Perspectiva crítica e ensino de ciências: pedagogia histórico-crítica

Alguns livros relevantes que fundamentam a reflexão sobre o ensino de ciências sob a perspectiva crítica. Fonte: o autor.

Diferentes perspectivas pedagógicas perpassam o ensino de ciências, entre elas, o ensino por investigação, preconizado nos documentos curriculares atuais. Uma contraposição é apresentada pela perspectiva histórico-crítica.

Guilherme Augusto Fernandes

Possui graduação em Ciências Biológicas (Licenciatura e Bacharelado) pelo Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Botucatu (2015/2016). Concluiu o Mestrado em Educação para Ciência pela Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Bauru (2019) como bolsista pela CAPES. Atualmente aluno de Doutorado em Educação para Ciência pela mesma instituição. Membro do grupo de pesquisa "Formação e Ação de Professores de Ciências e Educadores Ambientais" - CNPQ. Atuou como professor substituto em disciplinas de licenciatura em Biologia pela UNESP de Botucatu nos anos de 2020, 2021 e 2022. Atua com Educação Não Formal pelo grupo Curare com cursos, oficinas, visitas pedagógicas e palestras sobre Permacultura e Educação Ambiental. Especialista em "processos didático-pedagógicos para cursos na modalidade a distância" pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP). Atualmente atua como professor efetivo da Educação Básica pela prefeitura de Botucatu.

E-mail: guilherme.augusto-fernandes@unesp.br

Perfil instagram: @guisem.insta

28 de novembro de 2022 | 10:00

Para que possamos compreender o que é uma perspectiva crítica no campo pedagógico, é importante que façamos uma breve contextualização histórica sobre perspectivas que predominaram em alguns períodos históricos.

As disciplinas de ciências da natureza (muitas vezes designadas apenas como a disciplina de ciências no ensino fundamental e as disciplinas de física, química e biologia no ensino médio), costumam ser enquadradas, na educação, na área de “ensino de ciências”, para fins de pesquisa e ensino. Nessa área, tivemos diversas modalidades de concepções pedagógicas e seus métodos que predominaram em diferentes períodos históricos, a depender de suas influências teóricas vigentes1 de acordo com o contexto político e econômico de cada época2

Como alguns exemplos, podemos citar o ensino tradicional, pautado na transmissão de conhecimentos apresentados como produtos acabados por parte do professor, sem tratar especificidades de aprendizagem dos estudantes. Em sucessão, o ensino por descoberta foi a tendência mais forte nos anos 1970 e trouxe como inovação a tentativa de promover um ensino que comportasse o método científico, mas se traduziu geralmente em experimentações e procedimentos que procuravam imitar um estereótipo do fazer científico e não abarcava questões históricas e filosóficas do fazer científico. 

Já o método proposto pelo ensino por pesquisa (ou ensino por investigação) integra procedimentos científicos, tais como formular perguntas, elaborar  hipóteses, basear-se em um problema, elaborar propostas escritas ou práticas como resolução). Essa abordagem de ensino é fundamentada na Escola Nova (teoria pedagógica) e no Construtivismo (teoria psicológica) e pressupõe a Alfabetização Científica, o que inclui não apenas a apresentação de conteúdos, como na escola tradicional, mas a discussão das condições de produção da ciência (aspectos históricos e filosóficos). Quando contextualizado junto às questões socioambientais no movimento curricular da área, o ensino de ciências apresenta uma perspectiva que ficou conhecida como CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente). 

A Base Nacional Comum Curricular, documento de orientação curricular nacional mais recente, adota o ensino por investigação para as disciplinas de ciências naturais, com recomendações sobre levantamentos de hipóteses por parte dos alunos, fundamentação em problemas e proposição de soluções.

Nos anos 1980, com o contexto de retomada gradual da democracia após o fim da ditadura militar, houve um cenário favorável para o crescimento das pedagogias de vertentes críticas, que tinham em comum a lógica dialética (uma base filosófica que compreende a realidade como sempre em movimento, regido por contradições) e a crítica ao capital, portanto, opositoras ao sistema capitalista. Entre estas vertentes, temos a pedagogia freiriana (de Paulo Freire) e a pedagogia histórico-crítica (contribuição inicial de Demerval Saviani).

Saviani propõe uma pedagogia que não se alicerça nem na pedagogia tradicional, nem na Escola Nova, destacando que apesar dos avanços da segunda em relação à pedagogia tradicional, seu desdobramento prático não teve consequências iguais nas camadas populares, trazendo distinções de classe que prejudicaram a valorização dos conteúdos escolares. 

Em seu método pedagógico3, propõe um ensino que parta da prática social imediata dos estudantes, ou seja, suas relações sociais mais imediatas e perceptíveis; seguido de um processo de problematização desta realidade social, a partir da qual serão colocadas as contradições e desafios da sociedade, incorporando elementos cada vez mais amplos da organização social; já nos momentos de instrumentalização, são ensinados os conhecimentos necessários para a resolução dos problemas postos, ou criadas as condições para que os estudantes se apropriem deles; a apropriação destes conhecimentos, promove momentos de catarse nos estudantes, ou seja, a capacidade de articular e relacionar os elementos aprendidos com o contexto social de forma sintética, levando ao último momento: o retorno ao entendimento da prática social, mas agora com uma visão de totalidade. Cabe ressaltar, que são momentos articulados, não lineares e sequenciais, mas concomitantes, dinâmicos e passíveis de retorno. 

Qual a diferença destes momentos pedagógicos descritos por Saviani na pedagogia histórico-crítica e dos momentos propostos pelo ensino por investigação? Em uma resposta breve, poderíamos dizer que há diferenças metodológicas e filosóficas, sobre como fazer e sobre o significado das coisas. Por exemplo, para o ensino por investigação, a pesquisa escolar é um procedimento de ensino básico. A ideia de que o ensino comporte o “fazer” da ciência, de forma análoga, se torna mandatório (o ambiente de aprendizagem precisa reproduzir, com as devidas adequações, as etapas da investigação científica durante o ensino). Já para o método da pedagogia histórico-crítica, não é rejeitada a ideia de "transmissão" dos conteúdos de professor para aluno, entendido como um processo que também discuta as condições de produção deste conhecimento e sua relação com a prática social. Nesta perspectiva, a pesquisa escolar pode ser um procedimento integrante da atividade pedagógica ou não.

Da mesma forma, o “problema” gerador da questão de pesquisa no ensino por investigação pode ter um ponto de partida pautado no cotidiano. Já quando pensamos nos momentos de “problematização” dentro da perspectiva da pedagogia histórico-crítica, considerando questões sociais e ambientais, é inescapável que apareça a perspectiva de classes sociais e a crítica à concentração de propriedade. A ideia de prática social na perspectiva crítica pressupõem uma visão da singularidade, passando pelas particularidades até um patamar global, visando o trabalho livre e a emancipação como horizonte político. Deste modo, podemos compreender que as perspectivas promovem uma educação capaz de questionar a raiz política dos problemas socioambientais.

 

Notas e Referências

  1. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais (ciclo I). Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf> Acesso em: 5 de Janeiro de 2019.
  2. SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. 4ª edição. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.
  3. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11ª. ed. Campinas, Autores Associados, 2011.