As teorias educacionais são realmente necessárias?

Legenda: Assim como diferentes leituras levam a diferentes interpretações dos fenômenos que nos cercam, diferentes concepções de sociedade levam a teoria educacionais distintas e, portanto, a diferentes estratégias de luta. Fonte: freepik.com. Crédito: storyset

Como diferentes concepções influenciam na luta pela Educação.

Caian Cresmasco Receputi

Olá, pessoal. Meu nome é Caian Cremasco Receputi. Sou Licenciado em Química pela UFES e mestre em Ensino de Ciências PIEC-USP. Durante a graduação foi bolsista de Iniciação à Docência no PIBID e, posteriormente, atuei como professor substituto na universidade em que me formei. Atualmente curso o Doutorado no PIEC-USP. Tenho interesse pelos temas de Educação e Política. Tenho grande admiração pelas lutas travadas por Paulo Freire e Florestan Fernandes. Nas horas livres gosto de ler um livro ou assistir a um filme. Sigo lutando para que um dia a Educação se torne um projeto que vise à emancipação do povo em nosso país. Perfil no instagram: @caian.receputi 

26 de junho de 2023 | 10:00

É comum na área de Educação e do Ensino de Ciência ouvirmos o jargão “na prática a teoria é outra”, utilizado tanto em um sentido positivo (com o objetivo de mostrar que a prática apresenta complexidade) quanto negativo (visando deslegitimar a teoria). Entretanto, independente do sentido empregado, essa expressão nos leva a questionar a necessidade das teorias científicas e educacionais do nosso campo. Mas as teorias educacionais são realmente necessárias? Se sim, em que medida elas podem impactar nas práticas de educadores e na própria Educação? 

Esse contexto é o ponto de partida de Rosemary Dore, professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para realizar uma discussão sobre como as teorias educacionais, podem influenciar as concepções dos professores e educadores sobre a Educação, impactando, inclusive, na direção de políticas públicas. Suas ideias são apresentadas no ensaio “Gramsci e o debate sobre a escola pública no Brasil”, publicado em 2006 no “Cadernos CEDES” (Centro de Estudos Educação e Sociedade). Para tanto, ao longo do texto, a autora desenvolve as diferenças de duas das distintas concepções sobre a escola que estavam em disputa em meados da década de 1980 (próximo ao fim da Ditadura Militar no Brasil). 

Uma Teoria, duas concepções

Para sua discussão, Rosemary Dore investiga a obra e a respectiva repercussão no cenário brasileiro de dois autores: o filósofo e professor universitário francês, Louis Althusser (1918-1990), e o filósofo, historiador e político italiano, Antonio Gramsci (1891-1937). Ambos os autores foram filiados ao Partido Comunista de seus respectivos países e, portanto, inspiraram suas concepções de Educação nas análises de Karl Marx sobre Sociedade e Economia. 

Karl Marx (1818 - 1883) foi um filósofo, economista, teórico político e revolucionário socialista alemão. Ao longo de sua vida buscou compreender a organização do modo de produção capitalista. Tendo como pressuposto que as sociedades se desenvolvem através da luta de classes, identificou que na sociedade capitalista há um conflito entre as classes dirigentes, que são aquelas que detém e controlam os meios de produção (burguesia), e as classes trabalhadoras, que são aquelas que vendem a sua força de trabalho em troca de salário para conseguirem sobreviver (proletariado). Uma das inferências que Marx identifica no capitalismo é que a burguesia, para se manter no poder, busca se apropriar e dirigir todos os setores da sociedade (sendo um deles o sistema educacional).

Althusser compreendia o sistema escolar como somente um dos setores do qual a burguesia tinha se apropriado e, pela diferença de força entre a burguesia e o proletariado, seria inútil ou ineficaz lutar por um projeto de escola voltado para o interesse da classe trabalhadora. Já Gramsc,i compreendia que a escola, embora tivesse sido apropriada pela classe dominante para atingir seus objetivos, também a identificava como um espaço de disputa de projeto e de melhores condições para a classe trabalhadora.

