Partindo do estudo das normas penais em branco, a autora expõe seu argumento de que o fenômeno da remissão (isto é, a referência a outras instâncias para que se possa completar o conteúdo da disposição penal) não é algo pontual no direito penal. Segundo a autora, o fenômeno da remissão é global e constitui um elemento intrínseco à definição dos standards de condutas jurídico-penalmente relevantes. De fato, a remissão a instâncias externas ao legislador penal não é um fenômeno exclusivo das normas penais em branco, das cláusulas de autorização, dos elementos normativos do tipo e dos programas de compliance. A remissão a instâncias externas à lei penal forma parte da dogmática do delito culposo e, na verdade, de toda a dogmática do tipo objetivo.
Admitir que toda lei penal contém uma remissão (expressa ou tácita) a standards de conduta definidos por fontes externas à lei penal e, ademais, que a fonte externa relevante é a valoração social da conduta significa necessariamente o rechaço de uma visão do legislador penal como uma instância isolada capaz de gerar uma definição completa do injusto típico. Com efeito, a concepção defendida por Pastor Muñoz parte de uma concepção do legislador penal vinculado às valorações sociais vigentes em um determinado momento histórico. Consequentemente, rejeita-se um conceito formal de delito, cuja legitimidade decorre tão-somente da observância de procedimentos formais constitucionalmente previstos. Além disso, dado que a lei penal não é capaz de definir a norma penal (sendo a primeira apenas um elemento da segunda), nem de construir o injusto de maneira completa, a concepção material de delito vincula fortemente ao juiz, cuja atividade é de “co-configurador” da norma penal. Nesse contexto, o princípio da legalidade deve ser compreendido em termos muito modestos, afastando-se de sua compreensão ilustrada. A capacidade do princípio da legalidade de ser fonte de orientação e, portanto, de segurança para o destinatário da norma é, assim, limitada.
Sem a dogmática, não é possível construir nem a norma penal, nem os critérios de imputação de responsabilidade pela infração de referida norma. A claridade da função sistemática que se atribui aos standards sociais de conduta/conteúdo do risco permitido contrasta, todavia, com a obscuridade de seus limites e conteúdo. De acordo com a autora, não se pode deixar a definição do conteúdo da norma a cargo de seu destinatário (isto é, o destinatário da norma não pode ser responsável por elaborar o corpo normativo que complementará a disposição da lei penal). Tampouco se deve pretender encontrar standards sociais na mera prática social, pois a práxis, por si só, não apresenta uma dimensão vinculante. Não se pode, ainda, recorrer a consensos sociais formais, nem a cálculos de utilidade social global, porque implicam um menosprezo dos interesses da minoria. Dessa forma, provavelmente, o caminho mais adequado seria o de reconhecimento da identidade social (historicamente conformada) na medida em que, em termos materiais, possa-se fundamentar um consentimento normativo, isto é, um consenso profundo vinculado à “racionalidade social”.