Como Física e Filosofia se relacionam? Em que medida o cientista natural realmente recorre à filosofia no exercício de sua pesquisa, no curso de suas investigações, na elaboração e interpretação das teorias? Por favor, um momento, vamos apertar a “tecla sap” e reformular tais questões em bom “jovemnês”: Física e Filosofia: Cada um no seu quadrado ou tudo junto e misturado?
21 de dezembro de 2021 | 18:00
Vinícius Carvalho da Silva é um colecionador de incompletudes, abridores de amanheceres e pássaros em voo. Fez mestrado e doutorado na área de Filosofia da Ciência na UERJ, com especial interesse na filosofia dos físicos. Pós-doc pelo IMS-UERJ. Hoje é professor de Filosofia da Ciência na UFMS onde coordena o grupo “Physikós – Estudos em História e Filosofia da Física e da Cosmologia”. É Colaborador no Masterclass Hands on Particle Physics no Departamento de Física Nuclear e Altas Energias do Instituto de Física da UERJ e membro dos grupos de Pesquisa TeHCo (IF-USP), ECTS (UERJ) e LLC (UFT).
Marcia Begalli adora saladas, café, sucos naturais, prótons e bósons de Higgs. Vive a acelerar ideias, colidir teses e antíteses. Graduada em Física pela Unicamp, (Onde bateu muito papo com César Lattes!) mestrado em Física pelo Instituto de Física Teórica (1982) e doutorado em Física pela Rheinisch-Westfalischen Technischen Hochschule - Aachen (1989), Alemanha. É professora da UERJ. Participa do experimento Dzero, no Fermilab e do ATLAS, no LHC, CERN. É a responsável nacional pelo Masterclass-Hands on Particle Physics, em colaboração com o IPPOG.
Antonio Augusto Passos Videira, o “Guto”, nasceu em Princeton, USA, mas é um legítimo carioca da gema. Possui graduação em Filosofia pela UFRJ (1986) e doutorado em Filosofia - Université de Paris VII - Universitée Denis Diderot (1992). Realizou estudos doutorais na Universidade de Heidelberg (1988-1989) e na Universidade de Paris VII (1989-1992). É professor da UERJ e pesquisador colaborador no CBPF. Estagiou no Max-Planck Institut fuer Elementarteilchenphysik (Munique, Alemanha). É coordenador do ECTS – Estudos Conceituais e Sociais de Ciência, Tecnologia e Sociedade (UERJ).
Sandro Fonseca é dono de uma das maiores adegas virtuais do Brasil. Pena que é apenas um plano de fundo que ele usa durante os meetings! Doutor em Física pela UERJ. Pós-doutorado em Física pelo CBPF (2011-2012) e pelo CERN (2010-2011) e (2017). Professor no Departamento de Física Nuclear e Altas Energias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e colaborador do experimento CMS/LHC no CERN desde 2007. É o responsável pelo curso de Filosofia da Física do IF-UERJ, que conta com a colaboração dos outros amiguinhos que assinam esse artigo.
Por: Vinícius Carvalho da Silva, Marcia Begalli, Antonio Augusto Passos Videira e Sandro Fonseca
A tese do “cada um no seu quadrado” tem alguns defensores de peso. Steven Weinberg, Richard Feynman, Stephen Hawking. Pelo menos é o que dizem, mas cá entre nós, nem Feynman e nem Hawking conseguiram, de fato, tirar um dos pés, por completo, do quadradinho filosófico.
Esses próprios físicos acabam filosofando quando encaram certos problemas como “o que é ciência?”, “quais os limites e as possibilidades do conhecimento científico?”, “O que é uma teoria?”, “Qual é a diferença entre uma teoria e modelo?”, “como escolher um modelo dentre duas alternativas concordantes com a experiência?”, “o que significa dizer que uma teoria é elegante ou simples?”. O mais interessante nesse caso é que, independente das respostas, o simples fato de colocarem tais perguntas já constitui um exercício filosófico.
Dentre aqueles que buscam enaltecer a importância mútua que Física e Filosofia exercem entre si, encontram-se, atualmente, nomes como Carlo Rovelli e George Ellis. Para Rovelli, em seu artigo “A Física precisa da Filosofia, a Filosofia precisa da Física”, físicos e filósofos devem colaborar ativamente, aprofundando a investigação e o diálogo sobre o que é a ciência e qual é a melhor forma de fazê-la e promovê-la. É exatamente o que também defendem George Ellis e Joe Silk em “Método Científico: Em defesa da integridade da Física”. Em 2014, no Debate de Munich[1], a interação e o debate entre físicos, cosmólogos e filósofos demonstrou que tal diálogo continua vivo e relevante.
