“A História da Ciência é importante por razões educacionais e filosóficas”, diz pesquisador da Universidade de Pisa

Professor catedrático da Universidade de Pisa argumenta sobre importância de estudar a história da ciência para formação de futuros professores e cientistas.

20 de fevereiro de 2020 | 19:03

Professor Doutor Paolo Rossi, nascido na cidade de Bolonha, Itália, em 1952, é professor catedrático de História da Física na Universidade de Pisa desde 2000. Atualmente, é decano da Faculdade de Ciências Naturais, Físicas e Matemática, e membro eleito do Conselho Universitário Nacional (CUN). Foi bolsista de pós-doutorado no MIT e também no CERN. De 1988 a 2000, foi professor associado de Teoria de Campos. Publicou cerca de 100 artigos científicos em revistas internacionais. Sua pesquisa mais recente está focada na aplicação de métodos e ideias da física teórica ao estudo e modelagem de fenômenos sociais e culturais. Ele também está envolvido direta e ativamente em um projeto de tradução (do latim para o italiano) de várias crônicas medievais.

Por: Mateus Carneiro Guimarães dos Santos

O físico e historiador da Universidade de Pisa, Paolo Rossi, explica qual o papel da história da ciência no ensino de ciências e suas contribuições para a educação. Para ele, existem dois motivos primordiais para ensinar ciências através da história da ciência. O primeiro motivo seria uma perspectiva educacional, onde se torna mais palpável para o aluno compreender um certo conteúdo através do seu percurso histórico. O segundo motivo que o professor Rossi defende, é que a história da ciência também deve ser objeto de estudo de cientistas e professores, pois somente com ela é possível enxergar quando uma teoria alcançou o seu limite. 

 

BALBÚRDIA - Existe uma preocupação em ensinar a história da ciência em cursos de ciências na Itália? 

 

Paolo Rossi - Infelizmente não. Infelizmente, existem poucas vagas para professores universitários na Itália. Há muita concorrência nos locais que existem alguma universidade, e esses professores que estão fazendo pesquisa se ocupam sobre temas contemporâneos na física de matéria, física de partículas, astrofísica e etc. É obviamente mais fácil manter um diálogo com o governo sobre esse tipo de pesquisa para conseguir algum apoio financeiro. Mesmo com a administração da universidade, é mais fácil obter os recursos para uma pesquisa que depois vá para uma revista internacional, e assim, então, você é referenciado, o que acaba gerando uma imediata avaliação nacional e internacional para a universidade. [A história da ciência] é uma pesquisa importante mas não apresenta apelo imediato, pois não pode ser mensurada ou quantificada com facilidade. O ensino da história da física [na Itália] está desaparecendo. Os cargos [de professores] são muito escassos. Há alguns anos, eu era o único professor de física que tinha uma cadeira em história da física na Itália. Atualmente, somos dois ou três, entretanto, são professores assistentes.  Eu sou o único professor titular de história da física na Itália, é uma situação muito constrangedora.   

 

BALBÚRDIA -  Na sua opinião, qual a importância do estudo da história da ciência para ensinar ciência? 

 

Paolo Rossi - Eu acho que para ensinar ciências, a história da ciência é muito importante por duas razões, uma que penso ser educacional e outra filosófica. A primeira razão é que se o aluno aprende pelo caminho com o qual as descobertas foram feitas, é mais fácil aprender e a entender, pois o processo mental e histórico são paralelos. Por exemplo, é difícil dizer que alguém pode compreender a mecânica quântica sem conhecer a mecânica clássica. Mas entender a mecânica quântica sem nem mesmo saber da existência da mecânica de Heisenberg, Bohr, [saber que] antes de Bohr, existia a de Rutherford. E que, portanto, várias descobertas no final do século XIX permitiram, então, desenvolver um certo modelo de átomo e consequentemente um modelo de interações microscópicas, uma teoria dessa interação. Tudo isso, quando se ensina sem seguir o caminho histórico, apenas começando no primeiro dia de aula escrevendo fórmulas e dizendo "estas são as leis da mecânica quântica". [Assim], o aluno não vai entender, porque a sua mente deve seguir o caminho não apenas lógico, mas também histórico com o qual algo foi descoberto, porque, se não, [o aluno] não seria um ser humano. Portanto, a história das descobertas está na base de uma apresentação mais compreensível dessas ideias. Se forem apenas ideias sem concretude no caminho mental pelo qual se chegou a tais conclusões [científicas], os alunos não vão aprender. A razão filosófica é que, se não entendermos a história da ciência, em particular a história da física e quais tipos de erros são cometidos no processo de pesquisa, não vamos entender o limite de uma certa epistemologia. Assim, corremos o risco de ser um cientista sem visão ampla do problema e, portanto, que não entende quando é necessário abandonar, por exemplo, uma certa hipótese. A história da ciência nos ensina que existe um momento de ruptura, o que Kuhn chama de revolução científica na qual as velhas ideias devem ser submetidas a uma crítica feroz, uma crítica muito severa para [a comunidade científica] poder ter novas idéias. Caso contrário, o cientista continua fazendo as coisas usuais sem entender que aquele é o momento da mudança. Assim, é importante entender quando é o ponto de ruptura, como as regras do jogo são historicamente determinadas e como podem ser superadas historicamente. Ensinar física faz com que o aluno acredite que entendemos tudo, quando isso não é verdade, mas apenas a história entende que nós não sabemos de tudo. Então, eu acredito que não é necessário, na minha opinião, que exista apenas um professor de história da física, mas de [vários] professores que conhecem a história da física. O conhecimento do professor de história da física deve servir em um nível superior, deve servir para os estudantes de doutorado, porque são eles que se tornarão professores e são eles que devem entender o limite de suas disciplinas. É inútil fazer um curso de história da física para um aluno do primeiro ano, somente é efetivo fazer um curso de história da física para um aluno no quinto ano ou um estudante de doutorado. São eles que precisam entender bem como surgiram suas disciplinas, como ela é desenvolvida e quais são seus limites históricos. Eu não acho que se deve ensinar [história da física] nos primeiros anos da graduação, mas deve sim ser ensinado em um nível mais avançado, portanto, os professores do ensino médio devem saber a história da física.   

