no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). Desde 2016, é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) - Campus Avançado Tupã. Desenvolve pesquisa em Aprendizagem no Ensino de Química, conceitos químicos no ensino médio e na graduação.

Em diversos temas envolvendo conhecimentos científicos, sobretudo no atual momento da pandemia causada pelo COVID-19, inúmeras crenças e opiniões pessoais estão sendo disseminadas via redes sociais, fundamentadas em posicionamentos de negação da ciência, desinformações e fake news. Junto a tal situação, a consequente desvalorização de evidências científicas baseadas em protocolos rígidos de estudos, experimentação e consenso entre pesquisadores, constituem desafios aos educadores que atuam no Ensino de Ciências. Entre estes desafios, há a demanda por propostas de intervenção que sejam elaboradas e contribuam para “iluminar a escuridão” do negacionismo. Nesse contexto, um estudo publicado na Revista Educación Química, no último trimestre de 2020, os autores Álvaro Chrispino, Thiago Melo e Márcia Albuquerque, traçam reflexões sobre este cenário e apontam as abordagens de Natureza da Ciência e da Tecnologia (NdCT) e de Questões Sociocientíficas (QSC), como possíveis alternativas para uma formação cidadã, bem informada, e que fortaleça o reconhecimento e respeito à Ciência.  

 

As sombras de anticiência que ficaram evidentes com a pandemia

O artigo de Chrispino, Melo e Albuquerque foi escrito em maio de 2020, momento em que o Brasil contabilizava mais de 144.000 mortes, e agora, julho de 2021, esse número já é superior a 540.000. A pandemia demonstrou a importância dos conhecimentos científicos, desde as informações mais básicas sobre higienização das mãos e uso de máscaras, até o conhecimento das especificidades do vírus e dos processos de imunização a partir de vacinas produzidas em tempo recorde. 

Em tal cenário, também foi possível perceber um aumento de manifestações de caráter pessoal, fundamentadas em princípios e opiniões sem base científica, até mesmo envolvendo outros temas não relacionados diretamente à COVID-19, mas que contribui para desinformações, fake news e amplifica o negacionismo científico. Alguns dos temas que emergiram neste contexto, fortemente correlacionados ao Ensino de Ciências, e que destacam a realidade brasileira com consequências nocivas quando disseminadas pela sociedade são: negação de dados científicos em relação às queimadas e suas consequências ao meio ambiente; grupos antivacina que propagam a desconfiança sobre o processo de vacinação; e uso de medicamentos sem comprovação científica de eficácia com incentivo ao “tratamento precoce” inexistente. Em todos estes temas, as concepções pessoais na tomada de decisões prevalecem em relação às orientações respaldadas em pesquisas científicas. Por sua vez, muitos aspectos dessas “sombras” proporcionados por tais temas são objetos de pesquisas no campo do Ensino de Ciências, os quais têm sugerido que a abordagens de tópicos da NdCT e de QSC, podem “iluminar” e contribuir para o enfraquecimento do Negacionismo Científico.      

 

Natureza da Ciência e da Tecnologia e Questões Sociocientíficas

A abordagem via NdCT trata-se de um campo complexo, interdisciplinar, contextualizado e transversal que tem como objetivo central expressar a interpretação da ciência e da tecnologia como um processo social. Com isso, ela pode ser caracterizada como uma abordagem adequada para um Ensino de Ciências que visa combater o negacionismo científico.

Em estudo anterior citado por Chrispino, Melo e Albuquerque, ao confrontar crenças de alunos de nível médio e superior a respeito da natureza da ciência e de diferentes tópicos sociocientíficos, com evidências científicas, e investigar suas reações, verificou-se que muitos estudantes julgam irrelevante tomar decisões apoiadas em conhecimentos científicos que não estejam de acordo com suas opiniões prévias. Como consequência deste posicionamento, esses estudantes tendiam a selecionar informações que concordassem com suas crenças pessoais. Ainda, foi identificado que boa parte dos estudantes aceitam a validade dos dados científicos, entretanto não costumam utilizá-los para tomarem suas decisões.

Outro estudo descrito pelos autores aponta que é fundamental ir além dos conteúdos específicos que constituem os currículos tradicionais, e as QSC podem auxiliar na compreensão do papel da ciência na sociedade, e auxiliar no desenvolvimento tanto moral dos estudantes quanto no processo de tomada de decisão informada.

Portanto, algumas das possíveis soluções para o enfrentamento do negacionismo científico passam pelo entendimento dos estudantes em relação à construção, estabelecimento e organização do conhecimento científico proporcionado pela NdCT. As QSC também podem oferecer contextos complexos que exigem a prática de negociação, sobretudo se levarmos em conta as diferenças culturais da nossa sociedade. E talvez, um dos objetivos mais elevados de ambas abordagens seja a mobilização dos estudantes para que possam agir fundamentados em conhecimentos validados pela ciência.

 

Participação efetiva do ensino de ciências

Alguns dos desafios que ficaram evidentes durante a pandemia, estão associados ao surgimento de novos aspectos do negacionismo científico e que contribuem para o seu fortalecimento. Logo, os temas a serem abordados nas aulas de ciências aumentaram de forma considerável, uma vez que o acesso a informações de qualidade distintas foi facilitado com o advento da internet, propiciando que tais temas científicos, constantemente fundamentados em crenças pessoais, sejam também muito disseminados. 

Por fim, é fundamental observar que além da descrição de trabalhos anteriores de Ensino de Ciências, também é necessário perceber que questões antigas como o criacionismo, o terraplanismo e a homeopatia não foram enfrentadas adequadamente, ressurgindo mais uma vez como temas a serem debatidos em nossa sociedade. 

Nessa perspectiva, compete ao Ensino de Ciências exercer participação efetiva para que ocorra uma atenuação e/ou superação do negacionismo científico, que é capaz de colocar em risco as práticas científicas já estabelecidas, além de proporcionar o verdadeiro exercício da cidadania, através de decisões embasadas em evidências.

 

Ficou interessado? Então leia o artigo na íntegra:

CHRISPINO, Alvaro; DE MELO, Thiago Brañas; DE ALBUQUERQUE, Márcia Bengio. O crescimento da anticiência na Pandemia: Um quadro de luz e sombra. Educación Química, v. 31, n. 5, p. 162-168, 2020. DOI: <http://dx.doi.org/10.22201/fq.18708404e.2020.5.77117>