O céu de Ícaro não tem mais poesia do que o de Galileu: a beleza da ciência sob o luar do sertão

Eventos de divulgação científica podem revelar as dimensões não utilitárias da pesquisa científica. Fonte: Museum Alliance - NASA.

Vinícius Carvalho da Silva cresceu fascinado pelo céu estrelado e o espaço sem fim. Foi estudar Filosofia na UERJ para tentar transformar esse bom espanto em um pouco de conhecimento, recebendo a bolsa CNPq de PIBIC, o que manteve sua mente e estômago aquecidos. Fez mestrado e doutorado na área de Filosofia da Ciência, com especial interesse na filosofia dos físicos. Hoje é professor de Filosofia na UFMS. Colabora em projetos de divulgação científica, como o Masterclass Hands on Particle Physics no IF-UERJ e o Museum Alliance da NASA. Graças a esse último, pode continuar vivendo no mundo da lua mesmo sem tirar os pés do chão, o que é uma grande vantagem

A lua sempre exerceu grande fascínio sobre a humanidade. Seu encanto misterioso floresceu em poemas, romances, pinturas e músicas. O Fausto de Goethe quer livrar-se do peso do mundo, e penetrar nos seus “vastos domínios” para “banhar-se de luz”. A lua, cravejada no céu estrelado, revela a poesia do palco principal: o espaço insondável.

Shakespeare, em Hamlet, Ato 2, Cena 2 realça a importância do pensamento puro ao dizer que mesmo que alguém vivesse preso em uma casca de noz, poderia ser o rei do espaço sem fim. A física teórica, a cosmologia, a astronomia, nos permitem sonhar com o reino aspirado por Hamlet. Stephen Hawking, preso nos limites estreitos do próprio corpo, sondou sem dúvida as mais remotas regiões do universo. A ciência, longe de ser um empreendimento frio e impessoal, despido de beleza, é uma aventura fascinante, que pode nos revelar a poesia do mundo.

O conhecimento científico não se reduz à produção de utilidades práticas. O valor da ciência possui dimensões filosóficas, culturais e estéticas. Buscamos nos utilizar de projetos e recursos que possam promover a divulgação de todas as dimensões da pesquisa científica, como o International Masterclass Hands on Particle Physics, ou “Colocando a mão na massa da física de partículas” promovido no Departamento de Física Nuclear e Altas Energias do Instituto de Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e em outras instituições brasileiras, para divulgar o pluralismo do conhecimento científico.

O Masterclasses é um evento internacional de divulgação científica sobre Física de Partículas Elementares realizado anualmente em universidades e centros de pesquisa de todos o mundo, coordenado pelo IPPOG (Grupo Internacional de Divulgação Científica de Física de Partículas), envolvendo grandes centros internacionais de pesquisa, como o CERN (Centro Europeu de Física de Partículas). Como diz o nome, é um evento "Mão na Massa" (Hands on), onde os participantes não somente assistem a palestras sobre os experimentos do LHC, o “Grande Colisor de Hádrons”, no CERN, mas também analisam as colisões de partículas realizadas nesses experimentos, vivenciando, mesmo que por curto tempo, a rotina de trabalho de um físico de partículas.

Na UERJ o Masterclass assume uma característica peculiar. Ele deixou de ser um evento anual e se tornou um projeto de extensão realizado de modo contínuo ao longo de todo ano, ensinando física de partículas a universitários e estudantes de ensino médio. Também mantemos o canal “Dois prótons e um café” no youtube, onde veiculamos material de divulgação científica explorando a relação entre ciência, filosofia e outras áreas do conhecimento.

O projeto busca fazer com que estudantes “coloquem a mão na massa” da física de partículas praticada no CERN, aprendendo física de um modo criativo e não utilitarista, valorizando as relações entre ciência, filosofia, artes e outras formas de conhecimento e expressão. Na UERJ, coordenado pelos físicos Márcia Begalli e Victor Oguri, o projeto funciona continuamente e seu objetivo é divulgar a ciência como uma aventura aberta, cheia de desafios e oportunidades.

Outro projeto de divulgação científica e educação informal em ciências é o Museum Alliance da NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço), a agência norte-americana de pesquisa aeroespacial. O Museum Alliance conta com cinco instituições parceiras no Brasil. A mais nova a ingressar no projeto foi a Universidade Estadual do Tocantins, a Unitins. Com campus espalhados pelo Estado, sua sede fica em Palmas, uma capital nova, localizada na região conhecida como “Sertão do Norte de Goiás”. O Museum Aliance da NASA disponibiliza recursos tecnológicos didáticos para a promoção das ciências aeroespaciais, da astrofísica do sistema solar e da astronomia, de modo mais amplo.