 

BALBÚRDIA - Quais são as dificuldades e os desafios do ensino da história da ciência? 

 

Paolo Rossi - A principal dificuldade, como eu disse antes, é de recursos humanos, porque existem poucas posições [para professores] e pouco espaço acadêmico. Um jovem que ingressa no curso de física para se tornar um historiador da física, na minha opinião, é importante saber física acima de tudo. Por exemplo, um historiador da física moderna: tudo bem se ele quiser estudar [a física de] Galileu, mas não seria muito interessante. Ou seja, se quer estudar a história da mecânica quântica, deve saber primeiro mecânica quântica. Vejo que se primeiramente eu não fosse um físico, antes de ser um historiador da física, eu não teria entendido realmente o que os físicos dos anos 1960 e 1970 estavam falando, não teria entendido os reais problemas daquele momento. Por exemplo, aqui no instituto [Instituto de Física da Universidade de Pisa], alguns teóricos da física contemporânea acabam repetindo os mesmos erros cometidos entre 1950 e 1960. Meus colegas não percebem isso porque não estudaram o capítulo da história da física e, portanto, continuam repetindo os erros da mesma maneira. Posso te dizer um outro exemplo, esse é muito engraçado. Quando eu estava preparando uma palestra sobre Battegli [1893-1916], um professor de física bastante conhecido veio falar comigo sobre o que eu havia dito a respeito de algumas considerações sobre o limite do método de Battegli. Pois Battegli não tinha muito conhecimento matemático que lhe permitia fazer teorias mais elaboradas. Esse meu colega é um físico bastante reconhecido, portanto, uma pessoa que dizemos ser bastante conceituada na física contemporânea. E quando eu contei os limites da maneira de trabalhar dos físicos Pisano do século XIX, sua resposta foi muito ingênua: "Mas nós também fazemos isso hoje". Esse tipo de limitação conceitual é determinada pelo fato de que as histórias de Octavio Fabrizio Mossotti [1791-1863] e Riccardo Felici [1819-1902] foram perdidas. O cenário que marcou toda uma geração de físicos, especialmente Pisano, foi perdido. Ainda hoje a maneira de raciocinar de muitos colegas deste departamento é condicionada por algum tipo de cultura. Estudando a história desses institutos, pode-se entender qual a razão disso. Então, claramente, o verdadeiro conhecimento nasce do estudo da história. Digamos que [há] a dificuldade, dos recursos, certamente, em particular dos recursos humanos. Os jovens, que se inscrevem para o curso de física, o fazem com a ambição científica motivada pelo desejo de descobrir algo. É claro que não há muito a descobrir na história da física, eles não podem fazer uma grande descoberta, você não faz a teoria da relatividade a partir da história da física, portanto, é difícil atrair um jovem para cuidar dessas coisas. É necessário ter uma motivação adequada para estudar a história da física, portanto, é difícil criar uma nova geração de estudiosos da história da física. O risco é que essas disciplinas passem a ser estudadas no ambiente da história acadêmica, ou seja, aquela que está no departamento de história. Eles são muito bons em fazer seu trabalho, eles trabalham melhor nos arquivos do que nós, mas não têm uma compreensão profunda do que estão estudando. Eles não têm as noções necessárias para entender porque uma certa linha de pesquisa foi em uma determinada direção e não em outra. Por exemplo, agora falamos sobre mecânica quântica ou a teoria das cordas, se eu colocar essas coisas nas mãos de um historiador de ciência, talvez encontre todos os documentos, mas não entenda o que realmente está acontecendo, pois não é um físico. Infelizmente, é difícil encontrar físicos que fazem tais pesquisas. Infelizmente, minha trajetória pessoal é de que por muitos anos fiz pesquisa na área da física de campos, e só agora também venho pesquisando um pouco a história... Eu sempre tive um pé na história em geral, mas falar cientificamente da história da física é algo mais recente. Por fim, é claro que não são todos como eu, são poucos os jovens que fazem a história da física, pelo menos na Itália.