Para além dos segundos: uma investigação do conceito de tempo nas escolas

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Ao longo de tantos séculos de história humana o nosso entendimento de tempo deveria ser mais profundo. De certo modo já é, mas por outro lado ainda não.

27 de março de 2020 | 12:00

Daniel Trugillo Martins Fontes é Licenciado em Física pelo IFUSP e ao longo da graduação foi bolsista durante 2 anos do PIBID, esse foi seu primeiro contato sério com o planejamento e aplicação de propostas ensino de física. Agora na pós-graduação seu interesse de pesquisa está relacionado com o ensino de eletromagnetismo a partir de uma perspectiva do ensino desenvolvimental. Atualmente faz parte do grupo de pesquisa ECCo (Educação em Ciências e Complexidades) e também compõe o Grupo de Divulgação Científica ViaSaber. Como hobby escreve na rede Skoob resenhas de livros sobre filosofia, educação, ciência e outros assuntos que sempre regam as conversas de bar 🙂

Através dos séculos de perplexidades e reflexões, chegamos a compreender alguns dos mistérios do tempo, mas muitos outros ainda permanecem. O tempo está entre os conceitos mais familiares e menos compreendidos que a humanidade possui. Alguns dizem que ele voa, que ele é dinheiro, alguns tentam ganhá-lo, outros ficam irritados quando o perdem. Em um encontro no elevador, dizem que o tempo está feio. Para o maestro, o violonista tocou a nota fora do tempo. Para o gramático, o tempo se combina, e o futuro do presente e o pretérito imperfeito ganham forma. Na hora H, o boxeador é salvo pelo gongo, e o conceito de tempo se constrói e se humaniza nas mais diversas atividades sociais. Na literatura, o tempo já foi uma breve história – mesmo assim, Stephen Hawking precisou de mais de 250 páginas. Nos cinemas, vimos os tempos modernos de Charlie Chaplin chegarem aos tempos da brilhantina e ambos, agora, são tempos ultrapassados. Para milhões de americanos, semanalmente, há uma nova Time, com notícias atualizadas no tempo. Para o apressado, instantes são horas, enquanto que para um casal apaixonado horas são instantes.

Para o apaixonado pela ciência, Gaston Bachelard (1884-1962), filósofo francês, o que há sentido é o tempo como instante. Para ele, o instante é uma realidade entre dois vazios, “o instante é a única realidade do tempo” segundo a tese de doutorado Concepções de estudantes acerca do conceito de tempo: uma análise à luz da epistemologia de Gaston Bachelard de André Ferrer Pinto Martins, orientado por Jesuina Pacca.

Martins enfrentou um trabalho dos tempos de Homero. Não apenas pelo seu caráter grandioso – o estudo da concepção do conceito de tempo – mas também pelo período histórico. O autor nos mostra como desde a Antiguidade o debate sobre o tempo era atual. Ao passar por Platão (427-347 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.) e Plotino (204-270) o entendimento do tempo passou de uma criação divina para três diferentes concepções “o presente atual, que na verdade já pertence ao passado, o presente do passado, que se chama memória, e o presente do futuro, apenas imaginado por nossa esperança ou nosso medo”.

Esse era só o começo do entendimento do tempo físico. O pesquisador nos mostra como esse conceito se complexificou conforme modificava a compreensão humana acerca da natureza, sedimentando o nascimento da ciência moderna. Galileu Galilei (1564-1642) “expressa a ideia de um tempo contínuo, com infinitos instantes”, enquantoque para Isaac Newton (1642-1727) o tempo era absoluto, no qual “‘flui’ por ‘direito próprio’, desvinculado de qualquer outra coisa” mas ainda vinculado a uma concepção divina. Para Gottfried Leibniz (1646-1716) o tempo era relativo, isto é, dependente dos fenômenos. Esse seria “a ‘ordem sucessiva das coisas’ que nos dá a noção de tempo”. A discussão avança – no tempo – e ainda passaria por muitos outros filósofos e físicos como Ernst Mach (1838-1916), Henri Bergson (1859-1942), Gaston Bachelard e Albert Einstein (1879-1955).

O tempo como objeto de investigação no ensino de ciências

Com tantas diferentes interpretações possíveis para a compreensão do conceito de tempo, Martins optou pelo referencial epistemológico de Bachelard para alicerçar sua investigação e sua análise de dados.

Através de questionários, atividades experimentais e entrevistas, Martins interagiu com alunos do ensino fundamental e médio de 3 diferentes escolas públicas. Para o início da análise, era solicitado que os alunos escrevessem (ou desenhassem) tudo o que conseguiam relacionar com a palavra “tempo”. Posteriormente, estruturadas por detalhados roteiros, as entrevistas duravam em média 25 minutos e foram gravadas para mais tarde serem transcritas.

O autor notou que um grande número de alunos associou o tempo a uma duração ou um período. “O tempo necessário à realização de um trabalho ou de uma ‘prova’ na escola” são citados como exemplos. Em segundo lugar apareceram associações de tempo com referência à sua marcação – exemplo do relógio – e à unidades de medida – como os segundos, meses, anos. Martins, ao final de sua tese nota que a conceptualização do tempo pelos alunos parece se desvincular da noção apenas de medida e passa a ganhar um certo “status de uma entidade existente independente dos fenômenos”. A opção teórica tomada por Martins buscou parâmetros que o possibilitasse apreender o conceito de tempo em seu processo formativo, a partir da dimensão humana de educação em ciências.

Ao final dessa breve reflexão acerca do trabalho de Martins fica o questionamento: por que pensar o tempo se as subjetividades de suas medidas são claras e a impossibilidade de o definirmos lhe é inerente? Porque o tempo parece se impor na construção do nosso psicológico. Não há escapatória. Por mais que se evite abordá-lo ele se faz presente, e é uma exigência imposta a nós aceita-lo – de uma forma ou de outra.

Em tempo, há certas coisas que só o tempo irá dizer. Essa, talvez, seja um exemplo.

Ficou interessado? Leia as publicações da pesquisa original:

TESE

MARTINS, André Ferrer Pinto. Concepções de estudantes acerca do conceito de tempo: uma análise à luz da epistemologia de Gaston Bachelard. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências). Instituto de Física, Instituto de Química, Faculdade de Educação, Instituto de Biociências. Universidade de São Paulo, 2004. Disponível: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-30112004-183841/pt-br.php> Acessado em: 10 nov. 2019.

ARTIGO

MARTINS, André Ferrer P.; ZANETIC, João. Tempo: esse velho estranho conhecido. Ciência e Cultura, v. 54, n. 2, p. 41-44, 2002. Disponível: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v54n2/14812.pdf. Acessado em: 10 nov. 2019