[1] Em 2014 ocorreu em Munich, Alemanha, um evento científico que ficou conhecido como “Debate de Munich”, reunindo físicos, cosmólogos e filósofos da ciência, que discutiram a natureza do método científico, a base empírica da ciência, o compromisso científico com a busca da verdade e demais questões filosóficas. Ficou clara uma cisão entre aqueles como George Ellis, que defendem que toda teoria científica deve possuir uma base empírica, sendo confirmada por observações e ou experimentos, e aqueles como Richard Dawid que argumentam que embora a base empírica seja importante, não deve ser tomada como necessária e inevitável, já que algumas teorias podem avançar com base em recursos sumamente teóricos, formais e conceituais, como simplicidade lógica, beleza matemática e capacidade de unificação de teorias ou modelos físicos (Natalie Wolchover, 2015).
Rovelli defende que as ciências naturais constroem sistemas conceituais que visam representar a natureza e oferecer, em algum nível, uma resposta para as questões “o que é isso, o mundo?” e “O que é isso, o real?”. Deste modo, a pesquisa científica encarna, estruturalmente, ideais e pretensões filosóficas. Então temos o time do “cada um no seu quadrado” e o time do “tudo junto e misturado”. Esse último, em nossa visão, tem historicamente saído vencedor com larga vantagem, a despeito do barulho feito pela turma do quadrado.
Einstein, em “Física e Realidade” defendeu que o físico deve filosofar, sobretudo nos momentos de crise, quando o que está em jogo são os fundamentos da física. Posição semelhante ressoará em “A Estrutura das Revoluções Científicas” de Thomas Kuhn.
Temos nos esforçado para mostrar as várias dimensões filosóficas da pesquisa científica no International Masterclass Hands on Particle Physics e na disciplina de Filosofia da Física do Instituto de Física da UERJ. Por meio de uma colaboração interinstitucional e multidisciplinar, envolvendo o Instituto de Física e o Departamento de Filosofia da UERJ, e a Faculdade de Ciências Humanas da UFMS (FACH-UFMS), e pesquisadores de três grupos*, três universidades estaduais e duas federais**, elaboramos um conteúdo agregando tópicos de filosofia e história da física ministrados por físicos, filósofos e historiadores.
* O curso oferecido pelo IF-UERJ conta, em sua organização, com a colaboração do Physikós – Estudos em História e Filosofia da Física e da Cosmologia (FACH-UFMS) e o ECTS – Estudos Sociais e Conceituais de Ciência, Tecnologia e Sociedade (UERJ).
** Colaboram professores da UERJ, UFMS, UFT, UENF e USP.
Na última edição, realizamos quatro aulas abertas em parceria com o Masterclass, o Grupo de Estudos Sociais e Conceituais em Ciência, Tecnologia e Sociedade (ECTS-UERJ) e o Physikós (FACH-UFMS), pelo canal de facebook do Cafis-UERJ, totalizando quase 3 mil visualizações, contribuindo, portanto, para a disseminação pública do conhecimento especializado na área. O Masterclass e o Physikós[2], realizam, desde 2019, uma série de ações de divulgação, obtendo mais de dez mil visualizações nas redes sociais. Colegas do TeHCo, o Grupo de Estudos em História e Teoria dos conhecimentos, do Instituto de Física da USP, tem colaborado ativamente conosco. A rede cresce e as conexões se expandem!
[2] Para saber mais consultar as páginas do Physikós e do Masterclass.
Somos da turma do “juntos e misturados”. Não somente porque defendemos a tese de que Física e Filosofia estão entrelaçadas, tanto em nível epistemológico, quanto em sentido histórico, mas sobretudo porque, de fato, em nosso trabalho concreto, em nossas práticas de ensino, pesquisa e extensão, temos encarnado essa atitude e trabalhado em conjunto. Somos dois físicos e dois filósofos movidos pela paixão comum por física e filosofia. Mais do que isso, o fato é que os anos passaram e não perdemos aquele espanto inicial diante do mistério do mundo. É o real, a natureza que nos encanta, e desejamos transmitir isso ao maior número de pessoas.
Referência:
ELLIS, George; SILK, Joe. Scientific method: Defend the integrity of physics. Nature. 516 321-3, 2014.
EINSTEIN, Albert. Física e realidade. Revista Brasileira de Ensino Física. [online], v. 28, n.1, p.9- 22, 2006.
KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
ROVELLI, Carlo. Physics Needs Philosophy. Philosophy Needs Physics. Foundations of Physics. v. 48, p.481–491, 2018.
SILVA, Vinícius Carvalho da. Filosofia Natural, Física Teórica e Metafísica: da física dos filósofos antigos à filosofia dos físicos modernos. Perspectivas (UFT), v. 6, p. 274-297, 2021.
VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. A inevitabilidade da Filosofia na Ciência Natural do século 19: O caso da física teórica. Ijuí: Ed. da Unijuí, 2013.
WOLCHOVER, Natalie. A Fight for the Soul of Science. Quanta Magazine. December 16, 2015.