Ensinando Química em comunidades quilombolas com o livro “O Kalunga tem história”

Obra resenhada: FRANZÃO, Juliana Moraes; RODRIGUES FILHO, Guimes. O Kalunga tem história: desafios para o ensino de química na educação escolar quilombola. Uberlândia: Navegando Publicações, 2017.

 

19 de junho de 2020 | 14:43

Caio Ricardo Faiad
Bacharel e licenciado em Química e em Letras. Doutorando em Ensino de Ciências com pesquisa no campo das Educação das Relações Étnico-raciais por meio da interdisciplinaridade entre Química e Literatura. Bato ponto nas redes, sendo conhecido no Instagram e no TikTok como “um químico nas letras”. Para me seguir, procure o @ocaiofaiad em todas as redes sociais. E o mais importante: sou um grande fã da Beyoncé.

Em O Kalunga tem história: desafios para o ensino de química na educação escolar quilombola, publicado pela editora Navegando Publicações, em 2017, os autores Juliana Moraes Franzão e Guimes Rodrigues Filho retratam aspectos importantes da vida nos quilombos de Goiás. Fruto da pesquisa de doutorado de Franzão, na Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação de Rodrigues Filho, o livro chama a atenção para a necessária tarefa de elaborar materiais didáticos que aborde o cotidiano das comunidades quilombolas conforme preconiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica.

Narrado em terceira pessoa, O Kalunga tem história inicia apresentando José, um rapaz de 23 anos que só pode voltar a estudar quando o Ensino Médio foi implementado na Escola Estadual Calunga I — Extensão Maiadinha. Ao decorrer da narrativa passamos a conhecer sua família, os trabalhos executados pela comunidade e os festejos. Por trazer a história da comunidade Kalunga em textos curtos e em belas ilustrações, o livro se torna ideal para a contação de história no ensino infantil.

Contudo, para ser tratado no Ensino Fundamental e Médio, os autores se preocuparam em incluir passagens que pudessem ser utilizadas pelos professores de Química para contextualizar processos e conceitos químicos, como o caso dos sabões: “A chegada dos alunos à escola era festiva, eles conversavam animados e, aos poucos, iam para suas respectivas salas. Naquele dia, a professora de Química do terceiro ano estava concluindo um estudo sobre a produção de sabão a partir do Tingui e da coada de cinzas ou dicuada como a maioria falava.” Outros conceitos e processos químicos podem ser abordados a partir desse livro, a saber: separação de misturas, propriedades dos metais, extração em plantas medicinais, o processo de conservação de alimentos.

Assim sendo, os autores mostram aos professores, leitores-alvo do livro, a potencialidade de despertar o interesse dos conteúdos de Química pela história de suas comunidades por meio da discussão, inicialmente fenomenológica, das atividades sociais relacionadas com a Química existentes nas comunidades quilombolas. Essa preocupação é importante porque na Educação Escolar Quilombola os saberes tradicionais da comunidade precisam ser incorporados como forma de reconhecimento e valorização e para que não se percam no tempo ao longo das novas gerações.

Rico na proposição, O Kalunga tem história: desafios para o ensino de química na educação escolar quilombola é uma obra feita para a comunidade quilombola, mas que traz luz para as demais modalidades de ensino por também suscitar reflexões para a incorporação das relações étnico-raciais na Educação Básica — conforme determina a Lei n.º 9394/96, com a redação dada pelas Leis n.º 10.639/2003 e n.º 11.645/2008, e na Resolução CNE/CP n.º 1/2004, fundamentada no Parecer CNE/CP n.º 3/2004 —, o que torna a obra fundamental para todos os cursos de Licenciatura em Química.