Rosemary Dore questiona como foi possível se ter essas diferentes concepções de Educação, sendo que ambos os autores tinham como fundamento a obra de Marx.

Duas concepções distintas de Educação

Para Althusser, o Estado é, antes de mais nada, uma ‘máquina de repressão’ da burguesia, tendo o objetivo de manter a classe trabalhadora na subalternidade, principalmente por meio da repressão (prisões, polícia e o exército), mas também por meio da ideologia (educação, imprensa e os meios culturais). O sistema escolar, nesse contexto, seria gestado pelo Estado com o objetivo de inculcar nos trabalhadores um conjunto de ideias, normas e valores que iriam contra os seus próprios interesses. As péssimas condições de trabalho e de estudo contribuiriam para a manutenção desse sistema, pois dificultam o desenvolvimento de uma educação crítica. A escola, portanto, teria o fim de formar trabalhadores dóceis. Nesta perspectiva, os profissionais da educação não teriam espaço para lutarem de dentro do sistema escolar, por exemplo, lutando por melhores condições de trabalho, por um currículo crítico ou por políticas educacionais mais progressistas; a luta se daria fora da máquina Estatal na busca de tomar o poder e substituir a direção da burguesia pela direção do proletariado. Esta concepção determinista sobre o Estado e a Educação levou diversos educadores a abandonarem a escola pública e a organizarem iniciativas de educação informal, por exemplo, os cursinhos pré-vestibulares de caráter social.

Como a própria autora argumenta, é fácil compreender o motivo das ideias de Althusser ganharem tanto espaço nas décadas de 1970 e 1980, época em que o Brasil vivia uma Ditadura Militar e um regime altamente repressivo.

Já Gramsci compreendia que o Estado não governava somente ou prioritariamente com base na força, mas também impedindo que os trabalhadores tivessem qualquer tipo de organização, por exemplo: endossava as proibições ao direito dos trabalhadores de fazer greve, de constituir sindicatos, de votar, ser votado, de organizar partidos e de publicar jornais; aspecto vivenciado na Ditadura Militar (1964 - 1985). Nesse contexto, a escola não era mais percebida como instrumento exclusivo da classe dominante, mas sim, um espaço de disputa de ideias e projetos. Seria, portanto, indispensável se lutar dentro do próprio sistema educacional, buscando melhores condições de trabalho e estudo e o desenvolvimento de uma educação voltada aos interesses da classe trabalhadora. As ideias de Gramsci sobre o Estado e a Educação começam a ganhar mais força somente no final da década de 1980, mas leva diversos educadores a formular projetos em defesa de uma escola pública e de qualidade para todos.

Diferentes concepções, estratégias distintas

É importante ressaltar que Rosemary Dore opta por realizar um recorte temático e temporal, abordando duas das distintas concepções bem difundidas no contexto brasileiro nas décadas de 1970 e 1980, esta opção é necessária pelo espaço limitado dos artigos. Entretanto, é importante destacar que havia e ainda há diferentes concepções de sociedade e educação em nosso campo (ver, por exemplo, as discussões sobre educação e política de Demerval Saviani). 

Apesar disso, é possível perceber, a partir das reflexões da autora, como diferentes concepções de sociedade levam a distintas estratégias de luta. Este aspecto nos leva a inferir que as teorias científicas e educacionais são de grande relevância para a nossa atuação como educadores. Nesse sentido, se torna indispensável questionarmos, por exemplo, quais concepções de sociedade fundamentaram a implementação no Novo Ensino Médio (que começou a vigorar em 2022), quais interesses essa reforma atende e qual o nosso papel diante dessa realidade.

Ficou interessado no tema? Então leia o artigo na íntegra em:

DORE, Rosemary. Gramsci e o debate sobre a escola pública no Brasil. Cadernos Cedes, Campinas, v. 26, n. 70, p. 329-352, 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ccedes/a/JQqvjsTwVfGYnTvZyq3N3Kf/>.

SAVIANI, Dermeval. Escola e  democracia: teorias  da  educação,  curvatura  da  vara, onze  teses  sobre  educação  e  política.  36.  ed.  São Paulo:  Autores Associados:  Cortez, 2003.