Coordenadas pelo autor e pela professora Clarissa McCoy, pesquisadora da Unitins e da University College Dublin (UCD), as ações do Museum Alliance em Palmas envolveram estudantes de escola públicas, universitários e a sociedade em geral, em eventos de divulgação científica, como sessões de “Cine Ciência”, com filmes que exploram a corrida espacial, seguidos de debates sobre temas como “Ciência e Direitos Humanos”, “Ciência, Tecnologia e Sociedade”, “Ciência e Filosofia” etc. O “Cine Ciência” envolveu o NEDIH, Núcleo de Direitos Humanos da Unitins, e contou com a colaboração da socióloga Leila Amaral, explorando a dimensão política e social da pesquisa científica.

Uma de nossas ações foi a realização da “Primeira Noite Unitins-IFTO de Observação Lunar” no campus da Unitins, em Palmas. Em parceria com o projeto Perigeu da Coordenação de Ciências Matemáticas e Naturais do IFTO, disponibilizamos três telescópios para observação guiada da lua e de outros astros. Mais de 80 pessoas participaram, e a imensa maioria revelou que utilizava um telescópio pela primeira vez. O Projeto Perigeu, coordenado pelo professor Francisco Romero, tem permitido que muitas pessoas experimentem a emoção de ver em detalhes a superfície da lua e a forma de planetas vizinhos.

Em sessões de observação como a que realizamos, as reações são variadas e emocionantes. O céu de Galileu é revelado em sua poesia natural, os instrumentos científicos transformam-se em portas que nos abrem novas experiências, a ciência é experimentada em uma dimensão estética e filosófica. Ouvimos expressões de surpresa, assombro e maravilhamento. Uma das participantes, com olhos lacrimejados, repetia que “a lua é linda” e dizia, estupefata, que não entendia como pôde viver sem realmente conhecê-la por mais de vinte anos. Sempre olhava a lua, mas pela primeira vez, realmente a via, compartilhando de seus segredos, conhecendo as “imperfeições” de sua superfície, penetrando em seu mistério.

A divulgação científica pode ocorrer por meio de textos, vídeos, podcasts. Estes podem ser fascinantes e abrangentes. Mas as experiências provocadas por eventos também são igualmente importantes. Algo como uma observação lunar é impactante, desvelando, para o participante, uma face da ciência até então desconhecida. Como disse o poeta Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), o luar do sertão é lindo. Descortinado pelos instrumentos científicos, esse luar pode ressignificar a experiência do observador com a ciência.

Conforme o matemático francês Henri Poincaré (1854-1912), a astronomia é importante porque sua beleza nos eleva além de nós mesmos. “Tendo a lua, aquela gravidade aonde o homem flutua”, merece a visita de todos os que estão sob sua luz encantadora. Podemos conquistar os reinos do espaço sem fim viajando nas páginas de um belo livro, ou, como Einstein, pelo pensamento puro, percorrendo o cosmos em um feixe de luz, e também podemos navegar por parte do universo observável através das lentes translúcidas de um simples telescópio.

Para saber mais:

 

TESE

SILVA, Vinícius Carvalho da. Qual é o valor da ciência? Metafísica e axiologia em tempos de Big Science e tecnociência. Tese (Doutorado em Filosofia da Ciência e Teoria do Conhecimento). Instituto de Filosofia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2017. Disponível:                                     <https://www.academia.edu/39012367/Qual_o_valor_da_ci%C3%AAncia_Metaf%C3%ADsica_e_axiologia_na_era_da_Big_Science_e_da_tecnoci%C3%AAncia._What_is_the_value_of_science_Metaphysics_and_axiology_in_era_of_Big_Science_and_Technoscience_>. Acessado em: 26 abril. 2020

 

ARTIGOS

SILVA, Vinicius Carvalho da; BEGALLI, Marcia. Possibilidades e alternativas para o Ensino de Física: pensando em uma educação crítica, criativa e não utilitarista. CIÊNCIA E SOCIEDADE, v. 5, p. 1-6, 2018. Disponível: < http://revistas.cbpf.br/index.php/CS/article/view/312>. Acessado em: 26 abril. 2020

SILVA, Vinicius Carvalho da; BEGALLI, Marcia. Masterclass Hands on CERN. CROLAR - Critical Reviews on Latin American Research, v. 5, p. 84-87, 2016. Disponível: <http://www.crolar.org/index.php/crolar/article/view/235>. Acessado em: 26 abril. 2020.